Resumo expandido TCC
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Leticia Minervino da Silva1; Ellen Gameiro Hilinski2; Fernanda Fernandes Farias3
1Estudante do Curso de especialização Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – IAL;
e-mail: [email protected]
2Docente/pesquisador científico do Núcleo de Ensaios Biológicos e de Segurança. Centro de Medicamentos, Cosméticos e Saneantes. Instituto Adolfo Lutz
e-mail: [email protected]
3Docente e orientador/pesquisador científico do Núcleo de Ensaios Físicos e Químicos em Cosméticos e Saneantes. Centro de Medicamentos, Cosméticos e Saneantes. Instituto Adolfo Lutz
e-mail: [email protected]
Resumo: O álcool gel destinado a higienização das mãos, classificado como cosmético, tem seu uso indicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no combate ao COVID-19. Devido à pandemia, as empresas de medicamentos, saneantes e cosméticos foram autorizadas a fabricar preparações antissépticas ou desinfetantes sem registro ou notificação na ANVISA, desde que atendidos determinados critérios, levando a necessidade de monitoramento do produto. Este trabalho tem como objetivo avaliar a qualidade de uma amostra de álcool gel disponível comercialmente, utilizando como base os ensaios do estudo de estabilidade. Alíquotas de uma mesma amostra de álcool gel foram separadas e avaliadas mediante exposição a variações de temperatura e luz, frente a parâmetros organolépticos (cor, odor e aspecto), físico-químicos (teste de centrífuga, pH, viscosidade aparente, teor alcoólico e densidade) e microbiológicos (contagem de micro-organismos viáveis totais e pesquisa de micro-organismos patogênicos), em diferentes tempos de coleta. As alíquotas da amostra não apresentaram alteração para os resultados organolépticos bem como para os testes de centrífuga, teor, densidade, pH e ensaios microbiológicos; para o ensaio de viscosidade os resultados estavam em desacordo com a legislação. Conclui-se que, de modo geral, a amostra não sofreu alterações no estudo de estabilidade proposto. O monitoramento do mercado, assim como outros estudos são essenciais para garantir a dispensação de produtos em conformidade com as especificações.
Palavras–chave: álcool gel; COVID-19; estudo de estabilidade
INTRODUÇÃO
Segundo o Formulário Nacional da Farmacopeia Brasileira, géis são definidos como preparações semissólidas, geralmente viscosas e transparentes, que podem servir como veículo para um ou mais ativos; sendo frequentemente empregadas em formulações cosméticas. O álcool gel atua sobre bactérias, fungos e vírus, já que é capaz de desnaturar proteínas de vírus envelopados, como é o caso do Vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave – Coronavírus – 2 (SARS-COV – 2, devido suas propriedades químicas, por meio do rompimento das ligações de hidrogênio. Desta forma gera um desequilíbrio estrutural das proteínas virais, com consequente perda da atividade viral e ação patológica (BRASIL, 2012; CIÊNCIA ELEMENTAR, 2020).
Para que os produtos cosméticos estejam de acordo com as legislações vigentes, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) disponibiliza o Guia de Controle de Qualidade de Produtos Cosméticos, a fim de fornecer subsídios e diretrizes para a realização dos ensaios elencados no Controle de Qualidade (CQ). Entende-se por CQ o conjunto de práticas com o objetivo de garantir que avaliações indispensáveis sejam feitas para que o produto ofertado ao público seja dispensado com qualidade, atendendo as especificações determinadas pelos órgãos regulamentadores. Podemos dividir o CQ em três grupos: análises organolépticas, físico-químicas e microbiológicas. Por meio do estudo de estabilidade é possível obter informações sobre a qualidade de um produto (BRASIL, 2008).
O estudo de estabilidade oferece informações que garantem que o produto seja capaz de manter suas características físicas, químicas, microbiológicas e de segurança durante todo o prazo de validade. Para avaliar este fator, o produto precisa ser exposto a diferentes condições forçadas desde a fabricação até a validade final. A estabilidade de um produto pode ser modificada de acordo com tempo ao qual é exposto a fatores que aceleram ou retardam mudanças nas suas propriedades. Os resultados obtidos a partir do estudo de estabilidade fornecem informações que orientam o processo de desenvolvimento de um cosmético, auxiliando na formulação, na escolha de embalagens adequadas, condições ideais de armazenamento, estimativa do prazo de validade, além de apresentar dados sobre a segurança do produto (BRASIL, 2004).
Com a pandemia provocada pela (SARS – COV – 2) o uso de álcool gel formulação cosmética elevou-se, causando indisponibilidade do produto em supermercados e farmácias. Tal demanda fez com que a ANVISA autorizasse fabricantes de cosméticos, saneantes e medicamentos a realizar a produção e venda de produtos a base de álcool destinados à higienização das mãos sem prévia autorização, de acordo com a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 350 de 2020. Essa decisão foi tomada para incentivar a produção de antissépticos pelas empresas. Desta forma, as empresas passaram a ser dispensadas de disponibilizar informações sobre notificação prévia, mas deviam seguir critérios técnicos de qualidade, rotulagem e validade máxima de 180 dias (BRASIL,2020a; BRASIL, 2021).
Entretanto, a ausência de notificação prévia pode ter facilitado a entrada de produtos no mercado, muitas vezes sem a devida qualidade necessária. Considerando a facilidade na produção, custo de formulação reduzido, e ainda a flexibilização da normativa, o mercado foi suprido com uma grande variedade de marcas de álcool gel. Devido a grande demanda, muitos produtos podem ter sido dispensados fora da especificação, o que leva a necessidade de estudos que avaliem a qualidade do álcool gel disponível no mercado (GRAEFF. et al., 2021). Este trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade de uma amostra de álcool gel disponível comercialmente, utilizando como base os ensaios do estudo de estabilidade.
MATERIAL E MÉTODOS
Uma amostra de álcool gel 70° INPM, antisséptico para mãos, frasco de 4,3kg com validade de 24 meses a partir da sua data de fabricação, foi adquirida em comércio regular nacional. Foram feitas avaliações organolépticas, físico-químicas e microbiológicas, utilizando condições adaptadas do estudo de estabilidade, de acordo com o Guia de Estabilidade de Produtos Cosméticos da ANVISA (BRASIL, 2004).
Inicialmente alíquotas do produto foram distribuídas em frascos de vidro estéreis, que posteriormente foram colocados na estufa (45 ºC ± 2,0 ºC), freezer (- 5 ± 2,0 ºC) ou sob incidência de luz solar em temperatura ambiente (25 ± 2,0 ºC), onde permaneceram por até 45 dias. Uma amostra de álcool gel que não passou por nenhum tipo de exposição, chamada de amostra controle, foi também avaliada. Foram realizados ensaios organolépticos e físico-químicos (teste de centrífuga – QUIMIS/Q222RM, pH – Simpla/PH140, viscosidade aparente – Viscosímetro Brookfield®/RVT, determinação do teor alcoólico e densidade – Densímetro digital Rudolph/DDM 2911) nos tempos 0, 15, 30 e 45 dias. Também foi realizado ensaio microbiológico (contagem de micro-organismos viáveis totais e pesquisa de micro-organismos patogênicos) com a amostra controle e com as alíquotas após 45 dias. Estes ensaios foram baseados procedimentos descritos na Farmacopeia Brasileira 6a ed. (2019).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados das avaliações físico-químicas da amostra de álcool gel podem ser observados na Tabela 1.
Com relação a avaliação das características organolépticas as alíquotas da amostra apresentaram aspecto, cor e odor normal, sem alterações significativas e se mostraram estáveis para este ensaio. Os parâmetros organolépticos de um cosmético são indispensáveis para o CQ, pois detectam através dos sentidos, possíveis mudanças em um cosmético, como: separação de fases, precipitação, turvação cor e odor inadequados. Tais modificações podem estar relacionadas com alterações químicas ou até mesmo contaminação microbiológica, sendo capaz de prejudicar a aceitabilidade do produto (BRASIL, 2008). No teste de centrífuga a amostra não apresentou instabilidades. A centrifugação é capaz de provocar estresse na amostra, antecipando possíveis instabilidades que podem ser observadas na forma de precipitação, separação de fases, formação de sedimento compacto e coalescência, entre outras. Nenhuma das instabilidades citadas foram observadas (BRASIL, 2004; CRUZ et al., 2019).
Os valores de pH obtidos ficaram entre 8,46 e 8,80, levemente alcalino, não sofrendo alterações consideráveis durante o estudo de estabilidade. Os valores de pH devem estar dentro da faixa estipulada pelos fabricantes nos documentos enviados para a ANVISA. Geralmente, o pH de produto é estabelecido conforme o local de aplicação para garantir a proteção da barreira cutânea, no entanto, não foi encontrado no sistema da ANVISA o registro do produto analisado e por isso não se pode dizer que a análise foi satisfatória ou insatisfatória (BARZOTTO et al., 2021).
Os valores encontrados para viscosidade foram inferiores àqueles estabelecidos pela ANVISA na RDC n° 490 de 2021, onde o álcool gel com teores superiores ou igual a 68% deve apresentar viscosidade maior ou igual a 8000 cP, porém, a viscosidade da amostra pouco se alterou frente às exposições realizadas. Esse teste baseia-se em medir a resistência de um material ao fluxo por meio da fricção ou do tempo de escoamento, assim, quanto maior a viscosidade, maior será a resistência. Auxilia na avaliação da espalhabilidade e do escoamento do produto pela embalagem. A busca excessiva pelo espessante carbopol ocasionou a falta do produto no mercado e devido à falta de estoque alternativas foram utilizadas para suprir este agente espessante. No entanto, essas alternativas podem não ter sido tão eficientes (BRASIL, 2020a; SILVA; FERREIRA; QUEROBINO, 2021; CRUZ, 2021).
De acordo com a RDC n° 422 de 2020 é informado que as empresas fabricantes de cosméticos e saneantes têm permissão para comercializar o álcool em produto cosmético desde que a variação da concentração não seja superior a 10% em relação à declarada na rotulagem do produto em °INPM p/p (BRASIL, 2020b).
A amostra apresentou resultados satisfatórios para o ensaio de teor durante todo o estudo proposto, frente a diferentes exposições e não foram encontrados valores superiores à variação de 10% em relação à concentração do álcool declarada que é de 70° INPM. O teor de álcool é um fator determinante que interfere diretamente na eficácia do produto e deve ser declarado em massa p/p. O teor e a densidade foram avaliados por meio de densímetro digital, o qual fundamenta-se no princípio de movimento de vibração, ou seja, através do período de oscilação obtém-se a medida por relação direta, expressa em teor de álcool etílico, de acordo com as tabelas correspondentes à porcentagem em massa ou °INPM da Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2019).
Em relação aos ensaios microbiológicos, foram obtidos valores inferiores a 10 UFC/g nas alíquotas avaliadas na contagem de micro-organismos viáveis totais. Não foi identificada a presença de coliformes totais e fecais, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus na pesquisa de micro-organismos patogênicos (tempo zero e 45 dias), estando de acordo com o estabelecido na RDC n° 481 de 1999. Garantir a qualidade microbiana de um produto é extremamente importante, uma vez que confirma a segurança e aceitabilidade do mesmo, pois a presença de micro-organismos em quantidades elevadas pode implicar na deterioração do produto ou até mesmo riscos graves ao usuário (BRASIL, 1999; SILVA; FERREIRA; QUEROBINO, 2021).
CONCLUSÕES
A partir deste estudo foi possível concluir que a amostra se apresentou bastante estável frente as variações de temperatura e luz, demostrando a importância de se realizar estudos de estabilidade. O único ensaio que apresentou resultados em desacordo com a legislação vigente foi o teste de viscosidade, com insatisfatoriedade desde a amostra controle. Em relação ao teor alcoólico a amostra se mostrou adequada, o que possivelmente implica na sua ação eficaz contra a COVID -19.
Muito embora a amostra analisada tenha apresentado estabilidade frente às variações impostas, o monitoramento do mercado, assim como outros estudos são essenciais para garantir a dispensação de produtos dentro das especificações; considerando ainda a relevância do produto analisado, como o álcool gel antisséptico para as mãos, frente a situação de emergência provocada pela pandemia.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Farmacopeia Brasileira. 6a ed, 2019.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário nacional da farmacopeia brasileira. 2. ed. Brasília: ANVISA, v. 2, 2012.Disponível em:<https://www.gov.br/anvisa/ptbr/assuntos/farmacopeia/formularionacional/arquivos/8065json-file-1>. Acesso em: 17 dez. 2021.BRASIL.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Guia de controle de qualidade de produtos cosméticos. 2ª ed., revista. Brasília: ANVISA, 2008.Disponível em: < https://www.gov.br/anvisa/pt br/centraisdeconteudo/publicacoes/cosmticos/manuais-e-guias/guia-decontrole-de-qualidade-de-produtos-cosmeticos.pdf/view >. Acesso em: 17 dez. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Guia de Estabilidade de Produtos Cosméticos. maio de 2004. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cosmeticos.pdf>. Acesso em: 17 dez. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n° 490, de 8 de abril de 2021. Altera a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 46, de 20 de fevereiro de 2002. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-490-de-8-de-abril-de-2021-314037800>. Acesso em: 17 dez. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 350, de 19 de março de 2020. Define os critérios e os procedimentos extraordinários e temporários para fabricação e comercialização de preparações antissépticas ou sanitizantes oficinais sem prévia autorização da ANVISA. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-350-de-19-de-marco-de-2020-249028045>. Acesso em: 17 de dez. de 2021. 2020a
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n° 422, de 16 de setembro de 2020. Altera a Resolução (…)Define os critérios e os procedimentos extraordinários e temporários para fabricação e comercialização de preparações antissépticas ou desinfetantes sem prévia autorização da ANVISA. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-de-diretoria-colegiada-rdc-n422-de-16-de-setembro-de-2020-277906952>. Acesso em: 17 dez. 2021.2020b
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 481, de 23 de setembro de 1999. Estabelece os parâmetros de controle microbiológico para os produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/ legis/resol/481_99.htm>. Acesso em: 17 dez. 2021.
CIÊNCIA ELEMENTAR: O álcool contra a COVID-19. [S. l.]: CASA DAS CIÊNCIAS, 2020-2020. DOI org/10.24927/rce2020.018. Disponível em: https://rce.casadasciencias.org/rceapp/art/2020/018/. Acesso em: 17 dez. 2021.
CRUZ, Camila Vieira Milo Bela. Alternativas aos carbômeros para fabricação de álcool em gel. 2021. 47 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021.Disponível em:https://repositorio.bc.ufg.br/bitstream/ri/19411/3/TCCG%20-%20Farm%C3%A1cia%20%20Camila%20Vieira%20Milo%20Bela%20Cruz%20-%202021.pdf. Acesso em: 16 dez. 2021.
CRUZ, Rodrigues., et al. Estudo de estabilidade e controle de qualidade de produtos cosméticos: REVISÃO DE LITERATURA. Única Cadernos Acadêmicos, v. 2, n. 1, 10 maio 2019.
CIÊNCIAS DA SAÚDE: DESAFIOS, PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES – VOLUME 1. In: BARZOTTO, Ionete et al. Avaliação da qualidade do álcool gel utilizado no comércio de Cascavel – PR. 1. ed. Brasil: Científica digital, 2021. v. 1, cap. 11, p. 142 – 156. ISBN 978-65-89826-63-7. Disponível em: https://www.editoracientifica.org/articles/code/210504553. Acesso em: 16 dez. 2021.
