Capítulo de Livro IV Mostra
Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-16
Este trabalho foi escrito por:
Tiffany Matias Gonçalves1, Andrea Gobetti Coelho Bombonatte2.
1Estudante do Curso de Especialização em Vigilância Epidemiológica em Saúde Pública – IAL; [email protected]
2Docente/Pesquisador do Depto de Tuberculose e Micobacterioses – CLR Santos – IAL.
Resumo: Devido à sua alta morbimortalidade, a meningite representa um importante problema de saúde pública. É considerada endêmica no Brasil, com alta taxa de notificação em países em desenvolvimento, diretamente relacionada a fatores socioeconômicos, condições básicas de saúde instáveis e concentração populacional. A ocorrência de surtos episódicos está associada principalmente às populações mais pobres devido à grande concentração de pessoas no mesmo espaço/tempo, habitações mal ventiladas e grande número de pessoas por dormitório. O presente estudo propôs identificar o perfil epidemiológico de meningite entre os anos de 2017 e 2021 nas três principais regiões metropolitanas da macro metrópole paulista – Baixada Santista, Campinas e São Paulo analisando as variáveis etiologia, sexo, faixa etária e grau de escolaridade. Trata-se de um estudo transversal descritivo retrospectivo baseado na análise de bancos de dados obtidos a partir do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN), disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS). Dados demonstram que a meningite asséptica foi a etiologia com maior predominância, apresentando 66,20% (n=8.386) dos casos notificados, o sexo masculino foi o mais afetado com 56,58% (n=7.168), sendo a faixa etária de 1-4 anos com 22,81% (n=2.890) a mais acometida. Em relação ao grau de escolaridade, a doença atingiu mais a população com ensino médio completo com quase 35% nas três regiões analisadas. O perfil epidemiológico demonstrou-se semelhante sem diferenças expressivas entre si nas três regiões estudadas. É importante que a notificação compulsória seja realizada corretamente, para que não haja subnotificação dos casos de meningite, contribuindo para que a vigilância epidemiológica tenha subsídios necessários para tomada de decisão, aprimorar o manejo clínico do paciente, bem como ações de educação em saúde voltadas para a prevenção, além de melhorar a qualidade de vida da população e reduzir a mortalidade e morbidade.
Palavras-chave: MENINGITE, DOENÇA MENINGOCÓCICA, PERFIL EPIDEMIOLÓGICO, METROPOLES PAULISTAS.
INTRODUÇÃO
A meningite é uma doença cuja patogênese inclui um processo inflamatório das meninges (aracnoide, pia-máter e dura-máter) e líquido cefalorraquidiano (LCR) afetando o sistema nervoso central (SNC), podendo ser causado por processo infeccioso ou não infeccioso (ZUETER; ZAITER, 2015; DAZZI; ZATTI; BALDISSERA, 2014; TUNKEL; SCHELD, 1993).
Devido ao seu caráter endêmico e alta incidência em crianças, a meningite é considerada uma doença de grande importância pública. De acordo com o Catálogo Nacional de Notificações Compulsórias do Ministério da Saúde, a Portaria nº 204 de 2016, a doença está na lista dos agravos de notificação compulsória, que deve ser declarada por meio do SINAN (LIMA, 2017).
Embora a meningite causada por outras bactérias (MB) tenha se mantido como a principal causa de morte nos últimos anos, dados do DataSUS mostram que a meningite asséptics é a mais prevalente no Brasil, afetando principalmente homens, adultos de 20 a 39 anos e crianças de 1 a 4 anos, com níveis de escolaridade apresentando ensino fundamental completo e incompleto (MACEDO JUNIOR; NICOLETTI; SANTOS, 2021).
Fatores como zona de residência, acesso à educação e índices socioeconômicos podem influenciar no agente etiológico da doença devido a condições como a falta de acesso a itens básicos de higiene e saneamento básico (SILVA et al., 2020).
A intrincada epidemiologia da meningite é ilustrada pelas diferenças na incidência entre faixas etárias, sexos e condições socioeconômicas. Esse quadro epidemiológico complexo demonstra a tendência dos patógenos ambientais em interferir no desenvolvimento da patogênese. Dessa forma, compreender a distribuição, os subtipos e as características dos acometidos pode ajudar a esclarecer algumas dúvidas sobre epidemiologia, etiologia ambiental, eficácia da implementação de políticas públicas e outros fatores relacionados à vigilância em saúde.
