IMPORTÂNCIA DA MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO PARA IDENTIFICAÇÃO DE MICOPLASMA
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Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-08
Este trabalho foi escrito por:
Marcio Pedroso Motta1, Gislene Mitsue Namiyama2
1Bolsista do Curso de Especialização em Microscopia Eletrônica NME/IAL e-mail:[email protected]
2 Pesquisador Científico do Núcleo de Microscopia Eletrônica /CPI/IAL
Resumo: O Micoplasma é dividido em 200 espécies, sendo que 16 são encontradas em humanos, apenas cinco são de grau de patogenia preocupante, sendo estas: M. pneumoniae, M. genitalium, M. hominis, e U. parvum e U. urealyticum. Medem em torno de 0,1 a 0,2 µm de largura e 1 a 2 µm de comprimento, não apresenta parede celular, o que faz com que a sua morfologia seja pleomórfica. O Micoplasma é caracterizado e reconhecido como a menor bactéria de vida livre, necessitando sempre de uma célula hospedeira para complementar a síntese proteica. Por este motivo, seu crescimento é demasiado lento, fazendo com que sua detecção em meio de cultura seja demorada e por vezes tardia. Esta bactéria é a causa de muitas contaminações em meios de cultura. Em humanos, este microrganismo está relacionado a problemas como: inflamações do trato respiratório, do trato urinário, complicações na gestação e em neonatos. A infecção por Micoplasma é subnotificada, em grande parte por desconhecimento ou negligenciada. Isto pode causar resistência pelo uso inadequado de antibióticos de amplo espectro, não sendo específico para Micoplasma. Os estudos que envolvem Micoplasma in vitro necessitam que se recrie o mais fielmente um ambiente endógeno a célula, isso faz com que o cultivo em meio de cultura desta bactéria exija meios propícios e específicos como fatores de nutrição que auxiliem no crescimento in vitro, como temperatura, pH e enzimas. Há várias formas de diagnosticar o Micoplasma, a técnica de coloração negativa através da Microscopia Eletrônica de Transmissão é uma delas e faz sua análise morfológica, outra técnica seria o PCR que faz a identificação da espécie do Micoplasma.
Palavras chaves: Mycoplasma, Microscopia Eletrônica de Transmissão, Diagnóstico.
INTRODUÇÃO
“Mollicutes” é derivada do latim mollis (que significa “suave” ou “flexível”), e cutis (“pele”) também conhecido como Micoplasma, que é a forma taxonômica mais conhecida (UPHOFF; DREXLER, 2011).
Os Micoplasmas são considerados a menor bactéria de vida livre, (WAITES et al., 2012), resultantes de várias mudanças evolutivas e adaptativas, necessitando sempre de uma célula hospedeira para complemento de sua síntese proteica. Tem em torno de 0,1 a 0,2 µm de diâmetro de tamanho, seu genoma é composto de DNA e RNA, tem entre 580 a 2200 Kilo bases (Kbp) e entre 23-40% das bases citosina(C) e Guanina (G), sua membrana é constituída por lipoproteínas. Não possui parede celular, o que confere sua morfologia pleomórfica, ou seja, formato variável, além disso, lhe dá resistência a uma vasta classe de antibióticos.
A falta de parede celular faz com que a membrana celular tenha um papel fundamental no processo de infecção, transporte de diversos nutrientes, interação com a célula que está sendo infectada e a defesa imunológica do hospedeiro (MUGUNTHAN; HARISH, 2022). Esta membrana celular é a principal via de contato com o ambiente do hospedeiro. Algumas destas proteínas sofrem variações antigênicas por intermédio de comutações (liga/desliga), embaralhamento de domínio entre variações de tamanho para a modificação de componentes antigênicos na superfície da célula, com a finalidade de produzir heterotipos que possibilitam a evasão ao sistema imune do hospedeiro. Quando in vivo, estes estão associados ao tecido do epitélio, com algumas exceções quando ocorre invasão intracelular (WAITES et al., 2012). Suas lipoproteínas são fortes ativadores, através dos receptores do tipo Toll (TRL2) (WAITES; TALKINGTON, 2004; VERITAS, [s.d.]; WAITES; KATZ; SCHELONKA, 2005).
O Micoplasma agrupa vários gêneros com mais de 200 espécies, das quais 16 são encontradas em humanos, destacando-se o Mycoplasma, Ureaplasma e Acholeplasma, por causar infecções importantes. Seu tamanho e capacidade de autorreplicar-se favorecem a sua contaminação em cultivos celulares, comprometendo a qualidade dos testes diagnósticos e terapias celulares que empregam esses produtos. Ademais, esse microrganismo não é visível à microscopia óptica de luz necessitando de Microscopia Eletrônica de Transmissão, e testes diagnósticos mais precisos, como os testes moleculares para sua identificação.