SILVA, Laureane Monteiro; Ferreira, Ana Carolina; Querobino, Samyr Machado. O risco da utilização de produtos cosméticos falsificados / The risk of using counterfeit cosmetic products. Revista de psicologia, [S.l.], v. 15, n. 57, p. 407-420, out. 2021. ISSN 1981-1179. Disponível em: <https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/view/3212>. Acesso em: 17 dez. 2021. doi:https://doi.org/10.14295/idonline.v15i57.3212.
Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Nicole Assis Kubo1;Bárbara Braga Ferreira Marta2
¹Estudante do curso de vigilância laboratorial em saúde pública – NCQB – IAL; E-mail: [email protected];
²Docente/pesquisador do Depto de ciências químicas bromatológicas – NCBQ -IAL.
Resumo
Introdução: O iodo é um micronutriente vital para o nosso organismo e sua falta pode levar aos Distúrbios por Deficiência de Iodo (DDI), responsável por gerar problemas no desenvolvimento, crescimento e funções do organismo. A Resolução RDC nº 604, de 10 de fevereiro de 2022 estabelece a concentração ideal de iodo entre 15mg/Kg a 45mg/Kg para o sal refinado iodado e sal rosa do Himalaia. Objetivo: Realizar um levantamento bibliográficos sobre a concentração de iodo presente no sal refinado iodado e no sal rosa do Himalaia distribuídos no Brasil durante um período de 10 anos. Metodologia: Trata-se de um referencial teórico cujos dados foram coletados através de artigos publicados nas bases de dados PubMed, BVS – Biblioteca Virtual em Saúde, SciELO – Scientific Eletronic Library Online, Google Acadêmico, CAPES/MEC do Ministério da Educação, além de informações provindas do site da CVS – Centro de Vigilância Sanitária e da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Resultados: De acordo com os programas de monitoramento (Pró-Iodo) e os estudos realizados no Brasil, o sal rosa do Himalaia apresentou maiores índices de resultados insatisfatórios, geralmente ultrapassando o VMP (Valor Máximo Permitido) da legislação. No que se refere ao sal refinado, destaca-se satisfatoriedade na maioria das amostras, porém foi observado um percentual importante de resultados insatisfatórios na região do Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Norte. Conclusão: Com isso, ressalta-se a importância de intensificar o monitoramento dessas análises dando prioridade aos municípios que estão em desacordo, a fim de garantir qualidade e segurança para a população.
Palavras–chave: deficiência de iodo; iodo; sal
INTRODUÇÃO
O iodo é um elemento necessário para a produção de hormônios pela glândula tireoide. A ingestão inadequada deste mineral pode promover um espectro de morbidades de crescimento, desenvolvimento e nas funções do organismo ao longo da vida, conhecidos como Distúrbios por Deficiência de Iodo (DDI)1.
Em áreas com baixas taxas de iodo a população tem maior risco de apresentar DDI, que podem contribuir para graves impactos nos níveis de desenvolvimento social, humano e econômico2. Essa deficiência atinge bilhares de pessoas no mundo causando alterações na tireoide como o bócio (aumento da glândula tireoide) e o cretinismo em crianças (retardo mental grave e irreversível). Os DDI também favorecem a elevação da mortalidade infantil, assim como problemas psicomotores e aborto3, 4, 5, 6. Desta forma, a fim de prevenir e controlar os DDI, a Iodização Universal do Sal (USI) é mundialmente aceita, sendo considerado um método seguro, sustentável e econômico4, 5.
No Brasil a Resolução RDC nº 604, de 10 de fevereiro de 2022, estabelece a concentração ideal de iodo no sal para consumo humano, entre 15 a 45mg/Kg7. Assim, medidas para controlar o excesso e a deficiência de iodo são fundamentais, atuando de forma preventiva e permanente para assegurar que a iodação ocorra de maneira confiável8, 9.
Com o intuito de monitorar os alimentos críticos para o consumo foi desenvolvido, em 1995, o Programa Paulista de Análise Fiscal de Alimentos (PP), pelo Centro de Vigilância Sanitária (CVS) e o Instituto Adolfo Lutz (IAL), da Coordenadoria de Controle de Doenças. O programa tem como finalidades: verificar a qualidade sanitária dos alimentos, aplicar a legislação sanitária a respeito de infrações em produtos alimentícios, e contatar setores comerciais para uma intervenção preventiva10. O Programa Nacional para a Prevenção e Controle dos Distúrbios por Deficiência de Iodo (Pró-Iodo) também foi criado a fim de monitorar a iodação do sal, sob coordenação do Ministério da Saúde11.
Com isso, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão da literatura sobre a concentração de iodo presente no sal refinado iodado e no sal rosa do Himalaia distribuídos no Brasil durante um período de 10 anos.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um referencial teórico, cujos dados foram coletados através de artigos publicados nas bases de dados PubMed, BVS – Biblioteca Virtual em Saúde, SciELO – Scientific Eletronic Library Online, Google Acadêmico, CAPES/MEC do Ministério da Educação, além de informações provindas do site da CVS – Centro de Vigilância Sanitária e da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
As palavras-chaves utilizadas foram: análise físico-química; iodo; iodação; sal; deficiência de iodo; iodine; salt; iodine deficiency.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As amostras do programa de monitoramento do teor de iodo no sal (Pró-Iodo) são provenientes de todo Brasil. A coleta e execução das análises são responsabilidade dos órgãos de Vigilância Sanitária estaduais, distrital e/ou municipais, em articulação com os laboratórios oficiais de saúde13.
Além do programa de monitoramento, alguns estudos foram realizados com sal refinado e sal rosa em alguns estados do Brasil.
As análises do monitoramento do teor de iodo no sal em 2014 até o início de 2015 apresentou 92% de resultados satisfatórios. Neste período o estado com menor percentual de satisfatoriedade foi Tocantins com 58% das amostras analisadas12.
Em 2016 foram coletadas 978 amostras de sal e o percentual de satisfatoriedade foi de 94% (920) e 6% de insatisfatoriedade (58). O estado de Sergipe se destacou por apresentar o menor percentual de amostras satisfatórias com 79%13.
No ano de 2017, 972 amostras de sal foram analisadas e 93,2% (906) revelaram satisfatórias e 7% (66) insatisfatórias13.
Durante o ano de 2018 o Programa Pró-Iodo analisou 732 amostras de sal com 93,99% (688) de satisfatoriedade e 6,01% (44) em desacordo com a legislação. A região com maior número de amostras insatisfatórias foi Mossoró, no Rio Grande do Norte com 19,1% (9)13. Bezerra et al. (2020) relata resultados semelhantes neste município onde 50% (3) das amostras apresentavam iodo acima do valor máximo permitido (VMP) na legislação14. Com relação ao sal rosa do Himalaia, 6 amostras em 2018 foram consideradas insatisfatórias, sendo 2 acima e 2 abaixo do limite exigido pela legislação e 2 não detectável13.
No ano de 2019 ocorreu uma redução no percentual de satisfatoriedade, das 742 amostras de sal coletadas em 17 estados brasileiros 88,3% (655) das amostras estavam dentro dos valores estabelecidos na Resolução RDC n. 604/2022 e 11,7% (87) foram consideradas insatisfatórias. O sal rosa do Himalaia foi responsável por 62,1% dos resultados insatisfatórios e o sal refinado apresentou apenas 3% de insatisfatoriedade. Deve-se salientar que o relatório de 2019 apresentou o pior resultado dos últimos 10 anos, indicando o sal rosa do Himalaia como uma das categorias de sal com piores perfis de adequação quanto ao teor de iodo no período13.
Resultados semelhantes foram observados na região Sudeste com o sal rosa do Himalaia. Em estudo realizado com amostras coletadas na cidade de Taubaté (São Paulo), 50% das amostras estavam em desacordo com a legislação, apresentando valores acima do limite estabelecido15. Esse trabalho corrobora com o encontrado nos municípios de Assis, Presidente Prudente e Marília, onde durante o período de 2017 a 2019, 46,2% apresentaram-se de acordo com a legislação e 53,8% em desacordo com a legislação.
Ainda nessa pesquisa, 3 amostras revelaram valores de iodo acima do VMP e em 4 amostras não foi detectado iodo16. Esses resultados indicam falhas no controle de qualidade do processamento do sal, demonstrando que, mesmo com toda fiscalização e monitoramento, ainda podem ser encontrados no mercado brasileiro sais impróprios para o consumo, devido à inadequação nos teores de iodo.
Em Ouro Preto (Minas Gerais), 92,5% das amostras de sal refinado estavam de acordo com a legislação e 7,5% em desacordo. Esses achados podem ter relação com o armazenamento desse alimento nos estabelecimentos e a coleta, o qual foi realizada em uma região de maior número de comércios desse produto e consequentemente houveram maior número de amostras8.
Em um estudo realizado em Monte Carlos (Minas Gerais), em 2018, com 5 amostras de sal iodado, 100% das amostras apresentaram iodo acima do limite estabelecido, variando de 123,2mg/Kg a 330,2mg/Kg. Esse valor não corresponde com o expresso nos rótulos, acarretando risco a população no consumo deste produto17. O oposto foi encontrado por Santos et al. (2021), no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro), onde 33% das amostras apresentavam teor de iodo abaixo de 15mg/kg18.
Em uma escola localizada no município de Ribeirão Preto (São Paulo), foram analisadas 295 amostras de sal iodado no ano de 2015 e todas as amostras estavam em conformidade com a legislação RDC n° 604/2022, indicando sucesso na iodação19.
Na Bahia em 2020, em 665 amostras avaliadas, houve uma predominância de 79,6% com concentração de iodo em conformidade com a legislação, sendo o percentual de amostras que apresentou iodo abaixo do limite estabelecido de 17,6%20. Resultados semelhantes de insatisfatoriedade foram observados em Teresina (Piauí) e em Campina Grande (Paraíba), onde 67% e 8% de sal refinado apresentaram valores abaixo de 15mg, respectivamente21, 22.
Na região Norte, em Santarém (Pará) 56% dos resultados foram insatisfatórios, onde 80% apresentavam valores acima do VMP23. Diferente do encontrado em Lagarto (Sergipe) onde todas as amostras estavam em conformidade com a RDC n° 604/202224.
Na região Sul, no município de Umuarama (Paraná) 100% (9) das amostras de sal refinado iodado possuíam teor de iodo acima de 45mg/kg, variando de 55,99mg/Kg até 130,25mg/Kg. Verificou-se ainda que os rótulos das embalagens informavam a concentração correta de 25mg/Kg de iodo, porém não condiziam com o encontrado nos produtos e em uma embalagem não foi informado a concentração de iodo9.
Um estudo realizado no Rio Grande do Sul no ano de 2011, observou que 4% das amostras estavam em desacordo com a legislação, apresentando valores acima do limite permitido25. No mesmo estado na cidade de Canoas, o percentual de inadequação foi maior, com 14% das amostras apresentando concentração menor que o exigido26.
CONCLUSÕES
O programa Pró-Iodo, demonstrou um aumento de resultados insatisfatórios em 2019 em comparação aos anos anteriores. O que mais apresentou inconformidades foi o sal rosa do Himalaia no período de 2018 a 2021, mesmo com poucos estudos encontrados. O sal refinado apresentou altos percentuais de satisfatoriedade em relação à concentração de iodo, em todos os últimos 10 anos, porém, destaca-se um percentual importante de resultados insatisfatórios, principalmente no Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Norte, sendo o último estado, uma das regiões produtoras de sal no país. Os resultados insatisfatórios de sal refinado iodado e sal rosa do Himalaia abrange um problema na falha de controle de qualidade e insuficiência da fiscalização e monitoramento. Evidencia-se, portanto, intensificar o monitoramento dessas análises a fim de garantir a qualidade do produto e assegurar a saúde da população, se tratando de uma política de saúde pública importante no monitoramento de alimentos.
REFERÊNCIAS
- Fan L, Su X, Shen H, Liu P, Meng F, Van J, et al. Iodized salt consumption and iodine deficiency status in China: a cross-sectional study. Glob Health J, 2017; v. 1, n. 2, p. 23-37.
- Brasil. Ministério da saúde. Manual Técnico e Operacional do Pró-Iodo: Programa Nacional para a Prevenção e Controle dos Distúrbios por Deficiência de Iodo. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. [Acesso 20 ago. 2021]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_tecnico_operacional_proiodo.pdf.
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Viviane Alves de Lima1, Karen Miguita3 Leonardo José Tadeu de Araujo3, Eliane Margareth Pimenta Carneiro4, Ana Lúcia Olympo4, Jerenice Esdras Ferreira2
1Estudante do Curso de Especialização em Patologia Clinica e Molecular – CPA- IAL; 2Docente/Pesquisador do Centro de Patologia – CPA – IAL; 3Pesquisador do Centro de Patologia – CPA – IAL; 4 Biologista do Centro de Patologia – CPA – IAL.
Resumo: O SARS-CoV-2 é um betacoronavirus responsável pela pandemia de COVID-19, que causa sintomas respiratórios nas vias áreas superiores e inferiores, ocasionando um quadro gripal, que pode evoluir para síndrome respiratória aguda grave (SARS). Os casos mais graves têm sido reportados em idosos e indivíduos com doenças crônicas não transmissíveis. O objetivo foi avaliar a prevalência de comorbidades, e suas associações, em pacientes com diagnóstico positivo para infecção por SARS-CoV-2. Esse estudo utilizou dados secundários dos casos recuperados e óbitos entre julho de 2020 a julho de 2021, do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) do estado de São Paulo, foram analisados os parâmetros sexo, idade e comorbidades (cardiopatias, diabetes e obesidade). Foram incluídos no estudo 149.122 casos de ambos os sexos, sendo 93.888 (63%) recuperados e 55.224 (37%) óbitos. A prevalência de comorbidades nos recuperados foi de 29,0% (27.145) cardiopatias; 17,0% (15.980) cardiopatias/diabetes; 13,5% (12.710) diabetes; 7,8% (7.321) obesidade; 4,1% (3.852) cardiopatias/obesidade; 4,3% (4.096) cardiopatias/diabetes/obesidade; e 24,3% (22.784) sem comorbidades. E nos óbitos foi de 27,8% (15.332) cardiopatias; 22,0% (12.154) cardiopatias/diabetes; 13,0% (7.203) diabetes; 6,0% (3.305) obesidade; 4,6% (2.511) cardiopatias/obesidade; 6,4% (3.531) cardiopatias/obesidade/diabetes; e 1,8% (1.012) diabetes/obesidade e 18,4% (10.176) sem comorbidades. A presença isolada ou associada à diabetes, obesidade e cardiopatias exerceu uma relação negativa na evolução do quadro clínico. Este estudo poderá contribuir com informações úteis para a implantação de medidas epidemiológicas adequadas, e para a elaboração de políticas públicas no contexto de prevenção e monitoramento das doenças crônicas não transmissíveis.
Palavras–chave: SARS-CoV-2; COVID-19; Doenças não Transmissíveis; Comorbidade; Prevalência.