Diante da relevância de se conhecer a incidência das meningites e o perfil epidemiológico do agravo em determinadas regiões do Brasil, a fim de entender o comportamento da doença em grandes aglomerados populacionais, o presente estudo buscou identificar o comportamento da patologia entre os anos de 2017 e 2021 em três em três regiões metropolitanas da macrometrópole paulista.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa de caráter transversal descritivo retrospectivo baseado na análise do banco de dados da plataforma do DataSUS, tendo como critério de inclusão os casos positivos da doença entre os anos de 2017 e 2021 nas regiões escolhidas.
Os casos foram selecionados nas informações de saúde epidemiológicas e morbidade, dentro do grupo de Doenças e Agravos de Notificação no período de 2017 a 2021 (SINAN). Dado este passo, foi escolhida a opção Meningite e como abrangência geográfica o estado de São Paulo e a região de saúde de notificação – Região metropolitana da Baixada Santista, Campinas e São Paulo – sendo analisada as seguintes variáveis: análise de frequência da etiologia da doença, frequência por sexo das pessoas acometidas, frequência pela categoria de faixa etária e grau de escolaridade das pessoas infectadas. A base de dados utiliza a seguinte classificação das etiologias: Meningite Meningocócica (MM); Meningococcemia (MMCC); Meningite meningocócica + meningococcemia (MM+MMCC); Meningite Tuberculosa (MTBC); Meningite causada por outras bactérias (MB); Meningite não especificada (MNE); Meningite Asséptica (MV); Meningite de outra etiologia (MOE); Meningite causada pela presença de Hemófilo (MH); Meningite causada por Pneumococos (MP) (SÃO PAULO, 2001).
Os dados obtidos a partir do aplicativo TABNET foram tabulados em planilhas do Microsoft 365 Excel ® para posterior uso na confecção dos gráficos e análises estatísticas através do software GraphPad. Por se tratar de dados secundários de um banco de domínio público, não foi necessário submeter o trabalho ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP). A análise estatística foi realizada pela análise de variância Two-way ANOVA com o pós-teste de Bonferroni, considerando-se significativo os valores de p com um asterisco (*) para p ajustados entre 0,01 e 0,05 e dois asteriscos (**) para p ajustados entre 0,01 e 0,001. A análise estatística e os gráficos foram obtidos pelo software GraphPad Prism® versão 5.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir das três regiões metropolitanas escolhidas para o estudo, houve 12.668 casos positivos para meningite, no período de 2017 a 2021, sendo 509 notificados na região da Baixada Santista, 1.683 na região de Campinas e 10.476 notificados na região de São Paulo. Destes, 66,20% (8.386/12.668) corresponde a MV, 12,09% (1.532/12.668) a MB e 5,82% (737/12.668) a MNE.
Na Figura 1, observa-se que nas três regiões analisadas as etiologias com maior incidência são respectivamente, MV com 40,08% (204/509) na Baixada Santista, 50,68% (853/1.683) na região de Campinas e 69,96% (7.329/10.476) na região de São Paulo, MB com 24,95% (127/509) na Baixada, 21,09% (355/1.683) em Campinas e 10,02% (1.050/10.476) em São Paulo e MNE com 11,79% (60/509) na Baixada, 11,11% (187/1.683) na região de Campinas e 4,68% (490/10.476) na região de São Paulo, apresentando diferença significativa em relação aos demais tipos de meningite. Não houve diferença significativa entre os mesmos tipos de meningite em relação as regiões analisadas.
A pesquisa mostrou que os homens são os mais acometidos pela meningite do que as mulheres. Dentre uma população de 12.668 casos positivos da doença nas três regiões metropolitanas analisadas, 56,58% (7.168/12.668) correspondem ao sexo masculino, 43,4% (5.498/12.668), ao sexo feminino e 0,02% (2/12.668) foram ignorados.
No entanto, quando se compara a frequência dos casos confirmados por sexo nas três regiões analisadas, não foi observado diferença significativa entre as regiões, em que o sexo masculino na Baixada Santista apresentou 55,21% (281/509), e o feminino 44,6% (227/509); na região de Campinas o sexo masculino correspondeu a 59,24% (997/1.683) e o feminino, 40,76% (686/1.683); e na região de São Paulo o sexo masculino correspondeu a 56,22% (5.890/10.476), e o sexo feminino a 43,78% (4.586/10.476) (Figura 2).
