ANÁLISE DE DADOS SECUNDÁRIOS DOS CASOS SUSPEITOS DE COQUELUCHE NO ESTADO DE SÃO PAULO
- Home
- /
- Blog
- /
- Resumo expandido TCC
- /
- ANÁLISE DE DADOS SECUNDÁRIOS DOS CASOS SUSPEITOS DE COQUELUCHE NO ESTADO DE SÃO PAULO
Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Juliana Lourenço da Silva Pereira1; Daniela Leite2.
1Estudante do Curso de Vigilância Laboratorial em Saúde- Centro de Bacteriologia– IAL. Email: [email protected]
2Docente/pesquisador do Núcleo de Doença Entéricas e Infecções por Patógenos Especiais – NDEI – IAL
RESUMO: A coqueluche é uma doença de transmissão respiratória, altamente contagiosa, causada pela Bordetella pertussis, que pode acometer indivíduos de todas as idades. O grupo de maior risco são os bebês menores de seis meses, não vacinados ou incompletamente imunizados. O diagnóstico laboratorial é realizado pelo isolamento por cultura e/ou pela identificação por qPCR de B. pertussis. Por ser um importante agravo em saúde pública, o objetivo do trabalho foi realizar uma análise epidemiológica dos dados secundários da doença no Estado de São Paulo entre os anos de 2010 a 2020. As informações foram obtidas a partir do banco de dados criado pelo NDEI. Os resultados demonstraram uma maior sensibilidade da qPCR em relação a cultura; um aumento gradual na positividade entre os anos de 2010 e 2014, e maior positividade entre indivíduos do sexo feminino. A faixa de crianças até seis meses foram os mais acometidos pela doença, e as unidades com maior número de exames e positividade foram o IAL Central, CLR de Campinas, Ribeirão Preto e Taubaté respectivamente. Conclui-se que, apesar da coqueluche ser uma doença imunoprevenível, ainda ocorre muitos casos da doença, inclusive epidemias como a de 2010 a 2014. A qPCR é uma técnica de maior sensibilidade em relação a cultura e esta é imprescindível para o diagnóstico, já que é fundamental para realização de estudos epidemiológicos.
Palavras–chave: coqueluche, epidemiologia; cultura; qPCR.
INTRODUÇÃO
Bordetella pertussis é o agente causal da coqueluche, doença infecciosa que apresenta altas taxas de transmissão (90%) e que pode acometer indivíduos de qualquer idade, sendo o grupo de maior risco os bebês menores de seis meses que ainda não completaram o esquema de imunização primária [1; 2; 3]. É um importante problema de saúde pública e apesar de uma redução significativa na carga global da doença com o advento da vacina, a doença permanece endêmica em todo o mundo, com surtos e picos epidêmicos ocorrendo a cada 3-5 anos [4]. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, em 2018, ocorreram, em todo o mundo, cerca de 151.000 casos de coqueluche, sendo 90% deles em países em desenvolvimento [5].
A doença é transmitida depessoa a pessoa através de gotículas de saliva de indivíduos contaminados. Possui uma duração média de quatro a 12 semanas, com três estágios: catarral, na qual os pacientes são mais contagiosos e os sintomas são confundidos com infecções respiratórias leves, apresentando febre baixa, coriza, tosse seca e mal-estar; paroxística, na qual a manifestação típica são os paroxismos caracterizados por uma crise súbita e incontrolável de tosse, seguiada de falta de ar e vômitos, ocorre estreitamento da glote que ao respirar profundamente pode emitir um som chamado de “guincho” e convalescença, onde ocorre a diminuição dos paroxismos e vômitos [4; 6;7;8].
O diagnóstico laboratorial para o agravo é realizado pelo isolamento da B. pertussis pela cultura e pela realização do diagnóstico rápido pelo método da PCR em Tempo Real-qPCR, ambos de material colhido de secreção nasofaríngea [9; 10].
Atualmente estão disponíveis dois tipos de vacinas (i) a vacina de células inteiras (wP) produzidas a partir da suspensão de bacilos inteiros mortos e a vacina acelular (aP) composta por um a cinco antígenos purificados [11]. No Brasil, a vacina pentavalente (DTP – toxóides diftérico e tetânico e pertussis + hepatite B e Haemophilus influenzae tipo b) é aplicada aos dois, quatro e seis meses de idade, com primeiro reforço com a DTP aos 15 meses e o segundo, entre os quatro e seis anos de idade. Em 2014, foi incluído no calendário vacinal a imunização de gestantes aplicada a cada gestação entre a 20ª e a 36ª semana (vacina dTpa) [12].
O Centro de Bacteriologia (CB) do Instituto Adolfo Lutz Central (IAL) é o Laboratório de Referência Nacional para Coqueluche, sendo responsável pelo diagnóstico laboratorial pelo método da cultura, e pelo método molecular da qPCR. O IAL também é responsável pelo desenvolvimento de pesquisas para caracterizar os isolados de B. pertussis circulantes no país.