INTRODUÇÃO
Em dezembro de 2019, o mundo foi surpreendido com a informação da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre casos de pneumonia de etiologia desconhecida na província de Hubei, na República popular da China (WHO, 2020). No ano seguinte foi identificado o agente etiológico, o SARS-CoV-2, iniciando a pandemia de COVID-19, desafiando a saúde pública mundial. Essa doença causa sintomas respiratórios, nas vias áreas superiores e inferiores, que pode evoluir para síndrome respiratória aguda grave (SARS) (BOLSONI-LOPES et al., 2021). O SARS-CoV-2, vírus RNA fita simples positivo, apresenta na superfície a proteína Spike que invade as células do coração, pulmão, tecido adiposo e gastrointestinal, que possuem em sua membrana o receptor para a enzima conversora de angiotensina II (ECA2), causando intensa inflamação com liberação de citocinas, podendo desencadear uma resposta imunológica que pode contribuir para um prognóstico desfavorável (BOLSONI-LOPES et al., 2021). Os fatores de risco no agravo por COVID-19 estão relacionados à idade avançada (acima de 60 anos), sexo masculino, presença de comorbidades, estado imunocomprometido, obesidade e estilo de vida não saudável (SILVA et al., 2020; PIETROBON, et al.,2020; GAO et al., 2021; SHAH et al., 2021). As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são um conjunto de doenças de causas múltiplas e prognóstico incerto, são as principais comorbidades dos pacientes com COVID-19, e responsáveis pelo agravamento da condição clínica, aumento no tempo de internação e nas taxas de mortalidade (MALTA et al., 2021; NUNES et al., 2021). Entre as DCNT podemos destacar a doença cardiovascular, pulmonar, diabetes e obesidade (BOLSONI-LOPES et al., 2021). A infecção pelo SARS-CoV-2 associada às comorbidades, ocasiona um aumento na prevalência de casos graves, devido ao comprometimento do sistema imune e da capacidade do hospedeiro de se defender de infecções causadas pelo vírus, contribuindo para um mau prognóstico e evolução na mortalidade por COVID-19 (GAO et al., 2021; SHAH et al., 2021; BRANDÃO et al., 2020; EJAZ et al., 2020; NG et al., 2021; FANG et al., 2020). Desta forma, a análise da inter-relação do potencial de agravamento nos pacientes com comorbidades e a infecção pela COVID-19, permite discutir o impacto causado pela pandemia na qualidade de vida de pacientes com DCNT, e como esses dados podem ser utilizados como medidas de auxílio e prevenção da saúde (GAO et al., 2021; SHAH et al., 2021). O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de comorbidades em pacientes do estado de São Paulo, com diagnóstico positivo para infecção por SARS-CoV-2, para compreender a progressão dos riscos associados à morbimortalidade.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizado um estudo descritivo, retrospectivo, utilizando dados secundários do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) do estado de São Paulo (SEADE, 2020). Os dados são de domínio público e não necessita de aprovação de Comissão de Ética em Pesquisa. Foram incluídos os casos de recuperados e óbitos entre Julho de 2020 e Julho de 2021. Foram analisados os parâmetros sexo, idade e comorbidades (cardiopatias, diabetes e obesidade). Foram excluídos casos com ausência de algum dado epidemiológico necessário para a execução deste trabalho, como idade, sexo e informação sobre comorbidade prévia. A análise estatística dos dados foi realizada pelo Excel versão 2010 e pelo Epi Info versão 3.5.3.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram analisados 149.112 casos, destes, 93.888 (63%) evoluíram para recuperação e 55.224 (37%) para óbito. Neste trabalho analisamos as comorbidades: cardiopatias, diabetes e obesidade e suas associações. A idade média dos recuperados foi de 55 anos para homens e 60 anos para mulheres. Nos óbitos a idade média foi de 60 anos para homens e 65 anos para mulheres (Figura 1). A idade acima de 60 anos foi considerada um fator de risco para a infecção, pois ocorre diminuição da resposta imunológica, e a presença de comorbidades eleva as chances de formação de trombose microvascular, aumentando a gravidade da doença (BATSCHAUER et al., 2020). O número de pacientes recuperados e óbitos com e sem associação entre comorbidades foi maior no sexo masculino, sendo estatisticamente significante (p<0.0000001). O sexo masculino apresenta maior fator de risco para a infecção quando comparado ao sexo feminino, sugerindo uma diferença na resposta imune, pois a presença de hormônio androgênio, concentrações mais baixas de anticorpos anti-SARS-CoV-2, além da maior exposição e progressão da doença seriam caracterizadas como maior causa de mortalidade pela COVID-19 (MONTOPOLI et al., 2020) (Figura 2). A prevalência de comorbidades nos recuperados foi de 29,0% (27.145) cardiopatias; 17,0% (15.980) cardiopatias e diabetes; 13,5% (12.710) diabetes; 7,8% (7.321) obesidade; 4,1% (3.852) cardiopatias e obesidade; 4,3% (4.096) cardiopatias, diabetes e obesidade; e 24,3% (22.784) sem comorbidades (Figura 3A).
Nos recuperados a prevalência de cardiopatias isolada e associada foi maior em comparação com as demais comorbidades.
Nos óbitos, a prevalência foi de 27,8% (15.332) cardiopatias; 22,0% (12.154) cardiopatias e diabetes; 13,0% (7.203) diabetes; 6,0% (3.305) obesidade; 4,6% (2.511) cardiopatias e obesidade; 6,4% (3.531) cardiopatias, obesidade e diabetes; e 1,8% (1.012) diabetes e obesidade e 18,4% (10.176) sem comorbidades (Figura 3 B). Esses dados mostraram que a prevalência de óbitos ocorreu no grupo de cardiopatia isolada e cardiopatia associada ao diabetes. O estudo não apresentou diferença significante na prevalência entre os grupos de obesidade isolada e associada a outras comorbidades. O monitoramento deficiente da glicemia pode levar a falhas no sistema imunológico e potencializar o aparecimento de mediadores pró-inflamatórios como proteína C reativa, glicoproteína ácida e o fibrinogênio, além de citoquinas como fator de necrose tumoral e interleucinas, favorecendo danos celulares, e piora do estado do paciente com COVID-19 (CERIELLO et al., 2020; PICCIRILLO et al., 2004, GROSS et al., 2002). Os pacientes com diabetes do tipo 1 apresentam 3.5 vezes, e do tipo 2 têm 2.03 mais riscos de mortalidade pela COVID- 19, pois SARS-CoV-2 pode desencadear a autoimunidade das ilhotas de Langerhans, quando o vírus se liga aos receptores ECA2, possibilitando o desenvolvimento de diabetes (SINGH et al., 2020).
A obesidade está associada com a intensidade dos fatores de risco quando relacionadas a outras doenças crônicas, como diabetes e cardiopatias. Os resultados encontrados foram semelhantes ao estudo de Silva, et al., 2020, que apresentou prevalência obtida de 8% para obesidade.
Os indivíduos com sobrepeso podem desenvolver maior carga viral e demora na resolução do processo infeccioso, por apresentar uma redução da resposta imune, com menor ação de fagocitose por macrófago, prejudicando o processo de apresentação de antígeno e desenvolvimento de anticorpo, contribuindo para o desfecho grave da infecção, com a amplificação do estado inflamatório, danos ao sistema respiratório, cardiovascular e no metabolismo dos carboidratos e na formação de trombose (BOLSONI-LOPES et al., 2021; MARTELLETO et al., 2021). As cardiopatias estão associadas à gravidade da doença e prognóstico desfavorável à COVID-19, devido ao processo inflamatório que aumenta a liberação de troponina causando lesões e espessamento do músculo cardíaco (SILVA et al., 2020). A introdução do SARS-CoV-2 em células miocárdicas reduz a expressão de ECA2, que possui propriedade anti-inflamatória e anti-trombótica, que permitem a liberação de mediadores pró-inflamatórios e apoptóticos, como fatores de necrose tumoral, que desestabiliza a placa aterosclerótica do epitélio dos vasos e liberando êmbolos nos pacientes com COVID-19. A cardiopatia está associada a tres vezes mais chances de infecção grave e 11 vezes a mortalidade (SHAH et al., 2021; SILVA et al., 2020).
CONCLUSÕES
Os resultados encontrados sugerem que indivíduos com menos de 60 anos de idade tem uma maior probabilidade de recuperação da COVID-19.
Os pacientes do sexo masculino com COVID-19 apresentaram maior probabilidade para o estado grave da doença.
A cardiopatia demostrou maior número de casos recuperados e óbitos, e apresentou resultado relevante quando associada à diabetes, embora a obesidade esteja mais comumente ligada a outras comorbidades.
A presença isolada ou associada à diabetes obesidade e cardiopatias exerceu uma relação negativa na evolução do quadro clínico do paciente. Este estudo poderá contribuir com informações úteis para a implantação de medidas epidemiológicas adequadas, e para a elaboração de políticas públicas no contexto de prevenção e monitoramento das doenças crônicas não transmissíveis.
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Viviane Alves de Lima1, Karen Miguita3 Leonardo José Tadeu de Araujo3, Eliane Margareth Pimenta Carneiro4, Ana Lúcia Olympo4, Jerenice Esdras Ferreira2
1Estudante do Curso de Especialização em Patologia Clinica e Molecular – CPA- IAL; 2Docente/Pesquisador do Centro de Patologia – CPA – IAL; 3Pesquisador do Centro de Patologia – CPA – IAL; 4 Biologista do Centro de Patologia – CPA – IAL.
Resumo: O SARS-CoV-2 é um betacoronavirus responsável pela pandemia de COVID-19, que causa sintomas respiratórios nas vias áreas superiores e inferiores, ocasionando um quadro gripal, que pode evoluir para síndrome respiratória aguda grave (SARS). Os casos mais graves têm sido reportados em idosos e indivíduos com doenças crônicas não transmissíveis. O objetivo foi avaliar a prevalência de comorbidades, e suas associações, em pacientes com diagnóstico positivo para infecção por SARS-CoV-2. Esse estudo utilizou dados secundários dos casos recuperados e óbitos entre julho de 2020 a julho de 2021, do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) do estado de São Paulo, foram analisados os parâmetros sexo, idade e comorbidades (cardiopatias, diabetes e obesidade). Foram incluídos no estudo 149.122 casos de ambos os sexos, sendo 93.888 (63%) recuperados e 55.224 (37%) óbitos. A prevalência de comorbidades nos recuperados foi de 29,0% (27.145) cardiopatias; 17,0% (15.980) cardiopatias/diabetes; 13,5% (12.710) diabetes; 7,8% (7.321) obesidade; 4,1% (3.852) cardiopatias/obesidade; 4,3% (4.096) cardiopatias/diabetes/obesidade; e 24,3% (22.784) sem comorbidades. E nos óbitos foi de 27,8% (15.332) cardiopatias; 22,0% (12.154) cardiopatias/diabetes; 13,0% (7.203) diabetes; 6,0% (3.305) obesidade; 4,6% (2.511) cardiopatias/obesidade; 6,4% (3.531) cardiopatias/obesidade/diabetes; e 1,8% (1.012) diabetes/obesidade e 18,4% (10.176) sem comorbidades. A presença isolada ou associada à diabetes, obesidade e cardiopatias exerceu uma relação negativa na evolução do quadro clínico. Este estudo poderá contribuir com informações úteis para a implantação de medidas epidemiológicas adequadas, e para a elaboração de políticas públicas no contexto de prevenção e monitoramento das doenças crônicas não transmissíveis.
Palavras–chave: SARS-CoV-2; COVID-19; Doenças não Transmissíveis; Comorbidade; Prevalência.
INTRODUÇÃO
Em dezembro de 2019, o mundo foi surpreendido com a informação da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre casos de pneumonia de etiologia desconhecida na província de Hubei, na República popular da China (WHO, 2020). No ano seguinte foi identificado o agente etiológico, o SARS-CoV-2, iniciando a pandemia de COVID-19, desafiando a saúde pública mundial. Essa doença causa sintomas respiratórios, nas vias áreas superiores e inferiores, que pode evoluir para síndrome respiratória aguda grave (SARS) (BOLSONI-LOPES et al., 2021). O SARS-CoV-2, vírus RNA fita simples positivo, apresenta na superfície a proteína Spike que invade as células do coração, pulmão, tecido adiposo e gastrointestinal, que possuem em sua membrana o receptor para a enzima conversora de angiotensina II (ECA2), causando intensa inflamação com liberação de citocinas, podendo desencadear uma resposta imunológica que pode contribuir para um prognóstico desfavorável (BOLSONI-LOPES et al., 2021). Os fatores de risco no agravo por COVID-19 estão relacionados à idade avançada (acima de 60 anos), sexo masculino, presença de comorbidades, estado imunocomprometido, obesidade e estilo de vida não saudável (SILVA et al., 2020; PIETROBON, et al.,2020; GAO et al., 2021; SHAH et al., 2021). As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são um conjunto de doenças de causas múltiplas e prognóstico incerto, são as principais comorbidades dos pacientes com COVID-19, e responsáveis pelo agravamento da condição clínica, aumento no tempo de internação e nas taxas de mortalidade (MALTA et al., 2021; NUNES et al., 2021). Entre as DCNT podemos destacar a doença cardiovascular, pulmonar, diabetes e obesidade (BOLSONI-LOPES et al., 2021). A infecção pelo SARS-CoV-2 associada às comorbidades, ocasiona um aumento na prevalência de casos graves, devido ao comprometimento do sistema imune e da capacidade do hospedeiro de se defender de infecções causadas pelo vírus, contribuindo para um mau prognóstico e evolução na mortalidade por COVID-19 (GAO et al., 2021; SHAH et al., 2021; BRANDÃO et al., 2020; EJAZ et al., 2020; NG et al., 2021; FANG et al., 2020). Desta forma, a análise da inter-relação do potencial de agravamento nos pacientes com comorbidades e a infecção pela COVID-19, permite discutir o impacto causado pela pandemia na qualidade de vida de pacientes com DCNT, e como esses dados podem ser utilizados como medidas de auxílio e prevenção da saúde (GAO et al., 2021; SHAH et al., 2021). O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de comorbidades em pacientes do estado de São Paulo, com diagnóstico positivo para infecção por SARS-CoV-2, para compreender a progressão dos riscos associados à morbimortalidade.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizado um estudo descritivo, retrospectivo, utilizando dados secundários do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) do estado de São Paulo (SEADE, 2020). Os dados são de domínio público e não necessita de aprovação de Comissão de Ética em Pesquisa. Foram incluídos os casos de recuperados e óbitos entre Julho de 2020 e Julho de 2021. Foram analisados os parâmetros sexo, idade e comorbidades (cardiopatias, diabetes e obesidade). Foram excluídos casos com ausência de algum dado epidemiológico necessário para a execução deste trabalho, como idade, sexo e informação sobre comorbidade prévia. A análise estatística dos dados foi realizada pelo Excel versão 2010 e pelo Epi Info versão 3.5.3.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram analisados 149.112 casos, destes, 93.888 (63%) evoluíram para recuperação e 55.224 (37%) para óbito. Neste trabalho analisamos as comorbidades: cardiopatias, diabetes e obesidade e suas associações. A idade média dos recuperados foi de 55 anos para homens e 60 anos para mulheres. Nos óbitos a idade média foi de 60 anos para homens e 65 anos para mulheres (Figura 1). A idade acima de 60 anos foi considerada um fator de risco para a infecção, pois ocorre diminuição da resposta imunológica, e a presença de comorbidades eleva as chances de formação de trombose microvascular, aumentando a gravidade da doença (BATSCHAUER et al., 2020). O número de pacientes recuperados e óbitos com e sem associação entre comorbidades foi maior no sexo masculino, sendo estatisticamente significante (p<0.0000001). O sexo masculino apresenta maior fator de risco para a infecção quando comparado ao sexo feminino, sugerindo uma diferença na resposta imune, pois a presença de hormônio androgênio, concentrações mais baixas de anticorpos anti-SARS-CoV-2, além da maior exposição e progressão da doença seriam caracterizadas como maior causa de mortalidade pela COVID-19 (MONTOPOLI et al., 2020) (Figura 2). A prevalência de comorbidades nos recuperados foi de 29,0% (27.145) cardiopatias; 17,0% (15.980) cardiopatias e diabetes; 13,5% (12.710) diabetes; 7,8% (7.321) obesidade; 4,1% (3.852) cardiopatias e obesidade; 4,3% (4.096) cardiopatias, diabetes e obesidade; e 24,3% (22.784) sem comorbidades (Figura 3A).
