AVALIAÇÃO DA ROTINA DE DIAGNÓSTICO E ACOMPANHAMENTO DA HEPATITE C REALIZADA PELO INSTITUTO ADOLFO LUTZ CENTRAL ENTRE OS MESES DE JANEIRO A JULHO DE 2022
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Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-18
Este trabalho foi escrito por:
Amanda Vieira Lima1; Julia Gabriela dos Santos Pedro¹; Clóvis Roberto Abe Constantino²; Adriana Parise Compri²
1 Estudante do Curso de Vigilância Laboratorial em Saúde Pública do Laboratório de Hepatites do Instituto Adolfo Lutz Central; E-mail: [email protected]
2 Pesquisador Científico do Laboratório de Hepatites do Instituto Adolfo Lutz Central; E-mail: [email protected]
RESUMO
A infecção pelo vírus da hepatite C é um grave problema de saúde pública, sendo que 85% dos indivíduos infectados progridem para a fase crônica. Além disso, muitos pacientes são assintomáticos, dificultando o diagnóstico e levando a doença a avançar durante décadas sem suspeita clínica, o que aumenta o risco de complicações como cirrose e carcinoma hepatocelular. O diagnóstico envolve o uso de técnicas sorológicas para a triagem e técnicas de biologia molecular como o RT-qPCR, para a confirmação do resultado. O RT-qPCR faz a quantificação do vírus HCV e, por isso, é usado não apenas para o diagnóstico, mas também para medir a eficácia do tratamento. O objetivo do presente trabalho foi avaliar a rotina dos exames de RT-qPCR para o diagnóstico e tratamento da hepatite C. Para tanto, foram selecionados os exames realizados entre os meses de janeiro a julho de 2022 no Laboratório de Hepatites do Instituto Adolfo Lutz Central. O levantamento de dados foi feito por meio do Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL) e das requisições de solicitação de exames dos pacientes. Os resultados mostraram que a maioria dos infectados eram do sexo masculino 55% com média de idade de 53,2 anos. Para o diagnóstico, 57,7% dos exames apresentaram resultado não detectável, evidenciando a importância do RT-qPCR para confirmar a infecção ativa. Nos exames para avaliação da doença após o tratamento, 96,7% foram não detectáveis indicando que os medicamentos administrados foram eficazes. Em relação à rotina, falhas foram encontradas sendo propostas medidas para a sua melhoria, o que impacta diretamente nos resultados liberados aos pacientes atendidos pela rede. Portanto, com as ferramentas utilizadas foi possível avaliar a rotina que envolve o diagnóstico e tratamento da hepatite C no Laboratório de Hepatites do Instituto Adolfo Lutz Central e propor ações para reduzir as não conformidades.
Palavras-chave: Diagnóstico, Hepatite C, Rotina, RT-qPCR, Tratamento
INTRODUÇÃO
A hepatite C é responsável por aproximadamente 71 milhões de infecções no mundo, sendo 700 mil no Brasil, representando uma das principais doenças crônicas hepáticas, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a propor que até 2030 houvesse um esforço global para reduzir a incidência e mortalidade desse agravo.(1, 2, 3)
O vírus da hepatite C (HCV) é transmitido através do sangue contaminado que está presente principalmente nos objetos perfurocortantes, e por esse motivo, usuários de drogas
injetáveis e profissionais da área da saúde estão entre os grupos mais suscetíveis. Cerca de 85% dos infectados não conseguem eliminar espontaneamente o vírus e a doença evolui para o estado crônico que é caracterizado pela persistência viral por mais de 6 meses. Somado a isso, muitos pacientes progridem de maneira assintomática, dificultando o diagnóstico e levando a doença a avançar durante décadas sem suspeita clínica, aumentando o risco de complicações como cirrose e carcinoma hepatocelular.(4, 3)
O diagnóstico envolve o uso de técnicas sorológicas para a triagem e técnicas de biologia molecular como a transcrição reversa seguida da reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-qPCR) para a confirmação do resultado. A RT-qPCR faz a quantificação do vírus HCV e por isso é usada não apenas para o diagnóstico, mas também para medir a eficácia do tratamento.(5)
No estado de São Paulo o Laboratório de Hepatites do Instituto Adolfo Lutz (IAL) Central é o laboratório de referência e coordenador da rede de biologia molecular, que além de realizar as rotinas de PCR quantitativo em tempo real para as hepatites B e C atua auxiliando outros laboratórios da rede.(6)
Tendo em vista os aspectos envolvendo a hepatite C e a importância dos exames de biologia molecular para o monitoramento dessa doença, o presente trabalho teve como objetivo avaliar a rotina dos exames de RT-qPCR para o diagnóstico e tratamento da hepatite C.