Diante do exposto, este trabalho teve como objetivo contextualizar o Micoplasma nos produtos e na Saúde Pública e o emprego da Microscopia Eletrônica na sua identificação.
Esta revisão bibliográfica descreve sobre o Micoplasma, as espécies de importância para Saúde Pública e a utilização da Microscopia Eletrônica de Transmissão para análise morfológica.
MATERIAL E MÉTODO:
Trabalho descritivo, empregando as bibliografias disponíveis em julho a dezembro de 2022, com a finalidade de discorrer sobre o Micoplasma e o seu impacto à Saúde Publica tanto na qualidade de cultivos celulares empregados em diagnósticos e tratamentos como na patogenia a seres humanos. Foi realizado levantamento bibliográfico nas bases de dados PUBMED, SCIELO, Livros Principles of biochemistry, Biologia Celular e Molécula, Manual Microbiologia e Microbial Physiology, empregando as palavras chave Micoplasma, cultura celular, Microscopia Eletrônica de Transmissão.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
- Principais Micoplasmas patogênicos ao homem.
1.1. M. pneumoniae (MP): patógeno exclusivo de humanos, resultando em infecções do trato respiratório superior e inferior, destacando-se em quadros de pneumonias atípicas da comunidade (PAC). Infecção insidiosa de curso prolongado, de transmissão respiratória, com período de incubação de até 1-4 semanas, o que favorece a sua disseminação na comunidade, podendo ocasionar surtos em adultos e crianças. Os sintomas mais comuns são dor de cabeça, tosse e traqueobronquite podendo evoluir para pneumonias e ocasionalmente infecções mais graves como encefalites. A alta morbidade e eventual mortalidade reforçam a necessidade de tratamento oportuno com antibiótico adequado (WAITES & TALKINGTON, 2004).
1.2. M. genitalium (MG): é responsável por infecções da pelve e do trato urinário como a uretrite não gonocócica (UNG) e a cervicite, sendo pouco comum a sua detecção na ausência de infecções clínicas. Está classificado como uma infecção de transmissão sexual (IST) devido à necessidade de contato direto com a mucosa genital, uretral ou retal contaminada (JENSEN, 2004; WAITES et al., 2012).
1.3. M. hominis (MH): tem um tropismo preferencial por tecidos da uretra, colo do útero ou vagina, mas acomete principalmente as mulheres. Da população feminina em geral sexualmente ativa, 21% a 53% das mulheres não apresentam sintomas ao serem colonizadas por este patógeno, o que pode trazer diversas complicações as mulheres gestantes, devido a possibilidade da transmissão vertical ao neonato no momento do parto (WAITES et al., 2012). Em adultos, podem causar pielonefrite, inflamação pélvica corioamnionite, endometrite pós-parto, vaginose bacteriana, artrite, osteoartrite, infecções de feridas. Já em neonato, pneumonia congênita, meningite, bacteremia e abscessos e infecções sistêmicas (WAITES et. al., 2012).
O MH tem a sua patogenia ligada a citoaderência, como os demais Micoplasmas, resultando em lesões teciduais, devido à ação de mediadores pró-inflamatórios, acionados pelas células do sistema (WAITES; KATZ; SCHELONKA, 2005).
1.4. Ureaplasmas: Se ligam a uma variedade de células humanas, incluindo eritrócitos, espermatozóides e células epiteliais da uretra, interferindo na sua fisiologia, como por exemplo, na redução da motilidade do espermatozoide, resultando na infertilidade
masculina. Sua ligação espontânea aos neutrófilos causa ativação do sistema complemento. Destacam-se 2 espécies de Ureaplasmas, o U. parvum e U. urealyticum, que têm tropismo preferencial por células do colo uterino e da vagina, nas quais são frequentes, em torno de 40-80%, em mulheres sexualmente ativas, contra 5-20% de infeção em células urogenitais masculinas. A transmissão pode ser via sexual ou vertical, resultando em infertilidade, endometriose pós-parto, corioamnionite, parto prematuro ou aborto espontâneo às mulheres e pneumonia, bacteremia, meningite e doença pulmonar crônica ou displasia broncopulmonar (DBP) em neonatos (WAITES; KATZ; SCHELONKA, 2005).