Nos recuperados a prevalência de cardiopatias isolada e associada foi maior em comparação com as demais comorbidades.
Nos óbitos, a prevalência foi de 27,8% (15.332) cardiopatias; 22,0% (12.154) cardiopatias e diabetes; 13,0% (7.203) diabetes; 6,0% (3.305) obesidade; 4,6% (2.511) cardiopatias e obesidade; 6,4% (3.531) cardiopatias, obesidade e diabetes; e 1,8% (1.012) diabetes e obesidade e 18,4% (10.176) sem comorbidades (Figura 3 B). Esses dados mostraram que a prevalência de óbitos ocorreu no grupo de cardiopatia isolada e cardiopatia associada ao diabetes. O estudo não apresentou diferença significante na prevalência entre os grupos de obesidade isolada e associada a outras comorbidades. O monitoramento deficiente da glicemia pode levar a falhas no sistema imunológico e potencializar o aparecimento de mediadores pró-inflamatórios como proteína C reativa, glicoproteína ácida e o fibrinogênio, além de citoquinas como fator de necrose tumoral e interleucinas, favorecendo danos celulares, e piora do estado do paciente com COVID-19 (CERIELLO et al., 2020; PICCIRILLO et al., 2004, GROSS et al., 2002). Os pacientes com diabetes do tipo 1 apresentam 3.5 vezes, e do tipo 2 têm 2.03 mais riscos de mortalidade pela COVID- 19, pois SARS-CoV-2 pode desencadear a autoimunidade das ilhotas de Langerhans, quando o vírus se liga aos receptores ECA2, possibilitando o desenvolvimento de diabetes (SINGH et al., 2020).
A obesidade está associada com a intensidade dos fatores de risco quando relacionadas a outras doenças crônicas, como diabetes e cardiopatias. Os resultados encontrados foram semelhantes ao estudo de Silva, et al., 2020, que apresentou prevalência obtida de 8% para obesidade.
Os indivíduos com sobrepeso podem desenvolver maior carga viral e demora na resolução do processo infeccioso, por apresentar uma redução da resposta imune, com menor ação de fagocitose por macrófago, prejudicando o processo de apresentação de antígeno e desenvolvimento de anticorpo, contribuindo para o desfecho grave da infecção, com a amplificação do estado inflamatório, danos ao sistema respiratório, cardiovascular e no metabolismo dos carboidratos e na formação de trombose (BOLSONI-LOPES et al., 2021; MARTELLETO et al., 2021). As cardiopatias estão associadas à gravidade da doença e prognóstico desfavorável à COVID-19, devido ao processo inflamatório que aumenta a liberação de troponina causando lesões e espessamento do músculo cardíaco (SILVA et al., 2020). A introdução do SARS-CoV-2 em células miocárdicas reduz a expressão de ECA2, que possui propriedade anti-inflamatória e anti-trombótica, que permitem a liberação de mediadores pró-inflamatórios e apoptóticos, como fatores de necrose tumoral, que desestabiliza a placa aterosclerótica do epitélio dos vasos e liberando êmbolos nos pacientes com COVID-19. A cardiopatia está associada a tres vezes mais chances de infecção grave e 11 vezes a mortalidade (SHAH et al., 2021; SILVA et al., 2020).
CONCLUSÕES
Os resultados encontrados sugerem que indivíduos com menos de 60 anos de idade tem uma maior probabilidade de recuperação da COVID-19.
Os pacientes do sexo masculino com COVID-19 apresentaram maior probabilidade para o estado grave da doença.
A cardiopatia demostrou maior número de casos recuperados e óbitos, e apresentou resultado relevante quando associada à diabetes, embora a obesidade esteja mais comumente ligada a outras comorbidades.
A presença isolada ou associada à diabetes obesidade e cardiopatias exerceu uma relação negativa na evolução do quadro clínico do paciente. Este estudo poderá contribuir com informações úteis para a implantação de medidas epidemiológicas adequadas, e para a elaboração de políticas públicas no contexto de prevenção e monitoramento das doenças crônicas não transmissíveis.
Referências
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Laine Andreotti de Almeida1; Stephanie Garcia Lima2; Claudia Regina Delafiori3; Doroti de Oliveira Garcia4
1Estudante do Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – Instituto Adolfo Lutz – [email protected]
2Bolsista do Programa de Formação para Iniciação Científica (FEDIAL) – Núcleo de Ciências Biomédicas do Centro de Laboratório Regional de Marília
3 Agente Técnico de Assistência à Saúde (ATAS-biomédico) – Núcleo de Ciências Biomédicas do Centro de Laboratório Regional de Marília
4Pesquisador Científico VI – Diretor Técnico I do Núcleo de Ciências Biomédicas do Centro de Laboratório Regional de Marília
Resumo
Introdução: A COVID-19 consiste em uma doença caracterizada pela infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Concomitantemente à infecção pelo SARS-CoV-2, a coinfecção por outros microrganismos, em destaque o Acinetobacter baumannii, Pseudomonas aeruginosa e a Klebsiella pneumoniae resistentes aos carbapenêmicos tem despertado preocupação por ser um fator de agravamento do prognóstico clínico. Objetivos: Analisar as coinfecções bacterianas em destaque por patógenos multirresistentes, em pacientes com COVID-19. Metodologia: Revisão sistemática da literatura com ênfase nas coinfecções bacterianas multirresistentes em pacientes com COVID-19. Resultados: Observou-se um aumento das infecções, principalmente em UTIs, com microrganismos resistentes aos cabapenêmicos, tais como Klebsiella spp. produtora da carbapenemase KPC, Pseudomonas aeruginosa produtora de KPC, com destaque para a Acinetobacter baumannii produtor da carbapenemase OXA-23 durante os anos pandêmicos de 2020 e 2021. Conclusão: As infecções bacterianas constituem um importante problema para a Saúde Pública, e se destaca, entre outros fatores, o uso indiscriminado de antimicrobianos em pacientes com a COVID-19, favorecendo o surgimento de coinfecções de COVID-19 e microrganismos multirresistentes. Desta maneira, faz-se necessário o apoio a políticas de gerenciamento do uso de antimicrobianos e de diagnóstico rápido e com acurácia dos agentes envolvidos nas infecções bacterianas, possibilitando a prescrição adequada destes antimicrobianos, favorecendo o sucesso na terapia, menores danos aos pacientes e a redução da ocorrência de resistência microbiana.
Palavras-chave: Coinfecção; COVID-19; Acinetobacter baumannii; Klebsiella spp; Pseudomonas aeruginosa
INTRODUÇÃO
A COVID-19 consiste em uma doença caracterizada pela infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 (Ministério da Saúde; Secretária de Vigilância em Saúde, 2021). A doença é reconhecida como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, seja na forma de manifestação de Síndrome Gripal (SG) ou de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), sendo desta maneira de notificação imediata (Ministério da Saúde, 2020). Concomitantemente à infecção pelo SARS-CoV-2, a coinfecção com outros microrganismos, tais como vírus, bactérias e fungos, constitui um fator de grande importância que maximiza as dificuldades no diagnóstico e tratamento do quadro clínico, agravando de maneira significativa o prognóstico dos pacientes (CHEN et al., 2020; HUGHES et al., 2020; SHEN et al., 2020).
A COVID-19 propiciou a ocorrência de coinfecções bacterianas, principalmente aquelas por MDR (Multi Drug Resistance / Microrganismos Multirresistentes), isto em decorrência da fisiopatogenia da doença e de seu contexto pandêmico. Quanto a fisiopatogenia da doença, o SARS-CoV-2 pode danificar os linfócitos B e T e células Natural Killer (NK), reduzindo significativamente a concentração destas células, de maneira a resultar no comprometimento da resposta imunológica durante o curso da doença (MAOMAO et al., 2020). Em relação à pandemia de COVID-19, houve um aumento do número e duração das hospitalizações principalmente de pacientes em estado grave que necessitam de procedimentos invasivos diagnósticos ou terapêuticos, principalmente quando mantidos em UTIs (Unidade de Terapia Intensiva), associados a sobrecarga de profissionais de saúde e insuficiência de insumos para proteção de profissionais de saúde e pacientes (ANVISA, 2021b; SUBRAMANYA et al., 2021).
A RM exibe preocupação particular em bacilos gram-negativos, já que nestes há maior frequência de resistência a múltiplos antimicrobianos, limitando as opções terapêuticas (CDC, 2013). Ademais, a RM (Resistência Microbiana) possui causalidade multifatorial, associando-se principalmente ao uso indiscriminado e inadequado dos antimicrobianos possibilitando a seleção de cepas resistentes que favorece a ocorrência de RM. Evidencia-se que a ocorrência de IRAS (Infecções Relacionadas a Assistência à Saúde) também pode favorecer a ocorrência de RM, uma vez que sua prevalência é alta nas unidades de saúde brasileiras, resultando em alto uso de antimicrobianos de diversas classes em proporções altas (ANVISA, 2017). A pandemia de COVID-19 em toda sua contextualização também gerou várias condições que propiciam a disseminação de MDR (ANVISA, 2021b).
Dentre os MDR destaca-se aqueles produtores de batalactamases que despertam grandes preocupações já que a maioria dos genes responsáveis pela produção destas enzimas estão localizados em elementos genéticos móveis (transferíveis) (SES-SP, 2016). Dentre as betalactamases destaca-se as carbapenemases que hidrolisam os antimicrobianos carbapenêmicos (Meropenem, Imipenem e Ertapenem), em que evidencia-se três grandes classes: carbapenemases tipo KPC (Klebsiella pneumoniae carpenemase), metalo-beta-lactamases (MBL) incluindo as New Delhi metallo-beta-lactamases (NDM, SPM, IMP e VIM) e as OXA- carbapenemases (MAGALHÃES, SOARES, 2018). De modo geral, as carbapenemases mais frequentes são KPC, NDM e OXA-48 produzidas pela Klebsiella spp., SPM, VIM e IMP produzidas pela Pseudomonas aeruginosa e a OXA-23 produzida pelo Acinetobacter baumannii.
As coinfecções bacterianas por MDR em pacientes com COVID-19 geralmente estão associadas ao aumento dos índices de morbidade e mortalidade e prolongamento de internações, levando a redução das opções tecnológicas e farmacológicas na terapia de pacientes. Uma vez que a eficácia terapêutica dos antimicrobianos é perdida, há ausência de alternativas seguras e ágeis no tratamento de infecções bacterianas, piorando o prognóstico dos pacientes e elevando o risco de óbito (ANVISA, 2017). Uma pesquisa realizada pelo governo britânico em relação aos custos financeiros com infecções por microrganismos resistentes a antimicrobianos revela perspectivas impactantes caso ações profiláticas e de controle não sejam tomadas, estimando que até 2050 estas infecções podem matar pelo menos 10 milhões de pessoas no mundo e com um custo de mais de 100 trilhões de dólares (GOV UK, 2015).
Diante da preocupante disseminação dos patógenos MDR a OMS tem classificado de acordo com a RM vários patógenos prioritários para estudos de desenvolvimento de novos antimicrobianos, dentre os elencados como prioridade 1 (crítica) cita-se a Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumanni e os microrganismos pertencentes a ordem Enterobacterales com destaque para a Klebsiella spp., sendo estes resistentes aos antimicrobianos carbapenêmicos (OPAS, 2017).
Dados do Laboratório de Bacteriologia do CLR (Centro de Laboratório Regional) do Instituto Adolfo Lutz de Marília que coordena o Polo Regional de Monitoramento de Microrganismos Multirresistentes que atende as regiões abrangidas pelos CLRs de Araçatuba, Bauru, Marília, Presidente Prudente, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, referentes à identificação de MDR na rotina laboratorial durante os anos de 2019 (pré-pandemia), 2020 e 2021(durante a pandemia) estão descritos no gráfico 1.
O objetivo do presente trabalho é analisar as coinfecções bacterianas em pacientes com COVID-19, uma vez que as coinfecções bacterianas têm exercido papel de grande importância no agravo dos quadros clínicos e piora dos prognósticos dos pacientes infectados pelo SARS-CoV-2.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo constitui-se de uma revisão sistemática, dados do Laboratório de Bacteriologia do CLR- Marília do Instituto Adolfo Lutz usados para melhor elucidação da problemática abordada, foram aprovados pelo Conselho Técnico Científico do IAL, cadastro CTC-IAL 39-N/2021. Para a revisão sistemática foram utilizadas as seguintes bases de dados: PubMed, Biblioteca Eletrônica e Científica Online (SciELO, Scientific Eletronic Library Online) e Google Acadêmico. Para a busca do material bibliográfico realizou-se buscas avançadas selecionando-se palavras-chave padronizadas e indicadas pelos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH) do BVS/SES, sendo utilizado: somente “COVID-19”, ou “COVID-19” AND “Coinfection”, “COVID-19” AND “Bacterial” AND Coinfection”, “COVID-19” AND “Tuberculosis” e “Bacterial” AND “Drug resistance” AND “COVID-19”. Com a finalidade de refinar a busca foram acrescentados entre as palavras chaves o operador booleano AND.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A pandemia de COVID-19 permitiu condições capazes de favorecer coinfecções por MDR, em destaque as bactérias gram-negativas, neste aspecto evidencia-se o uso empírico de antimicrobianos nesta fase como um fator que favorece a resistência microbiana (RM). Embora a COVID-19 corresponda a uma enfermidade de etiologia viral, antimicrobianos são prescritos frequentemente para esta patologia infecciosa em decorrência de suspeitas de coinfecções bacterianas, podendo favorecer o aumento da pressão seletiva dos agentes bacterianos, propiciando a disseminação de MDR (ANVISA, 2021b; LANGFORD et al., 2021; SUBRAMANYA et al., 2021). A Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA n°05 de 2021 revela o uso excessivo e empírico de antimicrobianos de amplo espectro no tratamento secundário a coinfecções com a COVID-19 como uma das condições que favorecem a disseminação de MDR (ANVISA, 2021b).
Tem-se observado um aumento das preocupações com a elevação dos casos de Acinetobacter baumannii, principalmente aqueles produtores de carbapenemases e resistentes a polimixina, fato que aumenta a severidade dos quadros clínicos e a mortalidade (SCARELLA, SCARELA, BERETTA, 2017). A nota técnica conjunta CGLAB, BrCAST e Anvisa: testes de sensibilidade para Acinetobacter spp. (2021), revela através de dados do GAL (Gerenciador de Ambiente Laboratorial) do Lacen-PR (Laboratório Central de Saúde Pública), de que no ano de 2021 foi observado um aumento de 90% dos isolados de MDR, sendo um aumento de 170% referente ao A. baumannii e destes um aumento de 99% de A. baumannii resistente a carbapênemicos e 20% resistentes a polimixina (ANVISA, 2021a). Condizente ao exposto, dados do Laboratório de Bacteriologia do CLR – Marília do Instituto Adolfo Lutz (descritos no Gráfico 1), retratam um aumento significativo de infecções por A. baumannii produtores de carbapenemases OXA-23 nos anos de 2020 e 2021 (durante a pandemia), sendo mais pronunciado no ano de 2021, quando comparado com os dados de 2019 (pré-pandemia). Ademais, dados fornecidos pelo Laboratório de Bacteriologia do CLR-Marília revelam a ocorrência de oito surtos de A. baumannii OXA-23 (quatro em 2020 e quatro em 2021) através da técnica de tipagem molecular epidemiológica REP-PCR, permitindo a identificação de um clone idêntico entre os municípios de Araçatuba e Marília, indicando a disseminação inter-hospitalar, bem como a ocorrência de três surtos de Klebsiella sp. produtora de carbapenemases através da técnica de tipagem molecular epidemiológica ERIC-PCR, sendo dois surtos de Klebsiella sp. produtora de NDM nos municípios de Araraquara e Marília nos anos de 2020 e 2021 e um surto de Klebsiella sp. produtora de KPC no município de Marília no ano de 2021.