Segundo a OMS, os homens são mais propensos a desenvolver qualquer tipo de problema de saúde, pois estão em constante atividade física em contato com o mundo exterior, o que aumenta o risco de infeção por enteroviroses. Vários fatores contribuem para o desenvolvimento de meningite na população masculina, desde a hesitação dos homens em procurar ajuda médica, a demora na procura de cuidados primários de saúde, até a falta de adesão ao tratamento para comorbidades crônicas, podendo tornar os sintomas da meningite mais graves e levar até a um quadro de óbito (SILVA GOMES et al., 2019).
Ao analisar a variável faixa etária, observa-se que na frequência de casos analisados nas três regiões as populações na faixa etária entre 1-4 anos, menor que 1 ano e 20-39 anos foram as mais acometidas pela meningite, respectivamente, com 22,81% (2.890/12.668), 17,80% (2.255/12.668) e 16,97% (2.150/12.668). Seguida das faixas etárias 40-59 anos (12,89%, 1.633/12.668) e 5-9 anos (12,01%, 1.521/12.668).
Quando se compara os casos positivos de meningite considerando-se a faixa etária em relação as três regiões metropolitanas estudadas, observa-se que a predominante foi de 1-4 anos, onde a Baixada Santista apresentou um percentual de 16,50% (84/509), Campinas 19,25% (324/1.683) e a região de São Paulo 23,69% (2482/10.476). Entretanto, não foi possível verificar diferença significativa entre as mesmas faixas etárias nas diferentes regiões, porém verifica-se significante variabilidade entre as diferentes faixas etárias (Figura 3).
É comum que crianças e adolescentes sejam o grupo com a maior tendência de desenvolvimento de um quadro de meningite, porque o sistema imunológico ainda é imaturo, resultando em uma resposta imune ineficaz. A gravidade da meningite também está diretamente relacionada com a faixa etária do paciente, preparo do seu sistema imunológico, agente etiológico responsável pela meningite, comorbidades, diagnóstico e tratamento precoce da doença, como por exemplo recém-nascidos e lactentes, que têm maior incidência de mortalidade, uma vez que seu sistema imunológico não tem capacitância de montar uma resposta efetiva contra microrganismos invasores (ZANIN et al., 2020).
Na Tabela 1 observam-se os casos de meningite segundo o grau de escolaridade da população, sendo que os grupos com ensino médio completo, da 5ª a 8ª série incompleta e 1ª a 4ª série incompleta foram os mais acometidos, nas três regiões analisadas. Sendo 9,63% (49/509) na Baixada Santista, 5,41% (91/1.683) na região de Campinas e 3,69% (387/10.476) na região de São Paulo em relação a população que apresenta ensino médio completo. Vale evidenciar que nas três regiões houve alto índice de casos que foram ignorados ou não registrados apresentando 36,35% (185/509) na Baixada, 34,64% (583/1.683) na região de Campinas e 35,61% (3730/10.476) na região de São Paulo. Vale ressaltar que as informações registradas são de suma importância e estão sendo subnotificadas, como mostra os dados referentes ao grau de escolaridade e evidencia a necessidade de manter uma abordagem preventiva do sistema público de saúde para se ter subsídios para tomada de decisão. Não foram verificadas diferenças significativas entre os casos positivos segundo grau de escolaridade entre as três regiões analisadas, evidenciando que apesar de apresentarem diferenças significativas em concentração populacional, apresentam perfil epidemiológico segundo grau de escolaridade semelhante.
Segundo Barata et al. (2020), o nível de escolaridade não está significativamente relacionado com a incidência de meningite, corroborando com os dados apresentados nesta pesquisa. Como podemos verificar na Tabela 1, indivíduos analfabetos não tiveram altos índices de desenvolvimento da patogenia, representando menores valores quando comparado a outros graus de escolaridade.
É possível observar que, apesar de diferenças significativas quanto a índice populacional e área demográfica das regiões metropolitanas do estudo, o perfil epidemiológico das meningites analisados a partir das variáveis etiologia, sexo, faixa etária e grau de escolaridade demonstrou-se semelhante sem diferenças expressivas entre si nas três regiões.
No entanto, verifica-se que quando comparadas ao perfil epidemiológico do Brasil nos anos de 2018 e 2019 descrito por Junior et al. (2021), houve uma desconformidade quanto a faixa etária mais acometida, visto que no Brasil houve maior frequência de casos positivos confirmados entre os 20 e 39 anos, enquanto nas três regiões a faixa mais afetada foi a de 1 a 4 anos, podendo demonstrar possíveis baixos índices de vacinação infantil nas regiões.
