ANÁLISE DA INFECÇÃO PELO VÍRUS DA DENGUE EM PACIENTES PORTADORES DO VÍRUS HIV, NA REGIÃO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Jessica Gielize Fernandes da Silva Toscano¹; Marcia Maria Costa Nunes Soares²
- Discente no curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública-IAL – SJRP; [email protected]
2-Docente e Pesquisadora Científica do Núcleo de Ciências Biomédicas – CLR – IAL -SJRP X, [email protected]
RESUMO: A dengue e o HIV são importantes problemas de saúde pública no Brasil. A dengue é uma arbovirose dinâmica e sistêmica, distribuída nas regiões de clima tropical e subtropical. A infecção pelo vírus HIV, é considerada uma epidemia dinâmica e instável. A relação DENV/HIV tem sido pouco relatada. O objetivo deste trabalho foi analisar dados clínicos e epidemiológicos de pacientes da região de São José do Rio Preto- SP, portadores do vírus HIV, que foram infectados pelo DENV no período de 2009 a 2016. No período, foram identificados 116 pacientes portadores do vírus HIV e que se infectaram pelo DENV, sendo que 9 (50,86%) eram do sexo feminino e 57 (49,14%) masculino, com média de idade de 41 anos; a maioria 85 (73,27%) se autodeclarou branca, parda 18 (15,52%), preta 8 (6,90%) e 5 (4,31%) não informaram. Em 56% dos casos, a carga viral do HIV não detectável se manteve após a dengue, em 21% houve diminuição da carga viral e em 17% houve aumento. Com relação à contagem de linfócitos TCD4+, 54 (47%) pacientes apresentaram aumento dos níveis após a infecção com o vírus da dengue, e 51 (44%) tiveram seus níveis diminuídos. Os dados obtidos, sugerem que a infecção pelo vírus da dengue, parece não interferir de maneira importante nos portadores do HIV e a relação inversa também foi verdadeira, uma vez que, todos os pacientes coinfectados apresentaram a forma branda da doença.
Palavras-chave: Coinfecção, Vírus da dengue, HIV
INTRODUÇÃO
A dengue é um dos principais problemas de saúde pública no Brasil e no mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que anualmente ocorram 500 milhões de novos casos e que 2,5 bilhões de pessoas possam contraí-la. É uma doença única, dinâmica e sistêmica (Ministério da Saúde, 2016). Esta arbovirose é distribuída principalmente nas regiões de clima tropical e subtropical, que se caracterizam por um clima de altas temperaturas e umidade (Tauil, 2002).
O vírus da dengue é um arbovírus que pertence ao gênero Flavivírus, família Flaviviridae, e seu único vetor no Brasil é o mosquito Aedes aegypti (Zogbi, 2017). O mosquito apresenta como características ser doméstico, hematófago, androfílico, altamente adaptativo a diversas situações como falta de água, com sobrevida de ovos por até 450 dias e reprodução em água poluída (Tauil, 2002; Barreto e Teixeira, 2008). Nas Américas, os sorotipos circulantes são DENV1, DENV2, DENV3 e DENV4 (OPAS, 2021).
Outro agravo de extrema importância para saúde pública é a infecção pelo vírus HIV, uma epidemia dinâmica e instável, que depende de determinantes individuais e coletivos (Brito, 2001). Estima-se que em 2019 haviam 38 milhões de pessoas convivendo com o vírus, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
O vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) é um vírus de RNA de cadeia simples, envolto por uma camada proteica e um envelope de bicamada fosfolipídica, que pertence ao gênero Lentivirus, e à família Retroviridae (Ministério da Saúde, 2018).
Ele se diferencia em dois tipos: HIV-1 e HIV-2, possuindo 50% de semelhança em seus genes (Ministério da Saúde, 2018). O HIV-1 pode ser subdividido em quatro grupos M, N, O e P, sendo o M responsável pela maioria das infecções, e N, O e P que são raros e normalmente encontrados em países em desenvolvimento. Também é considerado o tipo mais virulento e prevalente no Brasil. Já o HIV-2 é endêmico na África Ocidental (Lazzarotto, 2010; Ministério da Saúde, 2018).
O HIV infecta as células T, que modulam a resposta imunológica. Elas se dividem em duas classes, com diferenciação por proteínas de superfície celular, CD4 e CD8 (Murphy, 2014).
De acordo com Mendes e colaboradores (2006), as relações do HIV com outras doenças endêmicas foram descritas por vários autores, mas a avaliação da coinfecção HIV-DENV ainda é pouco estudada.
Assim, o objetivo desse estudo foi avaliar dados clínicos e epidemiológicos de pacientes portadores do vírus HIV e infectados com o DENV.
MATERIAIS E MÉTÓDOS
Trata-se de um estudo retrospectivo transversal de coleta de dados de pacientes portadores do vírus HIV, que foram infectados com DENV no período de 2009 a 2016, pertencentes ao Grupo de Vigilância Epidemiológica 29 (GVE29) de São José do Rio Preto, com aprovação pelo CEPIAL, CAEE: 81761318.0.0000.0059.