Algumas medidas podem ser aplicadas nas unidades de saúde como alternativas de controle e profilaxia da disseminação de MDR, principalmente durante a pandemia de COVID-19 em que há altos índices de hospitalização. Dentre as medidas indicadas destacam-se recursos humanos capacitados, insumos adequados para proteção dos profissionais e pacientes, prevenção e controle das infecções, política rigorosa de gerenciamento do uso de antimicrobianos e consequentemente o uso correto de antimicrobianos (ANVISA, 2021b).
É recomendado que os laboratórios hospitalares utilizem métodos rápidos e eficazes na detecção de microrganismos em coinfecções com SARS-CoV-2, principalmente de MDR, com atenção para a detecção de carbapenemases e pesquisa a resistência à polimixina, permitindo que os resultados sejam reportados rapidamente às equipes de assistência (ANVISA, 2021b). O diagnóstico adequado e preciso dos agentes envolvidos, com correta identificação e realização de testes de sensibilidade a antimicrobianos, permite uma terapia antimicrobiana apropriada, reduzindo assim as chances de insucessos no tratamento e reduzindo as chances de RM.
CONCLUSÃO
É visível que a pandemia de COVID-19 resultou em inúmeros impactos mundiais, englobando-se desde a saúde, economia, educação e a política, gerando várias mortes, principalmente em populações mais fragilizadas, resultando em perdas irreparáveis com a pandemia. Diante deste contexto, embora tenha-se conquistado grandes avanços na vacinação, não existem alternativas terapêuticas específicas para o tratamento da infecção por SARS-CoV-2, fator que favorece em muitos casos tratamentos empíricos.
Conforme relatado, casos de coinfecções bacterianas em pacientes com a COVID-19 estão se tornando cada vez mais frequentes, agravando os quadros clínicos, aumentando a necessidade de recursos específicos, do nível de assistência e dos gastos com hospitalizações e terapias e infelizmente aumentando a mortalidade da doença. Desta maneira, em muitos casos opta-se pelo uso empírico de antimicrobianos no tratamento da COVID-19 como uma tentativa de profilaxia ou tratamento de possíveis coinfecções bacterianas, fato que muitas vezes favorece a RM. A maior ocorrência de coinfecções por MDR durante a pandemia de COVID-19 tem resultado na elaboração e publicação de normas técnicas com alertas sobre o assunto. Em sincronia com a literatura consultada os dados fornecidos pelo Laboratório de Bacteriologia do CLR-Marília do Instituto Adolfo Lutz, demonstram um aumento significativo da ocorrência de A. baumannii produtores de OXA-23, bem como um aumento da ocorrência de Klebsiella spp. produtora de KPC e embora seja menos comum a ocorrência de Klebsiella spp. produtora de KPC e NDM simultaneamente, além da ocorrência de P. aeruginosa produtora de KPC durante os anos de 2020 e 2021 (pandêmicos).
Conclui-se que as coinfecções bacterianas constituem um importante problema para a Saúde Pública, principalmente quando envolve a RM e MDR, situação que possui causalidade multifatorial, em destaque o uso indiscriminado de antimicrobianos em pacientes com a COVID-19. Desta maneira, faz-se necessário o apoio a políticas de gerenciamento do uso de antimicrobianos e de diagnóstico rápido e com acurácia dos agentes envolvidos nas coinfecções bacterianas, possibilitando a prescrição adequada destes antimicrobianos, favorecendo o sucesso na terapia, menores danos aos pacientes e a redução da ocorrência de RM e MDR.
REFERÊNCIAS
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Isabela Sestito Falanque1; Jacqueline Tanury Macruz Peresi2
1Estudante do Curso de Pós-Graduação em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – IAL – CLRSJ;
E-mail: [email protected]
2Pesquisador do Núcleo de Ciências Químicas e Bromatológicas- CLRSJ
RESUMO
Tem sido identificado cada vez mais surtos alimentares devido à ingestão de alimentos de origem vegetal, o que vem despertando preocupação de órgãos de saude pública, produtores e consumidores. O presente trabalho tem como objetivo realizar um estudo da ocorrência de surtos alimentares causados pela ingestão de alimentos de origem vegetal, como hortaliças, frutas, produtos de frutas e similares, no período de 2000 a 2020, no Brasil a partir de informações do banco de dados público do Ministério da Saúde. Dos 14.033 surtos alimentares notificados no Brasil no período, 267 (1,9%) foram relacionados a hortaliças, frutas, produtos de frutas e similares totalizando 5.422 doentes e 3 óbitos. Dentre os agentes etiológicos, Escherichia coli foi a mais identificada (12,4%), seguida da Salmonella spp. (12%) e Bacillus cereus (9%). Os locais de maior ocorrência foram residências correspondendo a 30% do total, seguido dos restaurantes/padarias e similares (16,1%). Os estados de Pernambuco e Paraná se destacaram pelo maior número de notificações (17,2% e 14,2%, respectivamente). Diante do exposto enfatiza-se a importância da implantação/implementação de Programas de vigilância em toda a cadeia produtiva com melhoria do sistema de investigação e de notificação de surtos visando o controle e prevenção de novas ocorrências.
Palavras – Chave: contaminação de alimentos; doenças transmitidas por alimentos; frutas; hortaliças; surtos de doenças.
INTRODUÇÃO
O número de episódios de doenças transmitidas por alimentos (DTA) vêm expandindo de modo significativo em nível mundial, sendo causadas pela ingestão de alimentos contaminados com micro-organismos patogênicos, toxinas microbianas ou substâncias químicas (WHO, 2015). É possível notar que as DTA também tem sido atribuidas à ingestão de alimentos de origem vegetal, o que vem despertando a preocupação de órgãos de fiscalização, produtores e consumidores (ELIAS, et al., 2018). Nos EUA, em 2006, um surto por Escherichia coli O157:H7 associado ao consumo espinafre acometeu 199 pessoas, sendo 102 (51%) hospitalizadas, 31 com desenvolvimento de Síndrome Urêmica Hemolítica-SHU e três óbitos (CDC, 2006). Uma das razões para as ocorrências de DTA envolvendo produtos de origem vergetal se dá pelo fato de que grande parte deles são consumidos crus, não existindo uma etapa no seu preparo que elimine os agentes patogênicos, como, por exemplo, um tratamento térmico (ELIAS, 2018). O presente trabalho tem como objetivo realizar um estudo da ocorrência de surtos alimentares causados pela ingestão de alimentos de origem vegetal, como hortaliças, frutas, produtos de frutas e similares, no período de 2000 a 2020, no Brasil.
MATERIAL E MÉTODO
Este estudo refere-se a um trabalho de revisão elaborado com base no banco de dados público do Ministério da Saúde (MS) acessado em 09 de dezembro de 2021, de onde se encontravam disponibilizados dados referentes ao período de 2000 a 2019 (BRASIL, 2020). Quanto aos do ano de 2020, não disponíveis na data do referido acesso, as informações foram obtidas por e-mail com o Fala.Br/Ministério da Saúde, 2021, uma Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação da Controladoria Geral da União do Governo do Brasil. Cabe ressaltar que este banco de dados é dinâmico, ou seja, submetido a atualizações pelo MS, com a ressalva deste mesmo órgão de que os dados do ano anterior ao vigente são preliminares e sujeitos a atualizações. Os unitermos pesquisados foram: contaminação de alimentos, doenças transmitidas por alimentos, frutas, hortaliças e surtos de doenças.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com dados do Ministério da Saúde, de 2000 a 2019 (BRASIL, 2020) e 2020 (Fala.Br/BRASIL, 2021), o número total de surtos de DTA foi de 14.033, sendo que 267 (1,9%) deles estavam relacionados ao consumo de hortaliças, frutas, produtos de frutas e similares.
Dados dos Estados Unidos, do Sistema Nacional de Notificação de Surtos (NORS), revelaram que no período de 2000 a 2020 foram notificados 22.069 surtos de DTA de origem hídrica e alimentar (CDC, 2022a), porém, o número de episódios relacionados a frutas e hortaliças disponibilizado pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) a partir de 2006, resultou em 58 surtos até o ano de 2020 (CDC, 2022b). Se compararmos o total de surtos alimentares notificados em ambos os países, nos Estados Unidos ocorreu uma quantidade superior em relação ao Brasil no período avaliado, contudo, o Brasil, apresentou entre 2006 a 2020 uma quantidade mais expressiva de surtos decorrentes da contaminação de frutas e hortaliças, ou seja, 162 surtos.
Levando em consideração que o consumo per-capita de frutas e hortaliças nos EUA pode variar em torno de 143 Kg/ano e no Brasil 56 Kg/ano (COSTA, 2016), o menor número de episódios relacionados a estes alimentos nos EUA no período avaliado poderia ser atribuído às práticas mais seguras na cadeia produtiva destes alimentos, desde o plantio até a mesa do consumidor, ressaltando que o CDC (2021a), de uma forma sucinta e explicativa, informa a população maneiras adequadas para manipulação dos alimentos, para que haja conhecimento sobre as consequências acarretadas referentes à má higienização das frutas e hortaliças. O CDC fornece um elo importante entre os produtores de alimentos e os sistemas de segurança alimentar de agências governamentais, com relação às DTA, trabalhando em parceria para a determinação das principais fontes de contaminação, atuando na investigação dos surtos em vários estados do país e adotando sistemas de prevenção dos surtos. Auxilia os departamentos de saúde no rastreamento e investigação das DTA por intermédio de sistemas de vigilância, como o PulseNet e FoodNet. (CDC, 2021b).
A distribuição anual dos surtos de DTA no Brasil, envolvendo alimentos de origem vegetal, está apresentada na Figura 1.
No Brasil, dos 267 surtos ocasionados pelo consumo de alimentos de origem vegetal no período avaliado, obteve-se, de 84,3 e 88% deles um total de 25.919 pessoas expostas e 5.422 doentes, respectivamente, distribuidas de acordo com a Figura 2. De 83,9% dos surtos houve o relato de três mortes, em 2003, 2013 e 2019. No entanto, vale ressaltar que em 16,1% dos surtos não houve informações sobre ocorrência de óbitos, em 12% sobre o número de doentes e em nenhum deles sobre o número de hospitalizados, revelando a necessidade de melhorias no processo de notificação, lembrando que os estudos epidemiológicos e a adoção de medidas em saúde pública adequadas dependem também da correta e completa informação de dados.
Apesar do número de surtos em 2011 ter sido próximo a média entre os anos no período avaliado, o número de pessoas doentes neste ano, pelo consumo deste tipo de alimento, foi expressivo (15,7% do total do período avaliado) (Figura 2), podendo ser justificado pelo fato de que 4 (26,7%) dos episódios de 2011 ter ocorrido em instituições como alojamentos e ambientes de trabalho, locais com número elevado de expostos.
Dentre os agentes etiológicos envolvidos nos surtos relacionados aos alimentos de origem vegetal (Figura 3) destaca-se o número de surtos sem identificação do agente (ignorados, inconclusivos e inconsistentes) (39,3%) e a detecção do Trypanossoma cruzi, agente etiológicos raramente envolvido em surtos por outros tipos de alimentos.
No decorrer das duas décadas, observou-se que a partir de 2015 e até 2019, T. cruzi apresentou alterações significativas sofrendo aumento gradual no número de notificações como uma em 2015 (7,7%), uma em 2016 (12,5%), duas em 2017 (16,7%), três em 2018 (23,1%) e 9 surtos em 2019, representando neste último ano 37,5% dos surtos relatados. Quanto E. coli e Salmonella, os agentes mais isolados, apresentaram-se frequentes e com pequenas variações durante todo o período avaliado, ressaltando que em 87,9% dos episódios relacionados a E. coli não havia informações se pertencia ou não a alguma categoria diarreiogênica e 90,6% envolvendo Salmonella não foi informado o sorotipo. Os produtos frescos têm sido reconhecidos como uma fonte comum de Salmonella, tendo em vista que este patógeno tem a capacidade de se fixar e internalizar nestes alimentos, cuja contaminação pode ocorrer durante a produção, colheita, processamento e transporte (KILONZO-NTHENGE; MUKUNA, 2018).
Entre os alimentos incriminados nos surtos avaliados, as hortaliças apresentaram o maior número de envolvimento com 149 (56%) episódios e as frutas, produtos de frutas e similares, com 118 (44%).
A Figura 4 apresenta a distribuição dos surtos por local de ocorrência, ressantando que a identificação daqueles mais frequentes gera subsídios aos órgãos de vigilância para a implantação/implementação de Programas de orientação da população e/ou manipuladores de alimentos sobre medidas preventivas/corretivas que minimizem tais episódios, com ênfase na adequada higienização e conservação dos alimentos.
Quanto à ocorrência dos surtos por região geográfica, a Figura 5 apresenta a distribuição por estado.
Além da possibilidade de contaminação dos alimentos em todas as etapas da cadeia alimentar com consequente ocorrência de DTA, a maior notificação em alguns estados pode ser atribuída a outros fatores, como a um sistema de vigilância mais ativo. Nos anos de 2012 e 2013, por exemplo, realizou-se no estado de Pernambuco a formação permanente do Sistema de Vigilância Epidemiológica das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, o que possivelmente tenha contribuído para o aumento do número notificação em locais anteriormente silenciosos (SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE, 2016). Por outro lado, segundo Silva et al. (2017), houve aumento considerável de surtos neste estado em alguns anos devido ao comércio de alimentos produzidos em ambiente doméstico.
Em relação ao critério de confirmação dos surtos (Figura 6), importante ressaltar que em 74,9% das ocorrências não houve confirmação pela análise dos alimentos, podendo a causa ser atribuída, entre outras, a indisponibilidade de alimentos suspeitos para a realização da análise bromatológica, a identificação incorreta da refeição suspeita e consequente coleta de alimentos não relacionados ao surto e ainda, dificuldades de órgãos de vigilância sanitária enfrentadas na coleta de amostras.
CONCLUSÃO
Diante do envolvimento dos alimentos de origem vegetal como veículos de diferentes pátogenos nas DTA, no Brasil enfatiza-se a importância da implantação/implementação de programas de vigilância em toda a cadeia alimentar envolvendo estes produtos com melhoria do sistema de investigação e de notificação de surtos. Ressalta-se ainda, que a coleta de amostras de alimentos pertinentes e em tempo hábil permite a identificação da etiologia do surto, sua associação às diferentes classes de alimentos e, consequentemente, a adoção de medidas de controle e prevenção de novas ocorrências.
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Suellen Galindo Avelino¹; Roberto Mistuyoshi Hiramoto²
¹Estudante do Curso de Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – CPM/ IAL – CEFOR; E-mail: [email protected]
²Pesquisador do Núcleo de Parasitoses Sistêmicas – CPM – IAL.
Resumo: As notificações de doenças são de grande valia para o serviço de vigilância epidemiológica, sendo um dos fatores fundamentais para a ação de órgãos competentes visando à saúde pública. Essas ações contribuem para catalogar áreas consideradas endêmicas para determinada moléstia e criar ações voltadas a prevenção, observando a evolução das doenças ao longo dos anos. A leishmaniose visceral (LV) é considerada uma doença tropical negligenciada, possuindo ampla distribuição geográfica, atingindo todas as regiões do Brasil. No Estado de São Paulo (ESP) a cada ano tem sido localizado casos da doença em novos municípios, somando uma grande área de distribuição que avança anualmente, esta situação tem causado preocupação nas áreas de saúde, pois estas têm de estar preparadas para atender eventuais pacientes e criar estratégias para conter a propagação em regiões endêmicas. O presente trabalho teve como objetivo demonstrar a evolução da LV dentro do ESP, mostrando de forma clara e objetiva sua distribuição ao longo dos anos, foi utilizado registros de infecção humana e canina que ocorreram nos municípios do Estado. Os resultados evidenciaram que dos 645 municípios do ESP, 205 possuem notificação para LV canina (LVC) entre 1998 a novembro de 2021 e 113 para casos humanos de LV, além de 207 municípios possuírem a presença de Lutzomyia longipalpis, principal vetor da transmissão da doença no Brasil entre 1970 a novembro de 2021.