CONCLUSÃO
Pelos resultados obtidos, a meningite continua sendo uma doença de notificação compulsória de grande importância para a saúde pública no Brasil. O perfil epidemiológico demonstrou-se semelhante sem diferenças expressivas entre si nas três regiões estudadas, embora seja dependente de múltiplos fatores, desenvolvendo-se por meio de patogênese associada a alta variabilidade de patógenos envolvidos no processo sendo de etiologia infecciosa ou não.
Apesar das limitações encontradas pelo uso de dados secundários, o estudo destaca que a frequência de meningite apresenta altos números para etiologias como a meningite asséptica e a meningite bacteriana. A meningite não é uma doença fácil de erradicar devido à sua alta transmissão aérea e é prejudicada por fatores como o acesso precário ao saneamento básico e aos insumos básicos de higiene. No entanto, vemos que a vacinação é eficaz para a prevenção a longo prazo, destacando a importância de políticas públicas quanto a prevenção da doença, bem como também da agilização dos processos diagnósticos quando em casos suspeitos afim de diminuir suas altas taxas de morbimortalidades.
O estudo ainda evidenciou que recorrentemente informações de suma importância estão sendo subnotificadas, como mostra os dados referentes ao grau de escolaridade. Este ponto evidencia a necessidade de manter uma abordagem preventiva no sistema público de saúde, o que requer serviços de vigilância epidemiológica mais organizados e ativos, a fim de monitorar adequadamente o comportamento da doença e determinar os impactos na saúde da população e as respostas às intervenções.
Sugerem-se, para as regiões, estudos que possam inferir nos casos da doença como o índice de vulnerabilidade social para que se entenda como o status socioeconômico pode impactar no desenvolvimento da patogenia, a fim de que se possa pensar em políticas públicas de melhoria de qualidade de vida da população e ações de educação em saúde para lidar com a prevenção podendo trazer a redução da letalidade e morbidade da meningite.
REFERÊNCIAS
ZUETER, A. M.; ZAITER, A. Infectious meningitis. Clinical Microbiology Newsletter, v37, n. 6, p. 43-50, 2015.
DAZZI, M. C.; ZATTI, C. A.; BALDISSERA, R. Perfil dos casos de meningites ocorridas no Brasil de 2009 à 2012. Revista Uningá Review, 19(3):33-36, 2014.
TUNKEL, A. R.; SCHELD W. M. Pathogenesis and pathophysiology of bacterial meningitis. Clin Microbiol Ver. 1993; 6(2):118-36.
LIMA, R. A. A. ocorrência da meningite após o advento da vacinação como política pública de saúde. [dissertação]. Vitória: Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória; 2017.
MACEDO JUNIOR, A. M.; NICOLETTI, G. P.; SANTOS, E. C. G. “Meningite: breve análise sobre o perfil epidemiológico no Brasil-Br, nos anos de 2018 e 2019”. International Journal of Development Research, 11, (01), 43751-43756, 2021.
SILVA, A. C. B.; CONCEIÇÃO RODRIGUES, E. L.; TRINDADE, E. L. Avaliação dos casos de meningite por definição do agente etiológico no estado do Pará entre os anos de 2010 a 2019. Brazilian Journal of Health Review, 3(4), 7729-7736, 2020.
SÃO PAULO. Centro de Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac”. Meningites: manual de instrução, critérios de confirmação e classificação de casos. São Paulo: CVE, 2001.
SILVA, L. G.; SILVA, B. V. P.; SILVA, P. S. A.; JUNIOR, F. T. D. S. S.; SAMPAIO, L.
S.; MATOS, L. F. L.; VERDE, R. M. C. L. Aspectos epidemiológicos das meningites virais no estado do Piauí no período de 2007 a 2017. Revista de Ciências Médicas e Biológicas. 2019; 11(10), e433-e433.
ZANIN, E. B.; CZAPLA, B. L.; FUKUYAMA, A. C. W.; ORTINÃ, T. T. C.; SILVA LIMA, U. T. Perfil epidemiológico das meningites em pacientes pediátricos na cidade de cascavel/PR em 10 anos. Revista Thêmaet Scientia, 10(1E), 120-130, 2020.
BARATA, R. S.; VIEIRA, C. M.; OLIVEIRA, R. A. C.; GUEDES, J. A.; GONÇALVES, N. V. A meningite criptocócica: análise espacial, epidemiologia e fatores de risco no estado do Pará, Amazônia oriental brasileira. Hygeia-Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, 16, 74-83, 2020.
Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-15
Este trabalho foi escrito por:
Mariana Assis de Moraes1; Fernanda Fernandes Farias2
1Estudante do Curso de especialização Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – IAL; e- mail: [email protected]
2Docente e orientador/pesquisador científico do Núcleo de Ensaios Físicos e Químicos em Cosméticos e Saneantes. Centro de Medicamentos, Cosméticos e Saneantes. Instituto Adolfo Lutz. e-mail: [email protected]
Resumo: Detergentes são produtos saneantes destinados à limpeza de superfícies ou tecidos, alguns deles possuem enzimas melhorando a eficácia sobre matéria orgânica. Em suas formulações possuem pelo menos uma enzima proteolítica, podendo ser acrescida de outra enzima, por exemplo, a amilase. A maior parte dos detergentes enzimáticos exige diluição, que se não respeitada, ou caso a solução não seja utilizada dentro do prazo, a eficácia do detergente pode ser afetada. Este trabalho teve como objetivo estudar a estabilidade da atividade enzimática proteolítica e amilolítica de detergentes enzimáticos, diluídos conforme indicação do fabricante. O método analítico para determinação enzimática foi conduzido conforme preconiza a RDC n° 703/2022, que dispõe sobre detergentes enzimáticos de uso hospitalar. A atividade proteolítica das amostras se demonstrou estável durante as primeiras 4 (quatro) horas após a diluição do produto. Após 24 horas, um dos produtos apresentou diminuição expressiva da atividade proteolítica, enquanto para o outro, o decréscimo mais acentuado ocorreu em 72 horas. Quanto à atividade amilolítica, houve aumento em 4 (quatro) horas após diluição e após 24 horas a mesma cessou, em ambos os produtos. Essa variação pode comprometer a eficácia do detergente e aponta a importância da informação que consta no rótulo, pode também comprometer o resultado de testes analíticos dependendo do tempo entre a diluição da amostra e a execução do ensaio.
Palavras–chave: Detergentes enzimáticos, Ensaios Enzimáticos, Estabilidade Enzimática
INTRODUÇÃO
A Legislação Brasileira define como produto saneante a substância ou preparação destinada a superfícies inanimadas, tecidos e ambientes com finalidade de limpeza, desinfecção, desinfestação, desinfecção de água e alimentos para o consumo humano (ANVISA, 2012). A vigilância de saneantes tem grande importância para conter riscos causados por saneantes, principalmente para os profissionais de saúde, que estão em frequente exposição a esses produtos pela limpeza e desinfecção constante de superfícies, materiais e equipamentos (SANTOS et al., 2011). Detergentes são destinados à limpeza de superfícies e tecidos (BRASIL, 2022). Os detergentes que possuem enzimas em sua formulação podem ser considerados mais eficientes sobre a matéria orgânica que os detergentes comuns (LOPES, 2009).
A Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n° 703 de 2022 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) dispõe sobre os detergentes enzimáticos de uso restrito em estabelecimentos de assistência à saúde com indicação para limpeza de dispositivos médicos. Produto que possui em sua formulação um tensoativo e pelo menos uma enzima proteolítica, podendo ser acrescida uma enzima amilolítica, e outros componentes de sua formulação, e tem como objetivo remover a sujidade clínica e evitar a formação de compostos nas superfícies de dispositivos (BRASIL, 2022).
Dispositivos médicos podem se transformar em reservatórios ou fontes de microrganismos, em decorrência de práticas inadequadas de limpeza, e assim causar infecção hospitalar em pacientes expostos (CENTURIÓN, 2017).
A maior parte dos detergentes enzimáticos exige preparo de diluição para sua aplicação. Caso não seja preparado corretamente, ou não seja respeitada a validade da solução preparada, a eficácia do detergente enzimático pode ser impactada.
Este trabalho teve como objetivo avaliar a estabilidade de detergentes enzimáticos de uso hospitalar, através da determinação do período em que se apresenta a atividade proteolítica e amilolítica após reação enzimática.
MATERIAL E MÉTODOS
O método de análise seguiu os ensaios analíticos descritos pela RDC n° 703 de 2022. Para a atividade proteolítica foram utilizados os reagentes: solução tampão tris-HCl 0,05 M, azocaseína 2% (m/v) e ácido tricloroacético (TCA) 20% (m/v). E os equipamentos: banho termostático Solab Científica®, centrifuga para microtubos Quimis® e espectrofotômetro UV/VIS Genesy S Thermo Scientific®.
