POLIOMIELITE NO BRASIL: POSSÍVEL REINTRODUÇÃO?
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Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-44
Este trabalho foi escrito por:
Bianca Pereira dos Santos, estudante do curso de especialização de vigilância epidemiológica em saúde pública pelo IAL de Sorocaba; E-mail: [email protected]
Fabio Hiroto Shimabukuro, pesquisador do Depto de virologia – IAL de Sorocaba.
RESUMO
A poliomielite é uma doença antiga altamente infecciosa que afeta principalmente crianças menores de cinco anos. É de transmissão fecal oral, cuja infecção pode gerar desde casos assintomáticos a PFA com sequelas e risco de morte. Não possui tratamento específico e o principal meio de prevenção é a vacinação. O presente trabalho possui como objetivo verificar as possibilidades de reintrodução da poliomielite no Brasil realizando uma revisão bibliográfica não sistemática por meio de pesquisa com palavras-chave e termos descritores: Paralisia-infantil, Poliomielite, Vacina Oral poliomielite, Vacina Salk, Cobertura de vacinação, em diversas bases de dados, além de notificações e informes oficiais como do Ministério da Saúde, sites oficiais e a base DATASUS. A baixa taxa de vacinação é o principal risco para reintrodução em áreas que apresentem erradicação da pólio, e outros fatores que podem agravá-lo são os intensos fluxos de viagens internacionais e falta de um sistema de investigação epidemiológica ativo. No Brasil, as taxas de vacinação em todas as regiões apresentam tendência de queda e mantem-se abaixo de 95% desde 2016 e tiveram um agravamento durante o período de pandemia pelo SarsCoV-2. A baixa cobertura vacinal para a poliomielite levou a classificação do Brasil com muito alto risco de reintrodução da poliomielite.
Palavras Chave: cobertura de vacinação, poliomielite
INTRODUÇÃO
A poliomielite também conhecida como “paralisia infantil” trata-se de uma doença aguda causada pela infecção por poliovírus, podendo apresentar desde casos clínicos inaparentes a clássica paralisia flácida aguda de forma assimétrica, em pessoas de qualquer faixa etária, mas principalmente em crianças abaixo dos cinco anos (MIN DA SAÚDE, 2021). Os poliovírus pertencem ao gênero dos enterovírus, são pequenos com cerca de 30 nanômetros de diâmetro e RNA fita simples sentido positivo, não são envelopados e possuem capsídeo em formato icosaédrico. Apresentam sorotipos 1, 2 e 3 (CVE, 2022; MEHNDIRATTA, 2014). Presentes no ambiente ou em seres humanos podem ser divididos em diferentes categorias: Selvagem, Vírus da Vacina e Vírus derivados vacinais. (CVE, 2022; OMS, OPAS, 2022 a).
Poliovírus selvagens não apresentam correlação com a cepa utilizada na vacina oral contra a poliomielite e são os vírus em sua forma natural, Vírus de vacina são poliovírus atenuados utilizados na vacina oral contra a poliomielite e poliovírus derivados da vacina podem ser categorizados em circulantes cVDPV), associado a imunodeficiência e ambíguos (CVE, 2022; OMS, OPAS, 2022 a).
Na utilização da vacina oral contra a poliomielite o vírus enfraquecido passa a replicar-se no intestino por um período de tempo, durante este período o vírus enfraquecido também é eliminado nas fezes, porém, quando o vírus circula no ambiente por um período longo de tempo pode sofrer mutações que lhe conferem novamente capacidade patogênica, e esses são os cVDPV, ocorrendo por exemplo em regiões que apresentem baixa cobertura vacinal (DIVE, 2022).
A via fecal-oral é a principal forma de transmissão, o período de incubação é de 7 a 10 dias, porém pode variar de 4 a 35 dias (DOURADO, 2022; MEHNDIRATTA, 2014). As formas da doença são: Assintomática, Abortiva, Meningite asséptica e Formas paralíticas, nas formas mais graves ocorre paralisia dos músculos que auxiliam a respiração e deglutição, havendo risco de morte. Não há tratamento especifico, pode haver tratamento sintomático e que busque a melhora de sequelas (MIN DA SAÚDE, 2021).
O objetivo deste trabalho é descrever sobre a Poliomielite e revisar na literatura disponível as possibilidades de sua reintrodução no Brasil por meio da descrição das ações de vigilância das paralisias flácidas e avaliação da cobertura vacinal contra a poliomielite no Brasil no período de 2012 a 2022, além de verificar o cenário epidemiológico atual da poliomielite mundialmente.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizado um trabalho de revisão de literatura, não sistemático, utilizando informações em bases de dados como: Biblioteca virtual em saúde (BVS), Scielo e Pubmed, além de notificações e informes oficiais como do Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de imunizações (Sbim) e da Organização Panamericana da saúde (OPAS), sites oficiais como o do Instituto Butantan e a base DATASUS. Na base DATASUS, do Ministério da Saúde, foram obtidos dados de 2012 a 2022, sendo os dados de 2022 parciais. Para as demais fontes não foi especificado um período de tempo desde que possuíssem informações relevantes ao tema. Foram utilizados termos descritores: Paralisiainfantil, Poliomielite, Vacina Oral poliomielite, Vacina Salk, Cobertura de vacinação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Atualmente Afeganistão e Paquistão são países em que ainda ocorre a transmissão endêmica do poliovírus selvagem tipo 1. Em outros países, o que pode ocorrer são surtos de casos epidêmicos, em que viajantes reintroduzem o vírus de origem de países endêmicos ou casos de origem vacinal (CVE, 2022).