Palavras chaves: Leishmaniose visceral, distribuição epidemiológica, Estado de São Paulo
INTRODUÇÃO
A LV é uma doença parasitária causada pelo agente etiológico Leishmania (Leishmania) donovani (Ross, 1903) no velho mundo, e Leishmania (Leishmania) infantum (Nicolle, 1908) no novo mundo. É uma doença crônica, grave, de alta letalidade, que apresenta aspectos clínicos e epidemiológicos diversos e característicos para cada região onde ocorre. É caracterizada pelo acometimento de órgãos importantes como fígado, baço e medula óssea, causando uma série de sinais e sintomas que senão tratados imediatamente podem levar ao óbito do acometido (NEVES et al. 2011).
Os vetores da doença são dípteros da família Psychodidae, subfamília Phlebotominae, sendo o de maior importância epidemiológica no Brasil o flebotomíneo Lutzomyia longipalpis (Lu. longipalpis), conhecidos popularmente como: mosquito palha, birigui, tatuquira, entre outros. Ébastante adaptado ao peridomicilio e as mudanças de temperatura, podem ser encontradas em regiões onde possui mata nativa próxima às residências, podendo ser facilmente despercebido dentro de domicílios e em abrigos de animais domésticos, geralmente são mais ativos do crepúsculo ao amanhecer. A transmissão da doença ocorre através da picada do vetor infectado, no caso dos flebotomíneos só fêmeas transmitem a doença, pois são elas que se alimentam de sangue (BRASIL, 2019; CENTER FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2020).
Desde o século XX, quando foi identificada no país e o ciclo de transmissão foi elucidado, o controle da doença se configurou em um desafio para pesquisadores e profissionais da saúde. No Brasil o ciclo de transmissão possui caráter antropozoonótico, sendo o cão doméstico (Canis familiaris) o principal reservatório em áreas urbanas e periurbanas, além de também sofrer os impactos da infecção manifestando a LVC (WERNECK, 2016; BRASIL, 2019).
Atualmente é observado um crescimento exponencial da LV no ESP, esse crescimento pode ser atribuído a expansão de áreas urbanas para territórios de mata, provocados pelo desmatamento em favor da construção civil e urbanização causando alterações ecológicas acarretando fatores que propiciam o adoecimento do homem, além de movimentos migratórios e baixa renda, que levam a condições de nutrição, habitação e saneamento desfavoráveis favorecendo a expansão territorial da doença (OLIVEIRA et al. 2019). O presente trabalho teve como objetivo demonstrar a evolução da LV dentro do ESP, demonstrando de forma clara e objetiva sua distribuição ao longo dos anos.
MATERIAL E MÉTODOS
Tipo de estudo: Estudo epidemiológico é do tipo descritivo para avaliação do avanço da LV no Estado de São Paulo.
População de estudo: Notificações de casos e óbitos humanos por LV, que ocorreram nos municípios do ESP, entre os anos de 1999 a outubro de 2021, e casos de LVC no período de 1998 a novembro de 2021, além dos municípios onde a presença do vetor (Lu. longipalpis e/ou vetores secundários) foi detectada entre os anos de 1970 a novembro de 2021.
Fonte de dados: Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) para obtenção de casos e óbitos relacionados a LV em humanos.
Instituto Adolfo Lutz (IAL) para obtenção de dados relacionados a distribuição de casos caninos pelos munícipios do ESP.
Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) para obtenção da distribuição de Lu. longipalpis e vetores secundários envolvidos na transmissão da LV no ESP.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Distribuição geográfica de Lutzomyia longipalpis e vetores secundários envolvidos na transmissão de leishmaniose visceral no Estado de São Paulo
Os dados demonstraram um aumento no número de munícipios do ESP que notificaram a presença de vetor Lu. longipalpis nos últimos 51 anos, dado que seu primeiro relato ocorreu em 1970 na Serra da Mantiqueira, na Região Leste do ESP (SUCEN, 2019).
Entre os anos de 1970 a 2000, 28 dos 645 municípios notificaram a presença o vetor, sendo em grande maioria em regiões limítrofes ao município de Araçatuba. A análise com um intervalo de 9 anos, demonstra um aumento de 86 novos municípios com a presença do vetor primário entre os anos de 2001 a 2011, tendo sua expansão no sentido Centro – Oeste paulista, Alta sorocabana, e Alta paulista. Atualmente o cenário de distribuição do vetor Lu. longipalpis soma um total de 207 municípios do ESP até dados de novembro de 2021, sendo observado que a sua distribuição segue em sentido ao litoral do Estado. (Figura 1).
A expansão geográfica da LV no ESP está quase que diretamente relacionada a distribuição do vetor Lu. longipalpis, segundo Oliveira et al (2019), a associação de mudanças climáticas e ambientais, como alterações de temperatura e umidade relativa do ar, possui repercussão significativa na densidade vetorial, e favorecem a adaptação de flebotomíneos ao peridomicílio. Outro fator a ser levado em consideração, liga o avanço da distribuição vetorial, ao avanço de rodovias que cortam o ESP, como exemplo a Rodovia Marechal Rondon, que segue da Região Oeste do ESP e se expande para outras regiões atingindo uma grande margem de território podendo contribuir para a distribuição de vetores e consequentemente casos caninos e humanos de LV como citado por Cardim, et al (2016).
A partir do ano de 2019, sob orientação do Ministério da Saúde (MS), foi considerada a classificação dos municípios quanto a presença e transmissão de LV e LVC por vetores secundários, sendo catalogados no ESP três espécies de interesse em saúde: Pintomyia fischeri (P. fischeri), Migonemyia migonei (M. migonei) e Nyssomyia intermedia (Ny. Intermedia). Dentro do território paulista, no ano 2020 foram notificados 22 municípios com a presença de P. fischeri e M. migonei distribuídos predominantemente nas Regiões Intermediária e Imediata de São Paulo. Nas Regiões Intermediaria de São José dos Campos e Região Imediata de Caraguatatuba – Ubatuba – São Sebastião predominou a presença da espécie Ny. Intermedia (RANGEL, et al 2020).
Os vetores secundários até o ano de 2020 eram encontrados em 25 municípios do Estado, localizados nas Regiões Sedes de São Paulo e no Vale do Paraíba pegando parte do litoral norte paulista, não seguindo a mesma área de distribuição onde é encontrada Lu. longipalpis.
Distribuição geográfica dos casos de Leishmaniose Visceral Canina no Estado de São Paulo
O primeiro caso autóctone de LV no ESP foi notificado no ano de 1998 em um cão, oriundo do município de Araçatuba, Região Oeste do Estado. Os cães são considerados reservatórios doméstico de L. infantum do ponto de vista epidemiológico, a LVC no Brasil é considerada uma doença de grande importância para a saúde animal, além de o cão doméstico ser responsável pelos focos de transmissão da doença nas regiões urbanas(MATSUMOTO, et al 2021). Entre os anos de 1998 a 2000, 20 municípios notificaram casos caninos LV, observando um crescente de casos para novos municípios em um período de 9 anos, entre os anos de 2001 a 2010, 71 novos municípios notificaram a presença de LVC, seguindo uma distribuição que acomete toda a extensão da Região Oeste do Estado, seguindo para as Regiões Centro – Oeste e Centro – Sul. No cenário epidemiológico atual de casos caninos, até novembro de 2021, agregam-se 114 novos municípios com casos de cães infectados por L. infantum, perfazendo um total de 205 municípios dentro do ESP. (Figura 2).
No ano de 2020 houve uma queda no número de notificações de LVC, com apenas 2 novos municípios notificando casos caninos, a baixa notificação nesse período pode ser atribuída a uma subnotificação devido a suspensão de inquéritos e busca por animais acometidos devido da pandemia de Covid-19 que afetou o Brasil em março 2020, já que a realização dos inquéritos de casos caninos implicaria na exposição dos profissionais com os tutores de cães supostamente acometidos por LV. Devido a esse fator, 2020 é o ano com a menor notificação de novos municípios com casos caninos desde 1998.
Distribuição geográfica dos casos de Leishmaniose Visceral Humana no Estado de São Paulo.
O município de Araçatuba foi o epicentro da LV dentro do ESP. O primeiro caso autóctone em seres humanos ocorreu no ano de 1999, um ano após ser relatado o primeiro caso canino no mesmo município. Entre os anos de 1999 a 2000, 4 municípios notificaram casos de LV, todos na Região de Araçatuba, somando um total de 32 casos, com 5 óbitos ocorridos nesse período. Entre os anos de 2001 a 2010, a distribuição de municípios que notificaram a presença de casos de LV cresceu significativamente, tendo um total de 65 novos municípios que notificaram casos da doença, predominando os municípios das Regiões do Extremo Oeste e Centro Oeste do ESP.
De acordo com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) o número de casos humanos confirmados nesse período é de 1.766, destes 157 evoluíram para óbito, resultando numa letalidade de 8,92% nesse período.
Entre os anos de 2011 a novembro de 2021, foram notificados 44 novos municípios que relataram a ocorrência de casos de LV. Desde seu primeiro ano de notificação em 1999, o ESP tem ao todo 113 municípios com a presença da doença em humanos. Durante o período de 2011 a outubro de 2021, foram notificados um total de 1.412 casos de LV, destes 123 evoluíram para óbito, resultando em numa letalidade geral de 8,71% nesse período. (Figura 3).
Os resultados apontam que a distribuição de casos de LVC no ESP são expressivamente maiores do que casos de LV em humanos, esses resultados coincidem com outras regiões do país, como citado por Bevilacqua et al, (2001), que demonstra que em Belo Horizonte no Estado de Minas Gerais, os casos caninos se sobressaem aos casos em humanos. A manutenção dos casos de LVC é um dos principais focos dos órgãos de controle, pois necessitam de medidas de logística operacionais complexas e financeiras para execução.
Até o ano de 1990, somete 10% dos casos de LV eram notificados fora da Região Nordeste do Brasil (WERNECK, 2010) ao longo dos anos, esse cenário tomou uma proporção igualitária em quase todo território nacional. No ESP os casos humanos de LV, desde 1999 apresentaram um crescente significativa, chegando no ano de 2008 com seu maior número de casos, somando 294 casos, com 24 óbitos notificados, dando uma taxa de letalidade de 8,16%. Os casos humanos de LV se concentram em sua maioria nos municípios da Região Oeste do ESP, onde foi o ponto de entrada da moléstia, atingindo principalmente crianças e idosos. Entre os anos de 2001 a 2010, existiu um pico de municípios afetados, somando 65 municípios no total, número que decai nos próximos anos.
No cenário epidemiológico atual, entre os anos de 2020 a 2021, houve um decaimento nas notificações de novos municípios com LV humana, somando apenas 4 municípios nesse período, o número de casos autóctones desde 2017 também apresentou uma queda, semelhante ao que vem ocorrendo em praticamente todas as regiões do Brasil, no entanto, a letalidade no ESP aumentou ligeiramente no período de 2017 a 2020, apresentando valores semelhantes a região nordeste que tem um número muito maior de casos da doença (BRASIL, 2021).
CONCLUSÃO
O presente trabalho destacou um número expressivo de municípios do Estado de São Paulo que são endêmicos para LV, ou possuem receptividade para vetores e cães. No decorrer do período estudado, pode ser notada a evolução territorial da doença que vem ocorrendo dentro do território paulista, destacando a importância da atualização dos municípios com notificação para a doença humano ou canina, com objetivo de alertar e sensibilizar os profissionais da saúde, quanto ao risco da doença em humanos. A importância do conhecimento epidemiológico de uma determinada moléstia endêmica, gera um conhecimento multidisciplinar aos profissionais da saúde, favorecendo diagnostico mais precisos sobre a ocorrências de doenças que acometem a região onde vivemos, destacando também a necessidade de informação para as populações residentes em áreas endêmicas para LV, afim de gerar conhecimento que contribua para a prevenção, e cuidados com a saúde humana e animal nessas regiões.
REFERÊNCIAS
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Paula Carolina Buzutti1; Fernanda Modesto Tolentino Binhardi2
1Estudante do Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – CRL X – IAL – SJRP; E-mail: [email protected]
2Pesquisadora do Núcleo de Ciências Biomédicas – CRL X – IAL – São José do Rio Preto
Resumo: Dengue é uma doença tropical febril aguda de extrema importância para a saúde pública. Outro importante agravo são as hepatites virais, que se manifestam de forma aguda ou crônica e infectam milhões de pessoas. As manifestações da dengue em uma população com alta prevalência de HBV e HCV foram pouco estudadas, apesar de estudos mostrarem que uma co-infecção entre elas pode mascarar ou complicar os sintomas. Neste estudo avaliou-se as manifestações e evoluções clínicas em pacientes portadores de HBV e HCV, co-infectados com DENV na região de S. J. Rio Preto-SP, entre 2009 a 2016. Foram comparados os dados de 502 pacientes com HBV e 1.388 com HCV com planilhas do Sinan que continham dados de pacientes com DENV. Após identificar os pacientes co-infectados, investigou-se a carga viral do HBV e HCV pré e pós infecção por DENV e a evolução do quadro clínico. Pacientes com HCV apresentaram maior taxa de co-infecção e diversidade de sintomas, enquanto que o aumento da carga viral ocorreu mais em pacientes com HBV. Não foram observadas diferenças significativas entre gênero e alteração das dosagens de TGO e TGP em ambas co-infecções. O DENV-1 foi o único sorotipo detectado e nenhuma evolução para dengue grave ou óbito.
Palavras-chave: Co-infecção; DENV; HBV; HCV
INTRODUÇÃO
A dengue é considerada uma doença tropical negligenciada de extrema importância para a saúde pública, com expressivo aumento de sua incidência nas últimas décadas (GUZMAN et al., 2016; RAMOS-CASTAÑEDA et al., 2017; MS, 2019a). É uma doença febril aguda em que o paciente acometido pode apresentar-se assintomático ou com sintomas que variam de leves a graves. Em alguns casos, o quadro pode evoluir a óbito. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a dengue em três categorias: dengue, dengue com sinais de alarme e dengue grave (MS, 2019a). São José do Rio Preto-SP tem apresentado uma circulação endêmica de DENV há aproximadamente 15 anos e todos os quatro sorotipos foram detectados na cidade (MONDINI et al., 2009; SOUZA et al.,2011; COLOMBO et al, 2016).
Outro grande problema para a saúde pública, no Brasil e no mundo, são as hepatites virais, que podem manifestar-se de forma aguda ou crônica e infectam milhões de pessoas (MS, 2009). As hepatites virais são inflamações do fígado causadas pelos Vírus da Hepatite A (HAV), Vírus da Hepatite B (HBV), Vírus da Hepatite C (HCV), Vírus da Hepatite D (HDV – Delta) e/ou Vírus da Hepatite E (HEV) (SILVA, 2003). O desenvolvimento da forma crônica ocorre nos casos de infecção pelo HBV, HCV e HDV, quando a replicação viral persiste por mais de seis meses após a infecção primária (SILVA, 2003; MS, 2019b). De acordo com a OMS, a hepatite viral foi responsável por 1,34 milhão de mortes em 2015 no mundo. Estima-se ainda, que neste mesmo ano, aproximadamente 257 milhões de pessoas tinham hepatite B crônica e 71 milhões de pessoas tinham hepatite C crônica, em todo o mundo (WHO, 2017). Já no Brasil, no período de 1999 a 2016, foram notificados 212.031 casos confirmados de hepatite B e 182.389 de hepatite C. A região Sudeste apresentou maior ocorrência desses vírus quando comparada proporcionalmente com as outras regiões do país, sendo 35,4% de HBV e 62,2% de HCV (MS, 2017).
