O IMPACTO DA COVID-19 NA ROTINA DO LABORATÓRIO DE MICOBACTÉRIAS DO INSTITUTO ADOLFO LUTZ CLR II BAURU – SP: QUANTITATIVO DE EXAMES, CASOS DIAGNOSTICADOS E COINFECÇÃO TUBERCULOSE/COVID-19
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Nathália Namie Asito1; Luciana da Silva Ruiz Menezes2
1Estudante do Curso de Vigilância Epidemiológica em Saúde Pública – IAL CLR II Bauru-SP; E-mail: [email protected]
2Docente/pesquisador do Núcleo de Ciências Biomédicas – IAL CLR II Bauru-SP.
O Mycobacterium tuberculosis é o principal agente causador da tuberculose, doença milenar, que persiste como um grande problema de saúde pública, acometendo milhões de pessoas anualmente, sendo considerada uma das doenças infecciosas mais letais do mundo. Agravando este cenário, a pandemia de COVID-19 tem tido um impacto significativo no diagnóstico e tratamento da tuberculose, ocasionando uma queda significativa nas notificações e diagnósticos de tuberculose, principalmente nos primeiros meses. O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da COVID-19 na rotina dos exames para diagnóstico de tuberculose no Laboratório de Micobactérias do Instituto Adolfo Lutz CLR II Bauru/SP, bem como realizar levantamento dos casos de coinfecção tuberculose/COVID-19 entre os pacientes com exames enviados aos Laboratórios de Doenças Respiratórias e de Micobactérias do Instituto Adolfo Lutz CLR II Bauru/SP. Os dados obtidos foram coletados no sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL) para tuberculose e COVID-19. Não foram observadas alterações relevantes em relação ao número de exames e casos diagnosticados de tuberculose quando comparados os anos de 2019, 2020 e 2021. Tal achado pode estar relacionado a população atendida, representada em sua maioria por indivíduos privados de liberdade. No período, de um total de 112 amostras com solicitação de exames para diagnóstico de TB e COVID-19, concomitantemente, foram identificados quatro casos de coinfecção tuberculose/COVID-19, salientando a importância de diagnóstico adequado e rápido para ambas as doenças, tanto para uma coinfecção tuberculose/COVID-19 quanto para o diagnóstico de infecção por tuberculose ou por COVID-19, separadamente.
Palavras–chave: COVID-19. Mycobacterium tuberculosis. SARS-CoV-2. Tuberculose. Coinfecção.
INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é uma doença infectocontagiosa causada principalmente pelo Mycobacterium tuberculosis stricto senso (BRASIL, 2019). Acomete ambos os sexos e atinge várias faixas etárias. A forma pulmonar é a mais frequente, mas há também, a tuberculose extrapulmonar. A transmissão ocorre principalmente de pessoa para pessoa, por via respiratória em que há a inalação de aerossóis produzidos pela tosse, fala ou espirro de um doente com tuberculose ativa pulmonar ou laríngea (WHO, 2020).
Desde os anos 90, a TB é considerada uma emergência global de saúde pública, acometendo milhões de pessoas anualmente, sendo considerada uma das doenças infecciosas mais letais do mundo, além de ser a principal causa de morte entre pessoas com diagnóstico por HIV (Human Immunodeficiency Virus – Vírus da imunodeficiência humana) (BRASIL, 2021; BERRA, et al.; 2021; WHO, 2020).
É uma infecção que pode ser prevenida e curada, no entanto, ainda permanece como um grande problema de saúde pública, acometendo prioritariamente os países de baixa e média renda, e responsável pela morte de aproximadamente 1,5 milhão de pessoas todos os anos (BRASIL, 2019). Está associada a pessoas em situação de pobreza, dificuldades econômicas, em vulnerabilidade e marginalização (WHO, 2020). A coinfecção com HIV e o surgimento de isolados resistentes às drogas (tratamento inadequado e uso indiscriminado de antibióticos) tornam a situação ainda mais alarmantes (WHO, 2015). Além disso, a TB é uma doença negligenciada, sem muito investimento da indústria e do governo na descoberta de novos fármacos ou novos métodos diagnósticos, e diante do advento da pandemia, este cenário foi ainda mais agravado, o que futuramente poderá ocasionar graves consequências.