Em novembro de 2021 um caso de paralisia flácida aguda em uma criança menor de 5 anos causada por poliovírus selvagem tipo 1 ocorreu em Malawi, a África não teve seu título de região livre de poliovírus selvagem retirado, isso ocorreu devido a análise laboratorial indicar que tratava-se de um poliovírus selvagem de origem no Paquistão em 2019 (OMS, OPAS, 2022 b).
Em Julho de 2022 no condado de Rockland, Nova Iorque, foi confirmado um caso de poliomielite paralítica com sequelas causada por poliovírus derivado vacinal tipo 2 em um adulto não vacinado (CDC, 2022). Na América, em resposta a estes ocorridos, a OPAS sugere que os países mantenham uma boa taxa de vacinação, vigilância e um plano de resposta a surtos de poliomielite atualizado (OMS, OPAS, 2022 c, 2022 d).
Pólio no Brasil
Já ocorriam casos esporádicos, mas o primeiro surto de poliomielite no Brasil ocorreu em 1911. Em 1955, a vacina criada por SALK começou a ser utilizada em pequenas proporções, em 1960 ocorreu a V Conferência Internacional da Poliomielite, e um dos assuntos tratados era a eficácia da vacina oral, que foi adotada no Brasil em 1961, em experiências de vacinação em massa (CAMPOS, 2003). Até 1974 não havia vigilância e investigação, os estados apenas notificavam os casos, então, foi implementado o sistema nacional de vigilância epidemiológica. No Brasil, o último caso de pólio por vírus selvagem ocorreu em 1989.
No Pará uma criança de três anos apresentou PFA dois dias após receber uma dose de vacina atenuada, o que torna supostamente atribuível a vacina. Ela teve uma boa evolução e recuperação. Segundo o Ministério da Saúde, desde 1989 até 2012, com as aplicações da vacina oral ocorreram 50 casos de pólio vacinal no Brasil, e a partir de 2012 com a introdução da vacina inativada não ocorreu mais nenhum caso, o caso de PFA no Pará não altera o cenário epidemiológico no país de certificação de eliminação da pólio (MIN DA SAÚDE, 2022 a).
O monitoramento da poliomielite é realizado através de um sistema de vigilância das paralisias flácidas agudas de acordo com critérios estabelecidos pela OMS (CVE, 2022). Todo caso de PFA em menores de 15 anos e suspeita de poliomielite em qualquer idade é de notificação compulsória imediata em todo o país, a notificação deve ser realizada no SINAN com o preenchimento e envio de uma ficha específica (CVE, 2022).
Deve ocorrer investigação imediata de todos os casos de PFA, idealmente em até 48 horas após conhecimento e notificação de casos suspeitos. Outras medidas são notificação semanal negativa e busca ativa de casos para identificação de casos de subnotificação (CVE, 2022).
Faz parte do programa nacional de imunizações as vacinas do tipo inativada via intramuscular e atenuada via oral, com um público alvo de crianças menores dos 5 anos de idade e o objetivo é alcançar uma cobertura vacinal de 95% (MIN DA SAÚDE, 2022 b). (MIN DA SAÚDE, 2022 b).
A taxa de cobertura vacinal nacional atingiu um valor abaixo dos 95% recomendado em 2016 e desde então é observada a tendência de queda chegando aos 70% em 2021. Há também disparidades de acordo com as regiões do país, em 2014, a região Norte foi a primeira a atingir uma cobertura abaixo dos 95% e, em 2021, a cobertura vacinal na região Norte foi a menor do país (BEZERRA, 2022). OPAS alerta que a cobertura vacinal contra a poliomielite caiu para abaixo dos 80% em grande parte dos países da América, sendo quatro países com muito alto risco de reintrodução: Peru, Haiti, República Dominicana e o Brasil.
A pandemia causada pelo SARS-CoV-2 teve importante impacto em doenças que podem ser prevenidas por meio da vacinação, várias doenças e tratamentos foram negligenciados. (DENNIS, 2022). Com o “desaparecimento” das doenças, por meio de controle por imunização, a importância da vacinação pode passar a não ser mais percebida (CONASS, 2017). Segundo Dennis Minoru, 2022, a pandemia não foi a causa da queda da cobertura vacinal que teve início nos últimos 6 anos, porém como pode ser observado no estudo de PROCIANOY, 2022 sobre o impacto da pandemia na imunização de crianças menores de um ano de idade diversas vacinas obtiveram os menores valores históricos de cobertura vacinal nessa população, é possível retirar destes dados a conclusão de que a pandemia não causou, porém agravou tal queda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enquanto houver transmissão de poliovírus, todos os países ainda apresentam risco de casos importados. Principalmente em regiões de baixa cobertura vacinal, um fluxo intenso de pessoas com viagens internacionais e relações econômicas pode favorecer tais importações.