Alguns estudos mostram que a ocorrência da co-infecção HBV-DENV e/ou HCV-DENV pode mascarar ou complicar os sintomas (TANG et al, 2008; AGARWAL et al, 2011; MACHAIN-WILLIAMS et al., 2014). Entretanto, pesquisas sobre o tema ainda são escassas. É necessário conhecer e entender as manifestações e evoluções clínicas dos pacientes com HBV e HCV co-infectados com DENV, para que se possa estabelecer o risco potencial e verificar os possíveis desfechos clínicos nos mesmos. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar as manifestações e evoluções clínicas em pacientes cronicamente infectados pelos vírus HBV e/ou HCV, co-infectados com DENV na região de São José do Rio Preto-SP, no período de 2009 a 2016, a fim de conhecer o risco potencial para estes.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo dos dados dos pacientes cronicamente infectados pelos vírus HCV e HBV, co-infectados com DENV, no período de 2009 a 2016. Foram avaliados dados de pacientes dos 66 municípios do Grupo de Vigilância Epidemiológica 29 (GVE 29) de São José do Rio Preto-SP.
Inicialmente, os resultados de Sorologia, Biologia Molecular (qPCR) e Isolamento do DENV foram obtidos das planilhas de exames laboratoriais do Instituto Adolfo Lutz e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan. Enquanto que os dados das infecções por HBV e HCV, foram coletados no SIGH-IAL (Sistema de Informação e Gestão Hospitalar do Instituto Adolfo Lutz). Após este levantamento, os dados obtidos foram importados para uma planilha excel e comparados entre si para verificar a ocorrência de co-infecção HBV-DENV e HCV-DENV. Em seguida, realizou-se a investigação dos resultados de carga viral do HBV e HCV pré e pós-infecção por DENV, e também se houve evolução do quadro clínico para gravidade e/ou óbito.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os 502 pacientes com HBV, 11 (2,2%) foram diagnosticados com DENV. Quanto à idade, oito (72,7%) tinham entre 30 e 60 anos e três (27,3%) maiores de 60 anos. Os sintomas mais relatados foram cefaleia, vômito e dor nas costas. Diabetes e distúrbios hematológicos foram as comorbidades mais comuns. O levantamento dos dados dos portadores de HBV que tiveram dengue no período estudado mostrou que 46% (cinco) desses pacientes tiveram aumento na sua carga viral após a dengue. Não foi possível obter os dados de quatro pacientes, totalizando 36% dos mesmos (Figura 1A).
Dos 1.388 pacientes com HCV, 45 (3,2%) foram diagnosticados com DENV. Com relação à idade, 26 (59%) tinham entre 30 e 60 anos e 18 (41%) maiores de 60 anos. Os sintomas foram mais diversificados, sendo cefaleia, vômito, dor nas costas e dor retro-orbital os mais relatados seguidos por artralgia, mialgia, exantema, febre e náuseas. As comorbidades mais comuns foram distúrbios hepáticos, renais e diabetes. Com relação aos pacientes portadores de HCV diagnosticados com dengue, apenas 11 dos 45 pacientes (24%) tiveram aumento na carga viral, enquanto 16 (36%) permaneceram com a carga viral inalterada e 10 (22%) tiveram diminuição da mesma após a dengue. Não foi possível comparar a carga viral pré e pós Dengue de oito pacientes (18%) devido à ausência de exames após a infecção por dengue (Figura 1B). Não foram observadas diferenças significativas entre gênero, tanto nos portadores de HBV quanto nos de HCV.
Dos cinco pacientes portadores de HBV que apresentaram aumento na carga viral de HBV, três (60%) não faziam tratamento medicamentoso para hepatite B por indicação médica no período em que foram acometidos pela dengue, e um (20%) havia abandonado o acompanhamento médico no mesmo período (Figura 2A). Com relação aos pacientes portadores de HCV, dos 11 pacientes que apresentaram aumento da carga viral, sete não faziam uso de medicamento para o tratamento da hepatite C, sendo seis (55%) por indicação médica e um (9%) por abandono do acompanhamento médico. Não foram encontrados dados sobre o tratamento de três pacientes (27%) (Figura 2B).
No tratamento das hepatites virais crônicas são utilizados medicamentos que atuam na diminuição da carga viral e a quantificação da mesma é utilizada para avaliação clínica e acompanhamento destes pacientes. O aumento da carga viral observada em alguns pacientes pode estar relacionado à ausência de tratamento e/ou à co-infecção por DENV, já que alguns estudos apontam que a co-infecção com outros vírus pode levar ao aumento da replicação viral (EASL, 2017; FERREIRA, 2000; FONSECA, 2007; GASPARONI, 2020; ZALAC˛ et al, 2019). Porém, não há estudos que relacionem a alteração da carga viral de HBV ou HCV com o acometimento por DENV, sendo necessárias mais pesquisas acerca do assunto.
A ausência de dados sobre a carga viral e o tratamento de alguns pacientes foi limitante no presente estudo, pois restringiram algumas análises e possivelmente interferiram nas taxas observadas. Não foi possível ter acesso aos dados sobre a carga viral de quatro pacientes portadores de HBV e de oito de HCV, e sobre o tratamento de 21 pacientes com hepatite C, consequência da falta de acompanhamento médico dos7 mesmos, seja por óbito, alta médica ou provável abandono.
Os marcadores de função hepática Transaminase Oxalacética (TGO) e Transaminase Pirúvica (TGP) também foram avaliados, entretanto nenhuma alteração significativa foi encontrada. Isso pode ser devido a dosagem desses marcadores ter sido realizada meses após a cura da dengue, já que estudos relatam que tanto o TGO quanto o TGP apresentam elevação durante o curso da doença e normalizam duas semanas após a cura da mesma (KUO, et al, 1992; AZIN, 2010).
Dois pacientes foram acometidos pela dengue duas vezes no período do estudo, sendo uma portadora de HBV e um de HCV. Da paciente portadora de HBV não foram encontrados registros de exames após os episódios de dengue, não sendo possível comparar se houve alteração na sua carga viral após a doença e a relação entre o primeiro e segundo quadro de dengue. Já o paciente portador de HCV não apresentou alteração na sua carga viral após os quadros de dengue, entretanto não foi possível analisar os marcadores hepáticos e os dados de tratamento deste paciente devido à ausência de prontuário.
Apenas o sorotipo DENV-1 foi encontrado no período estudado, o que é corroborado pelos dados epidemiológicos publicados no período (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2019). Nenhuma evolução para dengue grave ou óbito foi encontrada, resultados que estão em consonância com o estudo realizado por Delgado-Enciso e colaboradores (2017), que relataram não haver complicações no quadro de dengue em múltipla infecção viral por HCV e HIV; e também com o estudo realizado por Trung e colaboradores (2010), no qual se observou que o HBV não teve influência sobre a gravidade dos sintomas em pacientes com DENV (TRUNG et al, 2010; DELGADO-ENCISO, 2017). Entretanto, cabe ressaltar que os estudos ainda são controversos e que análises mais elaboradas são necessárias.
CONCLUSÕES
Conclui-se que a taxa de co-infecção com DENV foi maior em portadores crônicos de HCV e também os sintomas foram mais diversificados nestes pacientes quando comparado com os portadores de HBV. Entretanto, o aumento da carga viral na Hepatite ocorreu mais em pacientes portadores de HBV.
Em ambas co-infecções não foram observadas diferenças significativas entre gênero e na taxa de pacientes sem tratamento. Os marcadores de função hepática TGO e TGP também não apresentaram alteração.
O DENV-1 foi o único sorotipo detectado e nenhuma evolução para dengue grave ou óbito foi encontrada.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem especialmente a Doutoranda Brígida Meneghello pela cooperação para obtenção dos dados dos prontuários dos pacientes.
REFERÊNCIAS
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Jessica Gielize Fernandes da Silva Toscano¹; Marcia Maria Costa Nunes Soares²
- Discente no curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública-IAL – SJRP; [email protected]
2-Docente e Pesquisadora Científica do Núcleo de Ciências Biomédicas – CLR – IAL -SJRP X, [email protected]
RESUMO: A dengue e o HIV são importantes problemas de saúde pública no Brasil. A dengue é uma arbovirose dinâmica e sistêmica, distribuída nas regiões de clima tropical e subtropical. A infecção pelo vírus HIV, é considerada uma epidemia dinâmica e instável. A relação DENV/HIV tem sido pouco relatada. O objetivo deste trabalho foi analisar dados clínicos e epidemiológicos de pacientes da região de São José do Rio Preto- SP, portadores do vírus HIV, que foram infectados pelo DENV no período de 2009 a 2016. No período, foram identificados 116 pacientes portadores do vírus HIV e que se infectaram pelo DENV, sendo que 9 (50,86%) eram do sexo feminino e 57 (49,14%) masculino, com média de idade de 41 anos; a maioria 85 (73,27%) se autodeclarou branca, parda 18 (15,52%), preta 8 (6,90%) e 5 (4,31%) não informaram. Em 56% dos casos, a carga viral do HIV não detectável se manteve após a dengue, em 21% houve diminuição da carga viral e em 17% houve aumento. Com relação à contagem de linfócitos TCD4+, 54 (47%) pacientes apresentaram aumento dos níveis após a infecção com o vírus da dengue, e 51 (44%) tiveram seus níveis diminuídos. Os dados obtidos, sugerem que a infecção pelo vírus da dengue, parece não interferir de maneira importante nos portadores do HIV e a relação inversa também foi verdadeira, uma vez que, todos os pacientes coinfectados apresentaram a forma branda da doença.
Palavras-chave: Coinfecção, Vírus da dengue, HIV
INTRODUÇÃO
A dengue é um dos principais problemas de saúde pública no Brasil e no mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que anualmente ocorram 500 milhões de novos casos e que 2,5 bilhões de pessoas possam contraí-la. É uma doença única, dinâmica e sistêmica (Ministério da Saúde, 2016). Esta arbovirose é distribuída principalmente nas regiões de clima tropical e subtropical, que se caracterizam por um clima de altas temperaturas e umidade (Tauil, 2002).
O vírus da dengue é um arbovírus que pertence ao gênero Flavivírus, família Flaviviridae, e seu único vetor no Brasil é o mosquito Aedes aegypti (Zogbi, 2017). O mosquito apresenta como características ser doméstico, hematófago, androfílico, altamente adaptativo a diversas situações como falta de água, com sobrevida de ovos por até 450 dias e reprodução em água poluída (Tauil, 2002; Barreto e Teixeira, 2008). Nas Américas, os sorotipos circulantes são DENV1, DENV2, DENV3 e DENV4 (OPAS, 2021).
Outro agravo de extrema importância para saúde pública é a infecção pelo vírus HIV, uma epidemia dinâmica e instável, que depende de determinantes individuais e coletivos (Brito, 2001). Estima-se que em 2019 haviam 38 milhões de pessoas convivendo com o vírus, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
O vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) é um vírus de RNA de cadeia simples, envolto por uma camada proteica e um envelope de bicamada fosfolipídica, que pertence ao gênero Lentivirus, e à família Retroviridae (Ministério da Saúde, 2018).
Ele se diferencia em dois tipos: HIV-1 e HIV-2, possuindo 50% de semelhança em seus genes (Ministério da Saúde, 2018). O HIV-1 pode ser subdividido em quatro grupos M, N, O e P, sendo o M responsável pela maioria das infecções, e N, O e P que são raros e normalmente encontrados em países em desenvolvimento. Também é considerado o tipo mais virulento e prevalente no Brasil. Já o HIV-2 é endêmico na África Ocidental (Lazzarotto, 2010; Ministério da Saúde, 2018).
O HIV infecta as células T, que modulam a resposta imunológica. Elas se dividem em duas classes, com diferenciação por proteínas de superfície celular, CD4 e CD8 (Murphy, 2014).
De acordo com Mendes e colaboradores (2006), as relações do HIV com outras doenças endêmicas foram descritas por vários autores, mas a avaliação da coinfecção HIV-DENV ainda é pouco estudada.
Assim, o objetivo desse estudo foi avaliar dados clínicos e epidemiológicos de pacientes portadores do vírus HIV e infectados com o DENV.
MATERIAIS E MÉTÓDOS
Trata-se de um estudo retrospectivo transversal de coleta de dados de pacientes portadores do vírus HIV, que foram infectados com DENV no período de 2009 a 2016, pertencentes ao Grupo de Vigilância Epidemiológica 29 (GVE29) de São José do Rio Preto, com aprovação pelo CEPIAL, CAEE: 81761318.0.0000.0059.
Os dados das planilhas obtidas do banco SIGH (Sistema de Informação e Gestão Hospitalar) do Instituto Adolfo Lutz (IAL) referente aos pacientes portadores de HIV e que faziam acompanhamento do exame de carga viral e contagem de linfócitos TCD4+, foram cruzados com o banco obtido do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN, referente aos casos de dengue no período avaliado. Foram incluídos no trabalho todos os pacientes cujos dados como nome, data de nascimento, nome da mãe e número de CPF eram coincidentes em ambas as planilhas consultadas.
Os resultados de carga viral e contagem dos linfócitos TCD4+ foram obtidos por consulta no SISCEL (Sistema de Controle de Exames Laboratoriais da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos CD4+/CD8+ e Carga Viral). Foram avaliados os resultados mais próximos (anterior e posterior) a data de infecção pelo vírus da dengue.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após análises dos dados, foi obtido um total de 116 pacientes portadores do vírus HIV e que foram infectados pelo DENV, sendo que 59 (50,86%) eram do sexo feminino e 57 (49,14%) masculino, com média de idade de 41 anos.
Com relação a raça, a maioria 85 (73,27%) se autodeclarou branca, seguida pela parda 18 (15,52%) e preta 8 (6,90%) e 5 (4,31%) não informaram. Os sintomas mais citados foram dor nas costas, cefaleia e vômito, que são considerados clássicos de dengue.
Conforme a Figura 1, a análise de carga viral indicou que em 56% dos casos, não houve alteração após a dengue, sendo que todos apresentavam carga viral não detectável. Em 21% houve diminuição da carga viral, em 17% houve aumento e em 6% não havia resultado de exame, o que pode ser devido a abandono de tratamento/acompanhamento ou óbito.
Com relação à contagem de linfócitos TCD4+, 54 (47%) pacientes apresentaram aumento dos níveis após a infecção com o vírus da dengue, e 51 (44%) tiveram seus níveis diminuídos. O histórico de 4 (3%) pacientes não constava resultados de contagem de TCD4+ nem antes ou depois da dengue, possivelmente pelos exames de carga viral e TCD4+ serem solicitados de forma independente e outros 7 (6%) pacientes, não apresentavam histórico de resultados (Figura 2).
As coinfecções em pacientes portadores do HIV são importantes temas de estudos. Os resultados aqui apresentados indicam que grande parte dos pacientes não apresentaram alterações em relação a carga viral e células TCD4, dados semelhantes a Watt e colaboradores (2003), os quais sugerem que a infecção por DENV em pacientes com HIV pode estar associada à redução da carga viral, devido a supressão da replicação do HIV.