No Brasil, preconizado pelo Ministério da Saúde, o diagnóstico de TB é feito a partir da baciloscopia e cultura de escarro (TB pulmonar) ou de outros espécimes clínicos (TB extrapulmonar). A cultura é considerada a técnica padrão ouro para identificação da doença (BERRA et al., 2021). A OMS, em 2010, aprovou o uso do sistema GeneXpert MTB/RIF para realizar testes moleculares rápidos para TB, com resultados liberados em menos de 2 horas (LIMA, et al., 2017).
A chegada da pandemia de COVID-19 ameaça a sustentabilidade das ações de controle da TB bem como a manutenção dos avanços já obtidos (BRASIL, 2021). Tal cenário apresenta um impacto significativo no diagnóstico e tratamento da TB, em que se observa a piora dos indicadores laboratoriais, de tratamento e busca de novos casos da doença, que poderá refletir nas futuras taxas de incidência e mortalidade desta doença (MIGLIORI, et al., 2020). Essa redução poderá sobrecarregar a rede de atenção à saúde para suprir as demandas de COVID-19, a baixa procura da população aos serviços de saúde e erros diagnósticos pela similaridade de alguns sintomas entre TB e COVID-19, acarretando implicações significativas no diagnóstico laboratorial e tratamento da infecção.
Além disso, desde o início da pandemia, têm sido notificados casos de tuberculose e COVID-19 concomitantes (TADOLINI, et al., 2020) A associação apresenta grande potencial de morbidade e mortalidade. Pacientes que apresentam coinfecção tuberculose/COVID-19 apresentam maiores riscos de desfechos negativos e óbito do que pacientes que apresentam somente a infecção por COVID-19. Devido a isso, a detecção prévia de uma infecção conjunta, é muito necessária, para que sejam realizados seus manejos adequados, avaliando as individualidades de ambas as doenças (SILVA, et al., 2021).
O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da COVID-19 na rotina de exames para tuberculose no Laboratório de Micobactérias do Instituto Adolfo Lutz CLR II Bauru/SP. Foram pesquisados e comparados, o número de exames de baciloscopia, cultura e teste rápido molecular para TB, o número de casos diagnosticados e realizado um levantamento dos casos de coinfecção tuberculose/COVID-19, no período de 2019 a 2021.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo e quantitativo baseado na coleta de dados. Os dados obtidos no estudo foram provenientes de demanda de exames para diagnóstico de TB do Laboratório de Micobactérias do Núcleo de Ciências Biomédicas do Instituto Adolfo Lutz CLR II Bauru/SP, e coletados por meio de pesquisa no sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL) para TB e COVID-19. Foram pesquisados dados referentes ao quantitativo de exames de baciloscopia, cultura e gene Xpert realizados, além, do número de casos diagnosticados com entrada para diagnóstico da tuberculose. Os dados coletados foram referentes ao período de janeiro a outubro de 2019 a 2021, e a presença da coinfecção tuberculose/COVID-19, no período de abril de 2020 a novembro de 2021.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em primeiro de abril do ano de 2020, a COVID-19 superou a TB e se tornou a doença infecciosa que mais mata a cada dia (SAUNDERS e EVANS, 2020). Durante a pandemia muitas ações foram implementadas em resposta à COVID-19, principalmente o reaproveitamento de equipamentos de diagnóstico, profissionais e instalações de saúde, orçamentos e lacunas na comunicação de dados, impactando assim, nos programas de monitoramento da TB (SARINOGLU, et al., 2020).
Jain et al. (2020), identificaram no início da pandemia de COVID-19, consideráveis interrupções nos serviços de saúde relacionados à TB, tanto na atenção primária quanto em hospitais. Outro estudo que incluiu 37 centros de TB do mundo inteiro, comparou o primeiro trimestre de 2019 com o de 2020 e concluiu que houve redução do número de novos casos de tuberculose, e também, do número de consultas ambulatoriais (MIGLIORI, et al., 2020).