- Mycoplasma spp. – contaminantes celulares
Culturas de células podem facilmente ser infectadas por Micoplasmas, que é um dos contaminantes mais presentes nos laboratórios de cultivos atualmente. Suspeita-se que a principal contaminação desses cultivos ocorra pelo próprio homem. Além disso, uma cultura contaminada dissemina facilmente o Micoplasma entre as demais, devido a produção de aerossóis durante a manipulação das células. Outro fator que pode contribuir para a contaminação das culturas é a grande movimentação de pessoas com acesso ao laboratório ou ao local onde as amostras e meio de culturas ficam armazenadas (UPHOFF; DREXLER, 2011).
As células infectadas pelo Micoplasma têm seu metabolismo, funções celulares e crescimento modificado, que podem levar a morte celular e/ou interferir nos ensaios clínicos ou diagnósticos (WAITES et al., 2012; LEVY; LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA,
2004; WAITES; TALKINGTON, 2004). Esta interferência pode ser minimizada através de protocolos de biossegurança inseridos nas rotinas obrigatória dos laboratórios através de processos de triagem e inspeção de amostras, as ações de controles de acesso às amostras e aos meios de culturas, a higienização constantes de bancadas e cabines de biossegurança (UPHOFF; DREXLER, 2011).
- Microscopia Eletrônica de Transmissão (MET)
Em relação ao Micoplasma, a técnica de coloração negativa se mostra fiel em suas imagens, revelando de fato os números reais das quantidades de Micoplasmas infectando a célula hospedeira, através da análise da morfologia do grupo ao qual essa bactéria pertence (TAKAYAMA et al., 1983). Esta técnica também permite visualizar alterações minuciosas no tamanho e no aspecto morfológico do Micoplasma, incluindo suas estruturas internas (NAKANE; MIYATA (2009)). Quando este não está em contato a nenhuma superfície apresenta morfologia esférica semelhante a cocos, porém quando está em contato com superfície ocorre mudança para a forma filamentosa (BALISH; KRAUSE (2006)). Durante o processo de adesão é possível visualizar as alterações no tamanho e formato de proteínas de adesão (MATSUIKE et al. (2023)).
A MET permite analisar as diferentes etapas da infecção da célula desde o inicio, fases da replicação e as alterações provocadas pelo Micoplasma na célula hospedeira, como por exemplo, as alterações estruturais e morfológicas ocasionadas na célula, bem como as alterações na permeabilidade da membrana e as modificações na estrutura das mitocôndrias. A observação destas alterações na célula hospedeira só é possível pela técnica de corte ultrafino da Microscopia Eletrônica de Transmissão, que possibilita a visualização de áreas mais claras e mais escuras, evidenciando essas alterações, como por exemplo, a perda das cristas mitocondriais, e/ou granulação citoplasmática (SESSO et al., 2017).
o processo de adesão é possível visualizar as alterações no tamanho e formato de proteínas de adesão (MATSUIKE et al. (2023)).
CONCLUSÕES
Em laboratório, o Micoplasma pode causar muitas complicações como contaminante de cultura, resultando em perda de material e de tempo, e, para mitigar esta situação se fazem necessários à identificação e detecção da fonte de contaminação, bem como a implementação de procedimentos básicos de eliminação de contaminantes.
Esta bactéria pertence ao grupo de patógenos tanto de seres humanos quanto de animais. O M. pneumoniae é a principal espécie de patogenia humana deste grupo, e causa e causa infecções no trato respiratório superior, como a pneumonia adquirida na comunidade. Outras espécies de Micoplasma patogênicas incluem M. genitalium, espécies de Ureaplasma (incluindo a U. parvum e U. urealyticum) e M. hominis associados a infertilidade, partos prematuros, ISTs, entre outras.
A MET tem se mostrado uma ferramenta importante na pesquisa e diagnóstico de Micoplasmas, seja no controle de qualidade dos cultivos celulares produzidos para auxiliar no diagnóstico desse patógeno humano, ou como agente infeccioso, em ambas as situações sendo impactantes à Saúde Pública.
REFERÊNCIAS
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LEVY, C. Manual de Microbiologia Clínica para o Controle de Infecção em Serviços de Saúde. 9. ed. SEPN 515, Edifício Omega. Bloco B, Brasília (DF), CEP70770-502: Editora Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2004. v. 1. p. 50.
MOAT, A.; FOSTER, J.; SPECTOR, M. MICROBIAL PHYSIOLOGY.–4th; p.24. ed.p.cm.Includes bibliographical references and index.ISBN 0-471-39483-1 (paper: alk. paper)1. Microorganisms—Physiology.Title.QR84.M64 2002571.29–dc21. Disponível em: https://www.academia.edu/35002636/Microbial_Physiology_4th_Edition_A_G_Moat_J_W_Foster_and_M_P_Spector_
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