Foi observado em alguns pacientes, um pequeno aumento nas células TCD4+, o que pode indicar uma melhor condição imunológica, corroborando com estudos de Delgado-Enciso (2016), Espinoza-Gómes (2017) e Zogbi (2017), os quais demonstram que não há gravidade nos casos de dengue em pacientes portadores do vírus HIV.
Nesse estudo, não foi possível determinar o uso de TARV nos pacientes acompanhados pela infecção do HIV, bem como outros fatores diversos que podem interferir direta ou indiretamente no prognóstico e evolução da dengue, devido à essas informações não constarem nos bancos de dados consultados. No entanto, a infecção por DENV em pessoas que vivem com HIV sob TARV estável tem sido associada a taxas mais baixas de gravidade, de fato, os sintomas mencionados pela maioria dos pacientes analisados, foram aqueles considerados clássicos, caracterizando a forma mais branda da doença, que pode estar ligada a níveis mais baixos de citocinas pró inflamatórias, a ativação intensa de células TCD4+ e CD8, bem como, a supressão do vírus do HIV pela replicação do DENV (Torrentes –Carvalho, 2016; Hottz, 2019).
Dessa forma, a análise geral dos dados obtidos, sugerem que a infecção pelo vírus da dengue, parece não interferir de maneira importante nos indivíduos portadores do HIV e a relação inversa também foi verdadeira, uma vez que, todos os pacientes coinfectados apresentaram a forma branda da doença.
CONCLUSÃO
Os sintomas ocasionados pela infecção por DENV parecem não apresentar gravidade em pacientes portadores do HIV e a infecção pelo HIV parece não sofrer alterações severas quando ocorre a coinfecção pelo DENV. Apesar dos resultados observados, são necessários estudos mais aprofundados para avaliar a interação entre os dois vírus.
REFERÊNCIAS
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Éricka Stéphanny Brandão Bueno1; Gabriela Sumico Afonço Hanamoto1; Natalia de Moura Fagundes1, Lourdes Aparecida Zampieri D’Andrea2
1Estudante do Curso de Especialização Vigilância Laboratorial em Saúde Pública do Centro de Laboratório Regional – Instituto Adolfo Lutz de Presidente Prudente – CRPP – Email: [email protected]
2Docente/pesquisador Centro de Laboratório Regional–Instituto Adolfo Lutz de Presidente Prudente – CRPP
Resumo: Leishmaniose visceral (LV) é uma zoonose de distribuição mundial e fatal se não tratada precocemente. Objetivo foi avaliar as ações de vigilância e controle da LV em áreas prioritárias do município de Presidente Prudente/SP. Dados foram fornecidos pelo CCZ, vigilância epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde e Centro de Laboratório Regional Instituto Adolfo Lutz de Presidente Prudente (CRPP). Foram testados 48.365 animais, sendo 16.864 em 2018, 17.402 em 2019, 6.179 em 2020 e 7.920 janeiro a outubro de 2021, com positividade crescente para LVC (Leishmaniose visceral canina) de 1,9%, 2,2% e 3,8%, respectivamente e discreta redução em 2021 (2,9%). O padrão de distribuição espacial da LVC no município foi irregular no território e foi trabalhado ações de vigilância e controle da LV em seis áreas críticas em 2020: Maré Mansa–Imperial, São Sebastião–Residencial Jardins, Vila Formosa, Cedral– Monte Alto, Cláudia Glória–Santa Helena e São Matheus, com positividade média para LVC de 1,67%, valor inferior ao encontrado em 2020 (3,8%) no município. Provavelmente isso ocorreu por baixa circulação do parasita e de intensas ações realizadas em anos anteriores nessas áreas. Além disso, a positividade encontrada no bairro Monte Carlo em 2020 (3,9%) foi similar ao terceiro inquérito de 2018 (4,1%), ao do bairro Cedral–Monte Alto (3%) e a média da área urbana do ano de 2020 (3,8%). Ressalta-se, nesse sentido, que o bairro Monte Carlo é um fragmento do território representativo da situação epidemiológica da doença. Assim o projeto zeladoria foi uma importante ferramenta no combate a LV, sendo necessário dar continuidade nas ações de vigilância em saúde focadas em áreas prioritárias (críticas).
Palavras-chave: Distribuição espacial, leishmaniose visceral, Presidente Prudente/SP, vigilância e controle.
INTRODUÇÃO
A leishmaniose visceral (LV) ou calazar é uma antropozoonose de distribuição mundial e pode ser fatal quando não tratada precocemente. Nas Américas, a doença é causada pelo protozoário Leishmania infantum (sinonímia Leishmania infantum chagasi), sendo este um parasita intracelular obrigatório (ABRANTES et al., 2018; BRASIL, 2021). A transmissão ocorre principalmente através da picada do flebotomíneo Lutzomya longipalpis, por ser o vetor mais comum (SALES et al., 2017). Em ambiente urbano, o principal reservatório é o cão doméstico, tanto no Brasil como em outros países das Américas (ZUBEN; DONALISIO, 2016), ao passo que em ambiente silvestre, os reservatórios são raposas (Dusicyon vetulus e Cerdocyon thous) e marsupiais (Didelphis albiventris) (BRASIL, 2021).
Além disso, a LV tem sido disseminada rapidamente em todo o país, com destaque para a região oeste do Estado de São Paulo, onde a cidade de Presidente Prudente apresentou os primeiros relatos de casos da doença em cães (LVC) em 2010 (D’ ANDREA et al, 2015; ABRANTES et al., 2018). Assim, o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) da Secretaria Municipal de Saúde tem se empenhado em controlar os casos da doença na população canina do município (D’ANDREA et al, 2015; PRESTE-CARNEIRO et al, 2019).
Em 2018, foram avaliadas as ações de vigilância e controle da LV no bairro Monte Carlo em Presidente Prudente/SP, considerada área prioritária, a qual serviu como projeto piloto (FAGUNDES, 2020). Desta forma, a mesma metodologia foi aplicada nos anos de 2019 e 2020 em outras áreas semelhantes ou de risco para LV em região urbana da cidade.
É notória a importância da avaliação dos resultados obtidos com estas ações, bem como constituir pesquisas passíveis de serem aplicadas em outros municípios. Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar as ações de vigilância e controle da leishmaniose visceral em áreas prioritárias do município de Presidente Prudente/SP.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado de janeiro de 2018 a outubro de 2021, em região urbana de Presidente Prudente, localizada no extremo oeste do Estado de São Paulo, com população humana estimada de 207.725 habitantes e canina de 51.931 (IBGE, 2015; ALVES et al., 2005). A área pertence ao Departamento Regional de Saúde – DRS XI, com abrangência do Centro de Laboratório Regional Instituto Adolfo Lutz de Presidente Prudente (CRPP).
Os dados foram obtidos do Sistema de Informação e Gestão Hospitalar (SIGH), CRPP; boletins informativos com resultado do teste confirmatório ELISA de LVC de animais triados com teste rápido (TR-DPP®) no CCZ; e de relatórios online enviados mensalmente. Os dados obtidos de cada ano pesquisado foram analisados com o auxílio do software Excel 2016, onde foram confeccionadas planilhas, nas quais os cães com LV confirmada foram contabilizados e separados por quadras da área urbana.
Foram utilizados o mapeamento temático e a estatística descritiva com o software SIG ArcGIS, desenvolvido pela ESRI, para a identificação dos padrões de distribuição espacial. Desta forma, foi possível realizar agrupamentos dos casos, construir uma base de dados e elaborar mapas para a área urbana da região analisada, tendo como base a classificação de cães com teste rápido (TR DPP® LVC) e ELISA LVC reagentes, por quadra, no período de janeiro de 2018 a dezembro de 2020.
Além do exposto, foram analisados os resultados de inquéritos sorológicos de seis áreas prioritárias dentro do município de Presidente Prudente durante no ano de 2020: 1. Maré Mansa – Imperial, 2. São Sebastião–Residencial Jardins, 3. Vila Formosa, 4. Cláudia Glória–Santa Helena, 5. São Matheus e 6. Monte Carlo.
Em relação aos aspectos éticos, os dados fazem parte de resultados parciais obtidos com o protocolo “Identificação de áreas prioritárias para as ações de vigilância e controle da leishmaniose visceral no município de Presidente Prudente/SP/Brasil”, avaliado e aprovado pelo Comitê Técnico Científico do Instituto Adolfo Lutz – CTC-IAL 32-L/2019, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IAL – CEPIAL, CAAE: 22168919.1.0000.0059, parecer Nº. 3.665.220.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram testados 48.365 animais, sendo 16.864 em 2018, 17.402 em 2019, 6.179 em 2020 e 7.920 janeiro a outubro de 2021 no município de Presidente Prudente. No mesmo período, foram notificados cinco casos de LV humana (LVH) no município, sendo um em 2018, três em 2020 e um em 2021, não tendo sido registrados casos em 2019.
A Tabela 01 mostra a distribuição dos resultados de inquérito sorológico para LVC no município, no período de janeiro de 2018 a outubro de 2021, onde é possível observar que a positividade na triagem sorológica de LVC nos anos de 2020 (7,5%) e 2021 (6,6%) registrou aumento em relação aos anos de 2018 (4,3%) e 2019 (3,1%), uma vez que, nesse período, o volume de testes realizados foi maior devido a demanda espontânea de animais sintomáticos; bloqueio de casos de LVH e LVC; e a realização de inquéritos em áreas prioritárias.
Em relação aos testes confirmatórios de LVC, ainda na tabela 01, observa-se aumento crescente da positividade nos anos 2018 (320-1,9%), 2019 (378-2,2 %) e 2020 (235-3,8%), no entanto no ano de 2021 (233- 2,9%) houve uma discreta redução. A positividade alta da LVC nos anos de 2020 e 2021 foi, provavelmente, em função da redução das atividades de inquérito, devido a intensificação de atendimento a demanda de animais sintomáticos e realização de bloqueio nos casos de LVH em 2020.
Esses resultados demonstram que houve dispersão do parasita no território, provavelmente pelo grande número de cães na região, além do reduzido quadro de recursos humanos do CCZ e da vigilância epidemiológica municipal. Tal cenário tornou impossível a atuação efetiva para o bloqueio da difusão da doença, tendo em vista que resultados inferiores foram encontrados por Matsumoto (2014) nos anos de 2010 a 2013 no município de Presidente Prudente onde os casos de LVC foram respectivamente: 14, 40, 30 e 19.
Outro aspecto importante observado no presente estudo foi o resultado obtido no bairro Monte Carlo, representado na tabela 2. Trata-se da continuidade de um estudo desenvolvido a partir de ações de vigilância e controle, nos anos de 2018 e 2020, onde foram realizados três inquéritos sorológicos, impulsionados pela identificação de grande número de cães com LVC em anos anteriores, além de um ambiente propício para a presença do vetor (FAGUNDES, 2020).
Como resultado, é possível observar o grande número de casos positivos de LVC (3,9%) no bairro Monte Carlo, no ano de 2020 em relação a 2018. Esse fato se deu provavelmente em decorrência da baixa circulação do parasita em função do recolhimento dos animais com LVC e das ações adotadas nos três inquéritos realizados do ano de 2018 (FAGUNDES, 2020). Dentre o total de animais analisados no inquérito com TR DPP® que foram realizados pelo município em 2020 (Tabela 01), cerca de 3,8% (231) pertenciam a cães do Residencial Monte Carlo. Outro dado importante observado foi que a positividade média de cães com LVC de 2020 (3,8%) foi similar a positividade encontrada no bairro Monte Carlo (3,9%). Isso sugere que o bairro estudado como prioritário é um fragmento do território do município representante da situação epidemiológica da doença.
Além do exposto, foi realizado o levantamento de cães com sorologia confirmada para LVC e a distribuição espacial representativa do quantitativo de animais no município, segundo a quadra da área urbana de Presidente Prudente/SP, no período de 2018 a 2020 (Figura 02). Sem dúvida, esta é uma ferramenta com grande importância na gestão e amplamente utilizada, uma vez que contribuem para tomada de decisão sobre determinada situação no território.
Neste ponto do trabalho, foi observada variação no padrão da distribuição espacial de cães com LVC de um ano para o outro, evidenciada na figura 02, uma vez que em 2020 houve menor número de animais testados (6.179) em relação a 2018 (16.864) e 2019 (17.402). Isso se deu em função da redução do número de kits recebidos e utilizados pelo município (Tabela 01); medidas restritivas impostas pela pandemia de covid-19; e sobrecarga dos serviços de saúde em 2020. Porém, houve uma positividade crescente de 1,9%, 2,2% e 3,8%, respectivamente.
Além disso, a ferramenta de distribuição espacial de cães com LVC dos anos de 2018 e 2019 propiciou a escolha de outras áreas críticas do município de Presidente Prudente, nas quais foram executadas mais intensamente as ações de vigilância e controle, bem como a realização de inquérito sorológico em 2020. Desta forma, os resultados obtidos nos inquéritos sorológicos, nas seis áreas identificadas como críticas do município de Presidente Prudente, estão descritos na Tabela 03, juntamente com a positividade no TR DPP®, ELISA para LVC, porcentagens de animais eutanasiados, tratamento e óbito.
Outro dado significativo observado nas áreas prioritárias estudadas em 2020, as quais apresentaram altos valores de positividade nos inquéritos realizados nos anos anteriores, foi a média da positividade dos resultados de ELISA de 1,67% (30), em relação a positividade de casos confirmados no território municipal 3,8% (235) no mesmo ano. É possível notar que a área do bairro Cedral-Monte Alto apresenta uma positividade 3% (14), similar ao valor encontrado na cidade de Presidente Prudente/SP no ano de 2020. Esses bairros foram elencados como áreas críticas do município segundo critérios de positividade de cães com LVC em inquéritos anteriores, além de possuírem fatores propícios ao desenvolvimento do vetor como fundo de vale, áreas de preservação permanente, acúmulo de matéria orgânica e baixo nível socioeconômico.
Assim, em 2021 foi desenvolvido o projeto zeladoria com o objetivo de manter a cidade de Presidente Prudente limpa e organizada, concentrando os serviços de limpeza e manutenção em 11 setores da cidade. Essa ação foi uma importante ferramenta que auxiliou no combate a LV em tempos de pandemia, embora seja necessária a continuidade das atividades de vigilância em saúde focadas em áreas prioritárias do município.
CONCLUSÃO
Foi identificado grande número de cães com sorologia reagente no TR DPP® para LVC com positividade crescente de 2018 a 2020 e discreta redução em 2021 e que houve diminuição do quantitativo de animais analisados no município de Presidente Prudente nos anos 2020 e 2021. Adicionalmente, percebe-se que a pandemia de covid-19 impactou nas atividades de vigilância em saúde da LV no município, embora estudos sejam necessários para confirma essa informação.
Por outro lado, o padrão de distribuição espacial da LVC no território de Presidente Prudente foi irregular. Destaca-se neste sentido a positividade encontrada para LVC no inquérito realizado no bairro Monte Carlo em 2020 (3,9%), a qual foi similar ao terceiro do ano de 2018 (4,1%), ao da área crítica do bairro Cedral–Monte Alto (3%) e a média da área urbana do ano de 2020 (3,8%).
É importante destacar que o Bairro Monte Carlo é um fragmento do território representativo da situação epidemiológica da doença no município e que a média de positividade de cães com LVC encontrada nas seis áreas prioritárias do município de Presidente Prudente em 2020 foi menor que a encontrada na média do município no mesmo ano, resultado das atividades de vigilância e controle realizada em anos anteriores. Este trabalho conclui também que o desenvolvimento do projeto de zeladoria no ano de 2021 foi uma importante ferramenta utilizada no combate a LV no município, embora seja necessária a continuidade das atividades de vigilância em saúde focadas em áreas prioritárias.
REFERÊNCIAS
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