Para a atividade amilolítica foram utilizados os reagentes: DNS (3,5- dinitrosalicílico), solução tampão citrato, solução de amido 1% (m/v) e solução de glicose 1% (m/v). E os equipamentos: banho termostático Solab Científica®, vórtex Fisherbrand® e espectrofotômetro UV/VIS Genesy S Thermo Scientific®.
Os produtos analisadas fazem parte do Programa de Monitoramento Analítico Pós- Mercado de Saneantes de Uso Hospitalar, programa proposto pela ANVISA, do qual o Instituto Adolfo Lutz participa por meio do Núcleo de Ensaios Físicos e Químicos em Cosméticos e Saneantes, a fim de monitorar a qualidade de saneantes hospitalares, incluindo detergentes enzimáticos. A diluição dos dois produtos se deu conforme as instruções no rótulo gerando duas amostras distintas (amostra 1 e amostra 2).
O ensaio de atividade proteolítica foi realizado em quadruplicata, com um branco para cada replicata. Para a amostra, em microtubos foram adicionados 200 µL de tampão
tris-HCl 0,05 M e 100 µL de azocaseína 2% (m/v). Para preparar o branco, foram adicionados 800 µL de TCA 20% (m/v) junto ao tampão e azocaseína. Os tubos foram incubados em banho termostático a 40 ± 1°C por 2 minutos. Foram adicionados 100 µL de amostra em cada um dos microtubos, incubando-os por mais 15 minutos, a mesma temperatura. Passados 15 minutos, foram adicionados 800 µL de TCA nos microtubos da amostra. Em seguida, foram centrifugados a 6000 rpm por 5 minutos. Os sobrenadantes foram recolhidos em cubetas e procedeu-se à análise em espectrofotômetro (l=400 nm). Para zerar o equipamento foi utilizado tampão tris-HCl 0,05 M. As amostras foram analisadas imediatamente no tempo 0 (zero) e em tempos de 15 minutos após a primeira leitura, 30 min, 1 (uma) hora, 2 (duas) horas, 3 (três) horas e 4 (quatro) horas. Foi realizado um segundo ensaio para leitura de 24 horas após tempo 0 (zero). A amostra 2 foi analisada nos mesmos intervalos de tempo que a amostra 1, mas foi realizado um segundo ensaio para outra leitura em 4 (quatro) horas, e um terceiro ensaio para leitura em 72 horas.
Para o ensaio da atividade amilolítica foram realizados três ensaios para cada amostra. Foi confeccionada uma curva analítica para cada dia de ensaio. Os dados de preparo das soluções de calibração são apresentados na Tabela 1.
Os tubos da curva analítica foram fervidos em banho-maria por 5 minutos. Adicionou-se 1,5 mL de DNS e 15 mL de água ultrapura. Foram agitados em vórtex e analisados em espectrofotômetro (λ=550 nm).
Os ensaios da atividade amilolítica foram realizados em quadruplicata, realizando um branco de amostra para cada e mais um branco do equipamento. Para a amostra, foram adicionados em tubos 300 µL de tampão citrato mais 200 µL da solução de amido. Para os brancos da amostra foram adicionados 500 µL de tampão citrato em cada tubo. E para o tubo do branco do equipamento foram adicionados 400 µL de tampão e 200 µL da solução de amido. Os tubos foram levados a banho-termostático a 40° ± 1°C por 2 minutos. A seguir, foram adicionados 100 µL de amostra em cada um dos tubos, com exceção do tubo do branco do equipamento. As amostras ficaram no banho por mais 30 minutos. Foram adicionados 1,5 mL de DNS em todos os tubos, sendo levados para fervura por 5 minutos. Após resfriados à temperatura ambiente, foram adicionados 15 mL de água ultrapura em cada tubo e agitados em vórtex. Foram analisados em espectrofotômetro (l=550 nm). A leitura foi realizada nos tempos 0 (zero) e em tempos de 15 minutos após a primeira leitura, 30 min, 1 (uma) hora, 2 (duas) horas, 3 (três) horas e 4 (quatro) horas e 24 horas. As leituras foram feitas utilizando a mesma reação, com exceção da leitura de: 4 (quatro) horas, em que foram realizadas duas leituras, uma com a mesma reação das anteriores e outra após novo ensaio; e 24 horas, em que foi realizada após novo ensaio utilizando a mesma amostra preparada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A atividade proteolítica da amostra 1 se demonstrou estável durante as primeiras 4 (quatro) horas após reação enzimática. Após diluição a atividade proteolítica diminuiu consideravelmente em 24 horas, como indicado na Figura 1, considerando a média dos valores dos preparos.