Os dados das planilhas obtidas do banco SIGH (Sistema de Informação e Gestão Hospitalar) do Instituto Adolfo Lutz (IAL) referente aos pacientes portadores de HIV e que faziam acompanhamento do exame de carga viral e contagem de linfócitos TCD4+, foram cruzados com o banco obtido do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN, referente aos casos de dengue no período avaliado. Foram incluídos no trabalho todos os pacientes cujos dados como nome, data de nascimento, nome da mãe e número de CPF eram coincidentes em ambas as planilhas consultadas.
Os resultados de carga viral e contagem dos linfócitos TCD4+ foram obtidos por consulta no SISCEL (Sistema de Controle de Exames Laboratoriais da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos CD4+/CD8+ e Carga Viral). Foram avaliados os resultados mais próximos (anterior e posterior) a data de infecção pelo vírus da dengue.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após análises dos dados, foi obtido um total de 116 pacientes portadores do vírus HIV e que foram infectados pelo DENV, sendo que 59 (50,86%) eram do sexo feminino e 57 (49,14%) masculino, com média de idade de 41 anos.
Com relação a raça, a maioria 85 (73,27%) se autodeclarou branca, seguida pela parda 18 (15,52%) e preta 8 (6,90%) e 5 (4,31%) não informaram. Os sintomas mais citados foram dor nas costas, cefaleia e vômito, que são considerados clássicos de dengue.
Conforme a Figura 1, a análise de carga viral indicou que em 56% dos casos, não houve alteração após a dengue, sendo que todos apresentavam carga viral não detectável. Em 21% houve diminuição da carga viral, em 17% houve aumento e em 6% não havia resultado de exame, o que pode ser devido a abandono de tratamento/acompanhamento ou óbito.
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Com relação à contagem de linfócitos TCD4+, 54 (47%) pacientes apresentaram aumento dos níveis após a infecção com o vírus da dengue, e 51 (44%) tiveram seus níveis diminuídos. O histórico de 4 (3%) pacientes não constava resultados de contagem de TCD4+ nem antes ou depois da dengue, possivelmente pelos exames de carga viral e TCD4+ serem solicitados de forma independente e outros 7 (6%) pacientes, não apresentavam histórico de resultados (Figura 2).
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As coinfecções em pacientes portadores do HIV são importantes temas de estudos. Os resultados aqui apresentados indicam que grande parte dos pacientes não apresentaram alterações em relação a carga viral e células TCD4, dados semelhantes a Watt e colaboradores (2003), os quais sugerem que a infecção por DENV em pacientes com HIV pode estar associada à redução da carga viral, devido a supressão da replicação do HIV.
Foi observado em alguns pacientes, um pequeno aumento nas células TCD4+, o que pode indicar uma melhor condição imunológica, corroborando com estudos de Delgado-Enciso (2016), Espinoza-Gómes (2017) e Zogbi (2017), os quais demonstram que não há gravidade nos casos de dengue em pacientes portadores do vírus HIV.
Nesse estudo, não foi possível determinar o uso de TARV nos pacientes acompanhados pela infecção do HIV, bem como outros fatores diversos que podem interferir direta ou indiretamente no prognóstico e evolução da dengue, devido à essas informações não constarem nos bancos de dados consultados. No entanto, a infecção por DENV em pessoas que vivem com HIV sob TARV estável tem sido associada a taxas mais baixas de gravidade, de fato, os sintomas mencionados pela maioria dos pacientes analisados, foram aqueles considerados clássicos, caracterizando a forma mais branda da doença, que pode estar ligada a níveis mais baixos de citocinas pró inflamatórias, a ativação intensa de células TCD4+ e CD8, bem como, a supressão do vírus do HIV pela replicação do DENV (Torrentes –Carvalho, 2016; Hottz, 2019).
Dessa forma, a análise geral dos dados obtidos, sugerem que a infecção pelo vírus da dengue, parece não interferir de maneira importante nos indivíduos portadores do HIV e a relação inversa também foi verdadeira, uma vez que, todos os pacientes coinfectados apresentaram a forma branda da doença.
CONCLUSÃO
Os sintomas ocasionados pela infecção por DENV parecem não apresentar gravidade em pacientes portadores do HIV e a infecção pelo HIV parece não sofrer alterações severas quando ocorre a coinfecção pelo DENV. Apesar dos resultados observados, são necessários estudos mais aprofundados para avaliar a interação entre os dois vírus.
REFERÊNCIAS
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BRITO, A.M; CASTILHO, E.A.; SZWARCWALD, C.L. AIDS e infecção pelo HIV no Brasil: uma epidemia multifacetada. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, [s. l.], v. 34, n. 2, p. 207-217, mar-abr 2001
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