Na tabela 01, é observado o total de exames realizados (TRM, baciloscopia e cultura) para diagnóstico de TB nos meses de janeiro a outubro nos anos de 2019, 2020 e 2021 no IAL CLR II Bauru. De janeiro a outubro de 2020 houve um aumento de 10,32% nas solicitações de exames para diagnóstico de TB quando comparado a 2019. E de janeiro a outubro de 2021 houve um aumento de 17,6% e 9% em relação a janeiro a outubro de 2019 e 2020, respectivamente.
O ano de 2020 (janeiro a outubro) apresentou um aumento de 9,83% no número de baciloscopias realizadas em relação ao mesmo período de 2019. Em 2021, entre os meses de janeiro a outubro, foi observada uma redução de 22% em relação as baciloscopias realizados nos mesmos meses de 2020 (Figura 01).
Em relação à baciloscopia, os casos controles foram excluídos, assim, o número total de baciloscopias no ano de 2020, são para diagnóstico de casos novos. Neste ano, foi observado um número maior de amostras de escarro sendo enviadas com volume abaixo do recomendado. Possivelmente este exame não mostrou uma queda em função do baixo acesso ao serviço, mas talvez, por questões relacionadas a quantidade de material coletado, o que justificaria também, a diminuição de TRM no ano de 2020, que durante os meses avaliados no estudo apresentou um quantitativo de exames de 5% e 4,7% menor que os anos de 2019 e 2021, respectivamente (Figura 02). Amostras com volume abaixo do recomendado não são recomendadas para TRM, sendo assim a baciloscopia é realizada.
O total de exames de cultura para diagnóstico de TB, de janeiro a outubro de 2020, foi 26,9% maior comparado a 2019, e 13,9% menor em relação a 2021 (Figura 03).
Em relação ao quantitativo de casos diagnosticados por meio da cultura (padrão ouro), os anos de 2020 e 2021 apresentaram 7,3% menos casos positivos comparados ao ano de 2019. Um número maior de casos negativos foi observado nos anos de 2020 (29%) e 2021 (40%), em relação ao ano de 2019 (Tabela 02).
Diferentemente dos estudos relatados, quando comparamos 2019 e 2020, neste estudo, não foi observada diminuição de diagnóstico de novos casos de TB no Laboratório de Micobactérias do IAL CLR II Bauru/SP. No ano de 2021 foi observado um aumento de 9% no diagnóstico de TB em relação ao ano de início da pandemia (2020). Talvez, pelo fato de que a maioria da população atendida, é composta por indivíduos privados de liberdade, provenientes de 13 diferentes unidades prisionais do Estado de São Paulo, não tenha sido observado queda no diagnóstico de casos novos entre o ano de 2019 e os anos de surgimento e estabelecimento da pandemia, já que é uma população confinada, suas condições são conhecidas e existe um vínculo estabelecido entre o Sistema Penitenciário e o Serviço de Saúde, além de uma logística determinada para exame de escarro.
Em 2020, He et al., demostraram a ocorrência de três casos de coinfecção tuberculose/COVID-19, dentre os 139 casos estudados. Dois pacientes já haviam tido TB pulmonar e recebido terapia, enquanto um paciente apresentava TB não tratado por 50 anos. Dois dos pacientes eram mais idosos e assim, um desenvolveu um tipo crítico e o outro um tipo grave de COVID-19. Os três pacientes apresentaram uma longa recuperação antes de receberem alta hospitalar. Neste estudo, para um total de 112 pacientes com exames para diagnóstico de TB e COVID-19, concomitantemente, foi observada a coinfecção tuberculose/COVID-19 em quatro pacientes (Figura 04).
He et al. (2020) e Jain et al. (2020), observaram que doenças pulmonares prévias (TB tratada ou não) e a idade avançada do paciente, são fatores de risco para um pior prognóstico de pessoas infectadas com COVID-19, podendo apresentar danos pulmonares prévios, agravando com a infecção por SARS-CoV-2. Algumas características comuns dos pacientes: comorbidades crônicas, hipertensão crônica, doenças crônicas cardíacas, diabetes, pacientes imunossuprimidos e doença crônica longa (SARINOGLU, et al., 2020). Jain et al. (2020), sugeriram que pacientes com TB latente e doença estabelecida apresentam risco aumentado de infecção por SARS-CoV-2 e maior predisposição aos sintomas da COVID-19.