A atividade proteolítica da amostra 2 teve comportamento parecido com a amostra 1. As leituras de 4 (quatro) horas após tempo 0 (zero) tiveram valores parecidos, mesmo com nova reação. Já a análise após 72 horas, apresentou decaimento na atividade proteolítica, como indicado na Figura 2, considerando a média dos resultados.
Proteases são suscetíveis à degradação, oxidação e desnaturação. Essas enzimas também podem catalisar a degradação de outros componentes da formulação dos detergentes (VALLS et al., 2011). Além da formulação, o pH e a temperatura também podem interferir na atividade proteolítica. De acordo com um estudo feito por Lopes (2012), foi verificado que detergentes enzimáticos com baixas atividades proteolíticas não apresentaram eficiência na limpeza.
A atividade amilolítica da amostra 1 e 2 tiveram comportamento parecido. Durante as primeiras 4 (quatro) horas após reação enzimática, a atividade amilolítica aparentou estar estável com pequeno aumento no valor. Entretanto, quando realizada a segunda reação, 4 (quatro) horas após a leitura no tempo 0, o valor da atividade amilolítica aumentou consideravelmente. A leitura de 24 horas foi realizada utilizando a mesma amostra diluída para o primeiro e segundo ensaio, e obteve-se resultado negativo, o que é considerado zero. A Figura 3 apresenta a atividade amilolítica das amostras pelo tempo de leituras, considerando a média dos resultados.
A elevação da atividade enzimática para leitura de 4 (quatro) horas pode ser explicada pelas variáveis intrínsecas do método, mas o mais provável é o fato de ter sido feita nova reação. Após 24 horas de uma solução previamente diluída não se encontra mais atividade enzimática.
A atividade proteolítica das amostras se demonstrou estável durante as primeiras 4 (quatro) horas após a diluição do produto. Após 24 horas e 72 horas houve diminuição da atividade proteolítica. Quanto à atividade amilolítica, houve aumento em 4 (quatro) horas após diluição e após 24 horas as amostras não apresentavam mais atividade amilolítica.
CONCLUSÕES
A variação da atividade enzimática pode comprometer a eficácia do produto, consequentemente a capacidade de limpeza de dispositivos médicos. Para os produtos testados, a atividade proteolítica se demonstrou estável durante as primeiras 4 (quatro) horas após a diluição do produto. Após 24 horas (amostra 1) e 72 horas (amostra 2) houve diminuição da atividade proteolítica. Quanto à atividade amilolítica, houve aumento em 4 (quatro) horas após diluição e após 24 horas não havia mais atividade amilolítica para ambos os produtos.
Estes resultados contribuem para demonstrar a relevância do cuidado na utilização e preparo destes detergentes enzimáticos, e de conter a informação de uso imediato após diluição, como consta na legislação vigente.
REFERÊNCIAS
- ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Orientações para os consumidores de saneantes. (2012).
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Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-14
Este trabalho foi escrito por:
Gabriel Negri de Sá Shiraichi1; Milena Polotto de Santi2; Denise Haddad Xavier3; Fernanda Modesto Tolentino Binhardi2
1Estudante do Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – CLR X – IAL – São José do Rio Preto; E-mail: [email protected]
2Pesquisadora do Núcleo de Ciências Biomédicas – CLR X – IAL – São José do Rio Preto
3Agente Técnica de Assistência à Saúde – Biologista – CLR X – IAL – São José do Rio Preto
RESUMO
Introdução: As arboviroses e leptospirose estão amplamente distribuídas nas regiões tropicais sendo consideradas doenças negligenciadas de extrema importância em saúde pública. Estes agravos apresentam sintomatologia e sazonalidade semelhantes, o que dificulta seu diagnóstico, diferenciação e tratamento. Objetivo: investigar a presença dos arbovírus dengue, zika e chikungunya em amostras suspeitas para dengue e leptospirose recebidas no Instituto Adolfo Lutz de São José do Rio Preto no período de abril a setembro de 2022. Material e métodos: foram analisadas 100 amostras de pacientes residentes na região de São José do Rio Preto, sendo 81 suspeitas para sorologia de dengue e 19 suspeitas para sorologia de leptospirose. Investigou-se a presença dos arbovírus CHIKV, DENV e ZIKV por qPCR. Resultados: O sorotipo 1 de dengue foi detectado em 2 amostras (2%), sendo duas crianças do sexo masculino. Do total de amostras, 53% eram do gênero masculino e 47% feminino. Quanto à idade, 13% menores de doze anos, 38% de doze a trinta anos, 37% de trinta a sessenta anos e 12% maiores de sessenta anos. Adicionalmente, 77 das 81 amostras negativas para dengue foram testadas para leptospirose pela técnica de ELISA e duas amostras apresentaram resultados positivos para IgM. Conclusão: O percentual de positividade encontrada para os arbovírus foi baixo, possivelmente pelo período do estudo. Apenas o DENV-1 foi detectado. Houve detecção de IgM para leptospirose em duas amostras com suspeita e negativas para dengue. No entanto, testes adicionais para confirmação deste resultado serão necessários.