Este trabalho teve como objetivo ampliar o conhecimento da epidemiologia da coqueluche em nosso meio por meio de análise de dados secundários dos casos suspeitos de coqueluche no Estado de São Paulo, cujos materiais biológicos foram encaminhados ao CB do IAL, para realização do diagnóstico laboratorial pelas técnicas de cultura e da qPCR.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostras de swab nasofaríngeo, provenientes da assistência do Estado de São Paulo e encaminhadas ao IAL Central e aos Centros dos Laboratórios Regionais do IAL (CLR – IAL) entre janeiro/2010 a dezembro/2020, para a rotina diagnóstica de coqueluche. As informações obtidas foram organizadas em bancos de dados no Núcleo de Doenças Entéricas e Infecções por Patógenos Especiais – NDEI do CB/IAL. Não foram incluídas informações que permitissem identificar os pacientes, de forma a garantir a privacidade das informações e o anonimato dos sujeitos da pesquisa, utilizando-se os dados obtidos exclusivamente para os propósitos desta pesquisa. As variáveis que foram consideradas para a análise dos dados foram: ano calendário, área geográfica, faixa etária, sexo e resultados da cultura e qPCR.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram processadas 39.140 amostras de casos suspeitos de coqueluche no estado entre o período estudado.
Na figura 1, temos que a técnica de qPCR foi capaz de detectar um maior número de casos positivos em relação a cultura, 5.289 (13,51%) e 1.596 (4,1%) (somatória do período) para qPCR e cultura respectivamente, demonstrando a maior sensibilidade da qPCR entre as duas técnicas. Essa maior sensibilidade tem sido bastante evidenciada e relatada por diversos grupos ao redor do mundo. Um estudo realizado por LEE et al. (2018) [9] nos Estados Unidos, foi verificado a sensibilidade de diversas técnicas diagnósticas para a coqueluche dentre elas a qPCR e a cultura, os dados foram coletados de sete Estados entre os anos de 2007 e 2011, e os resultados demonstraram que a cultura apresentou 64% de sensibilidade enquanto a qPCR apresentou 90,6% do total de 868 amostras analisadas.
Observamos um aumento gradual da confirmação de casos suspeitos por qPCR, sendo o ano de 2014 o de maior positividade no Estado de São Paulo, correspondendo a 25,5% (1.350) do total de casos positivos por qPCR. Esses dados corroboram com os dados epidemiológicos do Brasil onde os anos de 2010-2014 foram considerados os anos do período epidêmico no país e no mundo.
O Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, notificou um aumento no número de casos de coqueluche em 2014, tendo um aumento de cinco vezes mais registrado em anos anteriores, com um total de 9.935 casos reportados, descrevendo um caráter epidêmico cíclico (três a cinco anos) no aumento de número de casos confirmados [13]
Ainda podemos observar que o ano de 2018 deveria corresponder ao início do próximo período epidêmico, no entanto isso não se confirmou já que ocorreu uma queda nos casos confirmados e também no número de amostras processadas. Não se pode confirmar exatamente o porquê de não ter havido uma nova epidemia de coqueluche, mas o que se supõe é que a queda dos casos suspeitos e positivos seja um reflexo dos efeitos da vacinação de gestante, mas não se tem estudos suficientes para confirmar esta hipótese.
O ano de 2020 foi o período com menor número de amostras processas e também de resultados positivos, o que pode ser relacionado com a pandemia de Covid-19, já que nesse ano toda a atenção estava voltada para está doença o que fez com que o diagnóstico para outras doenças respiratórias tenha ficado em segundo plano e também o uso de máscara pode ter levado a diminuição da transmissão de outras doenças respiratórias influenciando a queda nas amostras processadas.
Na figura 2, observamos a distribuição das faixas etárias obtidas na análise dos resultados positivos da qPCR. O grupo etário de maior positividade corresponde ao das crianças com idade menor ou igual a dois meses, 2.411 (45,6%) amostras positivas. Essa faixa etária corresponde às crianças que ainda não receberam nenhuma dose de imunizante, sendo o grupo mais vulnerável, seguido pelo grupo de três a seis meses, com 1.235 (23,4%), ou seja, dos incompletamente vacinados.
Entre o período de 2011 a 2014, o Ministério da Saúde (2020) registrou 22.772 casos positivos de coqueluche em todo o Brasil, onde 61% (13.935) desses casos em crianças menores de um ano de vida, sendo ainda 12.135 menores de seis meses, com esquema vacinal não iniciado ou incompleto, o que está de acordo com o observado em São Paulo [14].
Na tabela 1, a análise do sexo, mostrou que 55,4% (2.932) dos resultados positivos correspondiam ao sexo feminino, enquanto 44,4% (2.346) ao masculino, 0,2% ao grupo de sexo não informado (ou seja, recém-nascidos). Apesar de pequena a diferença de positividade entre os sexos, existe um predomínio entre as mulheres. Essa proporção também foi registrada por PEER et al. (2020), no qual foi feito um levantamento da incidência do sexo feminino e masculino em relação aos casos positivos em nove países no período entre os anos de 1990- 2017, variando a positividade entre os países, 48,1% e 54,7% para sexo masculino e feminino, respectivamente [15].