A vacinação é o meio mais importante de prevenção a poliomielite, e a OMS recomenda uma cobertura vacinal acima de 95% para evitar o risco de reintrodução. A baixa cobertura vacinal é o maior fator de risco para propagação de poliovírus selvagens e abre brechas para que o vírus enfraquecido vacinal fique circulando no ambiente por longos períodos e recupere sua virulência. De acordo com os dados obtidos no DATASUS no Brasil, a cobertura vacinal nacional vem apresentando tendência de queda e está abaixo do recomendado desde 2016 em todas as regiões do país. A pandemia pode ter tido importante impacto para o agravamento de tal queda.
REFERÊNCIAS
CAMPOS, André luiz vieira de; NASCIMENTO, Dilene raimundo do; MARANHÃO, Eduardo. A historia da poliomielite no Brasil e seu controle por imunização. História, Ciências, Saúde-Manguinhos. 2003, v.10. pp 573-600.
DENNIS MINORU, Fujita; et al. The continuous decrease in Poliomyelitis vaccine coverage in Brazil. Travel Med Infect Dis. 2022 JulAug;48:102352.Epub 2022 May 5
MEHNDIRATTA, Man Mohan; et al. POLIOMYELITIS Historical facts, epidemiology, and current challenges in eradication. Neurohospitalist. 4 Out 2014; v. 4; p. 223-229.
PROCIANOY, Guilherme Silveira; et al. Impacto da pandemia do COVID-19 na vacinação de crianças de até um ano de idade: um estudo ecológico. Ciência & Saúde Coletiva. 2022, v. 27, n.3 Disponível
em:https://doi.org/10.1590/141381232022273.20082021. Acesso em: 25 nov 2022.
- Livro e/ou folheto
CVE- Centro de vigilância epidemiológica professor Alexandre Vranjac. Documento técnico da vigilância epidemiológica das paralisias flácidas agudas/poliomielite. 29 mar 2022. SP
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde. – 5. Ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2021.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Procedimentos operacionais padrão: Resposta a um evento ou surto de poliovírus. Mar de 2022(a), DF: OPAS.
CONASS- Conselho nacional de secretários de saúde. A queda da imunização no Brasil. CONSESUS. Nov 2017. Disponível em:<https://www.conass.org.br/consensus/queda-da-imunizacao-brasil/>. Acesso em: 24 Nov 2022.
DOURADO, Péricles; et al. Pólio: baixa cobertura vacinal e o risco iminente de novas infecções. SES. Subsecretária de saúde. 18 de julho de 2022.
OMS-World Health Organization; OPAS. Disease Outbreak News; Wild poliovirus type 1 (WPV1) –Malawi. 3 Mar 2022 (d). Disponível em: <https://www.who.int/emergencies/disease-outbreak-news/item/wild-poliovirustype- 1(WPV1)-malaw>. Acesso em: 24 Out 2022.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. O Maláui reforça a sua resposta depois da detecção de poliovírus selvagem. 3 Mar 2022 (b). Disponível em:<https://www.afro.who.int/pt/countries/malawi/news/o-malaui-reforca-suaresposta- depoisda-deteccao-de-poliovirus-selvagem>. Acesso em: 15 Nov 2022.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Atualização epidemiológica detecção de um poliovírus tipo 2 derivado de vacina circulante (VDPV2) nos Estados Unidos: Considerações para a região das américas. 13 de setembro de 2022 ( c).
a) Documentos eletrônicos:
BEZERRA, Antônio L M. Assembleia Legislativa do Estado do Piaui. Cobertura vacinal da pólio despenca em 5 anos no Brasil; novos casos em Israel e no
Malaui acendem alerta. 10 Mar 2022. Disponível em: < https://www.al.pi.leg.br/tv/noticias–tv–1/cobertura–vacinal–da–polio–despenca–em5–anosno– brasil–novos–casos–em–israel–e–no–malaui–acendem–alerta>. Acesso em: 24 Nov 2022.
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION(CDC). Public health response to a case of paralytic poliomyelitis in na unvaccinated person and detection of poliovirus in wastewater. Weekly. 71(33); p. 1065-1068.
DIVE-DIRETORIA DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA; SUV-SUPERINTEDÊNCIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE; .Detecção de poliovírus circulante derivado da vacina (cvdpv) nas américas e risco de reintrodução da poliomielite no território catarinense. Alerta n 16/2022. 23 set 2022.
SBim-SOCIEDADE BRASILEIRA DE IMUNIZAÇÕES. MS publica Nota Técnica sobre vacinação contra a pólio de viajantes internacionais. 2021. Disponível em: < https://sbim.org.br/noticias/1623–ms–publica–nota–tecnica–sobrevacinacao–contra–a– poliode–viajantes–internacionais >. Acesso em: 24 de nov de 2022.