MATERIAL E MÉTODOS
Para que o objetivo pudesse ser atingido foi realizado um levantamento de dados secundários dos pacientes com suspeita ou confirmação de hepatite C, atendidos entre os meses de janeiro a julho de 2022 no Laboratório de Hepatites do IAL Central. As informações foram retiradas do Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL) e das requisições de exames dos pacientes, que foram encaminhadas junto com as amostras, levando em consideração parâmetros que possibilitassem conhecer o perfil dos pacientes atendidos pela rede, como sexo e idade, além dos motivos para as solicitações dos exames e as ocorrências que causaram o cancelamento de parte deles. As tabelas de resultados foram geradas através do programa Microsoft Excel 2010.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante o período analisado 1307 exames de biologia molecular do tipo RT-qPCR foram solicitados ao Laboratório de Hepatites do IAL Central. Os motivos assinalados na requisição para justificar a realização do exame são apresentados conforme a Tabela 1. O campo marcado como vazio 19,9% representa exames que foram cadastrados no GAL, mas o resultado não foi liberado. O campo ignorado 12,9% representa requerimentos em que o motivo do exame não foi preenchido pela unidade solicitante. A falta ou o incorreto preenchimento desse campo pode levar a incompatibilidade entre o motivo e o valor da carga viral prejudicando a análise do resultado.
Como já mencionado, uma parcela dos exames não foram liberados ficando retidos nos status de aguardando triagem (3,1%), exames cancelados (7,7%) e exames não realizados (89,2%). As ocorrências que levaram aos seus cancelamentos são apresentadas na Tabela 2. Nota-se que muitas das ocorrências são devido a falhas na etapa pré-analítica, por exemplo, o envio da amostra para o local errado de realização do exame, como em “O IAL Central não é referência para esta solicitação” 19,6% fazendo com que a solicitação não esteja em conformidade com o que é determinado pelo Ministério da Saúde (MS) ocasionando desperdício de tempo e mão de obra. Além disso, quase metade dos cancelamentos 46,2% não teve um motivo registrado, o que prejudica a adoção de medidas para evitar falhas no futuro. Vale ressaltar que, dentre os exames não liberados, nos exames cancelados e aguardando triagem o sistema GAL não permite colocar o motivo do cancelamento, só sendo permitido para os exames com status não realizados.
Do total de solicitações, 1047 exames foram liberados 80,1% sendo que destes foram considerados abaixo do limite de quantificação 0,4% (n=4), detectáveis 21,8% (n=229) e não detectáveis 77,7% (n=814). A maioria dos resultados detectáveis foram em pacientes do sexo masculino 55,0% (n=126), semelhante à proporção relatada no Boletim Epidemiológico do MS (2021), onde os homens representaram 57,6% dos infectados entre os anos de 1999 a 2020.(7)
Em relação à idade, a maioria dos resultados detectáveis 31,4% (n=72) foi na faixa etária de 40 a 49 anos e média de 53,2 anos, estando de acordo com Carvalho-Louro et al. (2020) que menciona uma maior prevalência de HCV depois dos 40 anos e sugere a intensificação de campanhas para o diagnóstico a partir dessa idade.(1)
Das requisições que tiveram como motivo o diagnóstico (Tabela 3) mais da metade deles foi não detectável 57,7%, pois os anticorpos detectados no teste rápido (TR) são anticorpos totais não diferenciando infecção ativa de passada, isto mostra a importância do exame de RT-qPCR para confirmação do diagnóstico. Dentre os detectáveis, a maioria apresentou log alto com média de 5,7 indicando a necessidade de se iniciar o tratamento o quanto antes a fim de evitar as complicações clínicas e a disseminação do vírus, como demonstrado na literatura.(5, 8).
No decorrer do ano de 2022, casos de hepatite aguda grave de etiologia desconhecida vêm acometendo crianças. Diante disso, o IAL Central enquanto laboratório de referência recebeu amostras de hepatite de causa desconhecida para a investigação do HCV. Das 30 amostras analisadas, todas apresentaram resultado não detectável, confirmando que o HCV não é o agente etiológico desse agravo como observado em outros países.(9, 10)
Quanto ao motivo de solicitação para genotipagem, os resultados são em sua maioria detectáveis 88,9% (n=8) e com valores de carga viral alta, o que é esperado já que o recomendado é que a genotipagem seja feita antes do início do tratamento. No momento da solicitação, a requisição do paciente foi preenchida tendo como motivo a genotipagem, mas como o Laboratório de Hepatites do IAL Central não é referência para a solicitação deste exame, somente o RT-qPCR foi realizado.
O rastreio periódico do HCV é recomendado principalmente entre os grupos mais expostos aos fatores de risco considerando a possibilidade de reinfecção já que a hepatite C não confere imunidade protetora após a primeira exposição(2). Dentre as 11 amostras analisadas tendo como finalidade a suspeita de reinfecção, 18,2% (n=2) apresentaram resultado detectável.