A pandemia de COVID-19, teve impacto significativo na execução de vários programas de prevenção, tratamento e vigilância da tuberculose. As novas diretrizes de saúde implementadas com a chegada da pandemia, fizeram com que outras áreas da saúde ficassem sem a devida atenção, resultando em desafios no tratamento tradicional da tuberculose e exigiram a reorganização da metodologia para dar suporte aos pacientes, incluindo até, a utilização das consultas remotas (JAIN et al., 2020). A importância do diagnóstico rápido e adequado em ambas as doenças é um fator crucial, pois o isolamento do paciente infectado é a medida preventiva mais importante para que seja limitada a transmissão das duas doenças (HE, et al., 2020; SARINOGLU, et al., 2020). A prevenção é o caminho, reaproveitando as metodologias disponíveis para combater novas pandemias, e também, garantir a continuidade no monitoramento e controle das pessoas que buscam tratamento para doenças previamente existentes (CHOPRA, ARORA e SINGH, 2020).
CONCLUSÕES
Com este estudo pode-se observar que no laboratório de Micobactérias do CLR II Bauru/SP, não foram verificadas alterações relevantes que confirmem as informações encontradas nos demais estudos citados, em relação ao diagnóstico de TB no período da pandemia por COVID-19, o que pode estar relacionado com a população atendida pelo serviço do laboratório de Micobactérias do CLR II Bauru/SP, representada em sua maioria por indivíduos privados de liberdade.A identificação de casos de coinfecção tuberculose/COVID-19 salienta a necessidade de uma identificação diagnóstica adequada e rápida tanto para uma coinfecção tuberculose/COVID-19 quanto para o diagnóstico de infecção por tuberculose ou por COVID-19, separadamente, para que sejam realizados o tratamento e controle adequados de ambas as doenças, principalmente por serem doenças que se disseminam rapidamente na população e juntas podem ocasionar a evolução para quadros mais graves.
REFERÊNCIAS
BERRA, T. Z.; et al. Effectiveness and Trend Forecasting of Tuberculosis Diagnosis After Introduction of GeneXpert in a City in South-eastern Brazil. PLoS One, v. 16, n. 5, 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde – Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de Recomendações Para o Controle da Tuberculose no Brasil. Brasília – DF, 2019.
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Indicadores Operacionais da Tuberculose no Brasil e a COVID-19: análise comparativa dos anos de 2019 e 2020. Boletim Epidemiológico, v. 52, n. 22, 2021.
CHOPRA, K. K.; ARORA, V. K.; SINGH, S. COVID 19 and tuberculosis. Indian J Tuberc, v. 67, n. 2, p. 149-151, 2020.
HE, G.; et al. COVID-19 in Tuberculosis patients: a report of three cases. J Med Virol, 2020.
JAIN, V. K.; et al. Tuberculosis in the era of COVID-19 in India. Diabetes Metab Syndr, v. 15, n. 5, p. 1439-1443, 2020.
LIMA, T. M.; et al. GeneXpert MTB/RIF assay for diagnosis of tuberculosis. Rev Pan-Amaz Saude, v. 8, n. 2, p. 67–78, 2017.
MIGLIORI, G. B.; et al. Worldwide Effects of Coronavirus Disease Pandemic on Tuberculosis Services, January-April 2020. Emerg Infect Dis, v. 26, n. 11, p. 2709-2712, 2020.
SARINOGLU, R. C.; et al. Tuberculosis and COVID-19: Na overlapping situation during pandemic. J Infect Dev Ctries, v. 14, n. 7, p. 721-725, 2020.
SAUNDERS, M. J.; EVANS, C. A. COVID-19, tuberculosis and poverty: preventing a perfect storm. Eur Respir J, v. 56, n. 1, p. 1-5, 2020.
SILVA, D. R.; et al. Tuberculose e COVID-19, o Novo Dueto Maldito: quais as diferenças entre Brasil e Europa. J Bras Pneumol, v. 47, n. 2, 2021.
TADOLINI, M.; et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 coinfection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J, v. 56, n. 1, p. 1-5, 2020.
WHO, World Health Organization. Global Tuberculosis Report: Global Tuberculosis Control. Geneva. 2015.
WHO, World Health Organization. Global Tuberculosis Report. Geneva, 2020.