Na tabela 2 temos a análise da realização de exames processados em cada CLR – IAL nos 11 anos de estudo. O IAL Central (01) foi o que processou mais amostras e obteve o maior número de resultados positivos, correspondendo a 38,9% do total de amostras processadas entre 2010 e 2020, sendo seguido pelo CLR de Campinas (03), CLR de Ribeirão Preto (06) e CLR de Taubaté (12), com respectivamente 14,2%; 10,6% e 9,8% de amostras processadas. Presume-se que o alto número de amostras processadas seja atribuído ao intenso trabalho de vigilância epidemiológica e a presença de hospitais sentinelas nessas regiões o que permite um melhor rastreio de casos suspeitos e notificação dos casos positivos.
CONCLUSÕES
A análise dos dados epidemiológicos da coqueluche no Estado de São Paulo nos 11 anos estudados permitiu verificar que é um importante agravo em saúde pública. Apesar de ser uma doença imunoprevenível, ainda existem surtos e epidemias cíclicas, como a ocorrida entre 2010-2014. Assim como, verificou-se que a qPCR é uma ferramenta diagnóstica muito importante, quando comparada à cultura, pois possui maior sensibilidade e especificidade. Mas apesar de suas vantagens em relação à cultura, a qPCR é uma técnica auxiliar no diagnóstico, sendo a cultura necessária no diagnóstico pois sem ela seria impossível a realização de estudos epidemiológicos. E em relação à faixa etária, também se pode observar que a faixa mais atingida são as crianças menores de seis meses, ou seja, não imunizadas. Esse grupo é o mais vulnerável, mais exposto a adoecer e vir a óbito, sendo necessária a imunização materna para que os anticorpos produzidos ajudem a proteger esse grupo nos primeiros meses de vida.
REFERÊNCIAS
[1] MATTOO, S; CHERRY, J.D. Molecular pathogenesis, epidemiology, and clinical manifestations of respiratory infections due to Bordetella pertussis and other Bordetella subspecies. Clin Microbiol Rev, v. 18, n. 2, p. 326–382, 2005.
[2] CALVERT, A.; HEATH, P.T. Pertussis. Medicine, v. 45, n. 12, p. 735-738, 2017.
[3] MS. Ministério da Saúde. Coqueluche. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/coqueluche Acesso em: 09 de dez. de 2021.
[4] NIEVES, D.J.; HEININGER, U. Bordetella pertussis. Microbiol Spectr, v. 4, n. 3, EI10, 2016.
[5] WHO.World Health Organization. Pertussis. 2019. Disponível em: who.int/health-topics/pertussis#tab=tab_1. Acesso em 05 de agosto de 2021.
[6] OLIVEIRA, D.R.; LEITE, D.; BEREZIN, E.; RENOINER, E.I.M.; ROSA, F.M.; LOBO F.C.B.; et al. Coqueluche. In: Ministério da Saúde, Guia de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, 3°ed, v. único. Brasília, DF, 2019, p.70 -82.
[7] KILGORE, P.E; SALIM, A.M.; ZERVOS, M.J.; SCHMITT, H-J. Pertussis : Microbiology, Disease, Treatment, and Prevention. Clin Microbiol Rev, v. 29, n. 3, p. 449– 486, 2016.
[8] POLINORI, I.; ESPOSITO, S. Clinical Findings and Management of Pertussis. In: FEDELE, G.; AUSIELLO, C. (eds) Pertussis Infection and Vaccines. Advances in Experimental Medicine and Biology, v. 1183. Springer, Cham., 2019.
[9] LEE, AD.; CASSIDAY, P.K.; PAWLOSKI, L.C.; TATTI, K.M.; MARTIN, M.D.; BRIERE, E.C.;et al. Clinical evaluation and validation of laboratory methods for the diagnosis of Bordetella pertussis infection: Culture, polymerase chain reaction (PCR) and anti- pertussis toxin IgG serology (IgG-PT). PLoS ONE, v. 13, n. 4, e0195979, 2018.
[10] LEITE, D. Prevalência e caracterização de cepas de Bordetella pertussis deficientes em pertactina em um país com vacina de células inteiras contra coqueluche. 2019. 102f. Tese (Doutorado em Ciências). Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
[11] GUISO, N.; MEADE, B.D.; WIRSING VON KÖNIG, C-H. Pertussis vaccines: The first hundred years. Vaccine, v. 38, n. 5, p. 1271-1276, 2020.
[12] MS. Ministério da Saúde. Brasil. Nota informativa sobre mudanças no calendário nacional de vacinação para o ano de 2017. 2016
[13] WINTER, K.; GLASER, C.; WATT, J.; HARRIMAN, K. Pertussis Epidemic. MMWR, v.63, n. 48, p. 1129–1132, 2014.
[14] MS. Ministério da Saúde. Brasil. Nota informativa sobre mudanças no calendário nacional de vacinação para o ano de 2017. 2016
[15] PEER, V.; SCHWARTZ, N.; GREEN, M.S. A multi-country, multi-year, meta-analytic evaluation of the sex differences in agespecific pertussis incidence rates. PLoS ONE, v. 15, n. 4, e0231570,2020.