A maioria dos resultados foi para verificar a avaliação pós-tratamento (Tabela 4), para averiguar se a resposta virológica sustentada (RVS) foi alcançada. Destes, 96,7% foram não detectáveis, evidenciado a eficácia do tratamento. Dos 2,6% que foram detectáveis todos apresentaram valor de carga viral alta com log acima de 4. Dentre as explicações prováveis está, a de que, parte dos pacientes não aderiram ao tratamento, não responderam ao tratamento indicado ou a finalidade do exame estava incorreta quando preenchida pela unidade requisitante.(1, 11)
Exames de RT-qPCR também foram feitos para os pacientes que precisavam monitorar o tratamento, com o intuito de saber se a carga viral estava diminuindo ao longo do tempo. Destes, 92,9% (n=13) apresentaram resultado não detectável, mostrando que o tratamento estava funcionando como mencionado por Duarte et al (2021).(12)
Para os casos em que o motivo foi a indicação de tratamento, 67,9% (n=19) dos pacientes apresentaram resultado detectável. A indicação de tratamento é importante para a obtenção de um valor de carga viral atualizado uma vez que o paciente só consegue retirar o medicamento se apresentar um resultado de carga viral de até 3 meses como definido pelo MS.(2)
Através das requisições também foi possível verificar quais pacientes fizeram uso de medicamentos considerando a somatória dos que estavam em avaliação pós-tratamento e monitorando o tratamento (n=470). Desse total, 13,0% das requisições estavam com o campo em branco e 70,0% não possuíam o campo de medicação para ser preenchido em decorrência do modelo de ficha mais recente. Dada a importância dessa informação para acompanhar a evolução clínica do paciente seria interessante a adaptação do modelo atual com a inclusão desse campo.
Portanto, é fundamental o comprometimento de todos os profissionais envolvidos e a possibilidade de treinamento e/ou reciclagem, bem como a revisão periódica dos protocolos visando o aprimoramento das etapas da rotina para a correta realização do exame.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento desse estudo possibilitou conhecer o perfil dos pacientes atendidos, identificar parâmetros para melhorar e aumentar a qualidade dos exames de rotina de RT-qPCR para HCV realizados pelo Laboratório de Hepatites do IAL Central e pela rede estadual, que coordena.
REFERÊNCIAS
- CARVALHO-LOURO, D. M. et al. Hepatitis C screening, diagnosis, and cascade of care among people aged > 40 years in Brasilia, Brazil. BMC Infectious Diseases, v. 20, n. 1, 10 fev. 2020.
- MS – MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite C e Coinfecções. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.
- ABU-FREHA, N. et al. Chronic hepatitis C: Diagnosis and treatment made easy. European Journal of General Practice, v. 28, n. 1, p. 102–108, 31 dez. 2022.
- MS – MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Manual Técnico para o Diagnóstico das Hepatites Virais. Brasília: Ministério da Saúde, 2018.
- . Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite C e Coinfecções. Brasília: Ministério da Saúde, 2018.
- LEMOS, M. F. et al. Diagnóstico Molecular da Hepatite C dos pacientes atendidos pelo Instituto Adolfo Lutz Central, entre março de 2012 e março de 2013. Boletim Epidemiológico Paulista – BEPA. V. 12 No 139. Julho de 2015.
- MS – MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico – Hepatites Virais 2021. Brasília: Ministério da Saúde, No. especial jul. 2021.
- BATTISTAM, D. C. Avaliação da Carga Viral do Vírus da Hepatite C (VHC) no Plasma Pobre em Plaquetas. Dissertação (Mestrado em Pesquisa e Desenvolvimento: Biotecnologia Médica. Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista (UNESP). Botucatu – SP. 2019.
- MARSH, K. et al. Investigation into cases of hepatitis of unknown aetiology among young children, Scotland, 1 January 2022 to 12 April 2022. Eurosurveillance, v. 27, n. 15, p. 1–7, 14 abr. 2022.
- VIDAL, A. R. et al. Hepatitis of unknown aetiology in children – epidemiological overview of cases reported in Europe, 1 January to 16 June 2022. Eurosurveillance. European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), v. 27, n. 31. 4 ago. 2022.
- ROCHA, L. S. Avaliação das mutações de resistência ao tratamento com os novos antivirais de ação direta (DAA) em pacientes com hepatite C crônica. 2019. Dissertação (Mestrado em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa). Fundação Oswaldo Cruz, Salvador, Bahia, 2019.
- DUARTE, G. et al. Protocolo Brasileiro para Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: hepatites virais. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 30, n. especial 1, 2021.