Palavras-chave: Arboviroses, Dengue, Leptospirose.
INTRODUÇÃO
As epidemias causadas por arbovírus na última década demonstraram que estes continuam apresentando-se como uma ameaça à saúde humana e animal em escala global. As arboviroses apresentam ampla distribuição geográfica, abrangendo todos os continentes, predominando nos trópicos, onde os surtos dessas doenças tendem a ser mais comuns por apresentarem condições climáticas mais favoráveis aos ciclos de transmissão.1
O Brasil é responsável pela maioria das notificações anuais de dengue no mundo, e vem enfrentando diversos surtos relacionados a outras arboviroses, como chikungunya, zika e febre amarela.2
Outro agravo de importância em Saúde Pública é a leptospirose, uma zoonose de expressiva importância na América do Sul, principalmente no Brasil, devido ao clima tropical úmido. É uma doença negligenciada em muitos países, sendo na maioria das vezes subnotificada devido à sua semelhança sintomatológica com outras doenças, principalmente em países com crescimento urbano exacerbado e descontrolado, em que a situação socioeconômica e sanitária do país é precária.3
O diagnóstico clínico das arboviroses pode ser confundindo com outras patologias como a leptospirose devido à sintomatologia semelhante, por isso, é importante e pertinente que esta vigilância de arbovírus seja realizada não somente nas amostras negativas para dengue, mas também em amostras de casos suspeitos de leptospirose, uma importante zoonose de notificação compulsória, cujo diagnóstico também é realizado pelo Instituto Adolfo Lutz de São José do Rio Preto. Assim, o objetivo do estudo foi investigar a presença dos arbovírus vírus do dengue (DENV), vírus zika (ZIKV) e vírus chikungunya (CHIKV) em amostras suspeitas para dengue e leptospirose recebidas no Instituto Adolfo Lutz de São José do Rio Preto no período de abril a setembro de 2022.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram analisadas 81 amostras de soro de pacientes com suspeita de dengue nos meses de agosto e setembro e 19 amostras com suspeita de leptospirose nos meses de abril a setembro de 2022. As amostras estão armazenadas no Instituto Adolfo Lutz de São José do Rio Preto (SP) e são provenientes de pacientes oriundos de cidades pertencentes à região do Departamento Regional de Saúde-XV (DRS-XV). O kit comercial de ELISA utilizado na rotina foi o Panbio Leptospira IgM ELISA da marca Abbott para triagem de leptospirose. A extração do RNA foi realizada com o Qiamp Viral RNA Kit (QIAGEN Inc.,USA), de acordo com as recomendações do fabricante. Para a detecção do RNA do ZIKV foram utilizados primers e protocolo de Lanciotti e colaboradores (2008) e para a detecção do CHIKV o protocolo de Lanciotti e colaboradores (2007). Em ambas as reações foi adicionado um controle interno da qualidade, RNAse P humana como controle endógeno, conforme protocolo estabelecido pelo CDC (WHO/CDC, 2009). Para a detecção do RNA dos quatro sorotipos de DENV foram utilizados primers e protocolo do multiplex qPCR segundo Lanciotti e colaboradores (2005). Foi adicionado um controle interno da qualidade, RNAse P humana como controle endógeno, conforme protocolo estabelecido pelo CDC (WHO/CDC, 2009). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto Adolfo Lutz (CAAE: 89374718.0.0000.0059).
RESULTADOS
Das 100 amostras de soro analisadas, duas foram positivas para DENV sorotipo-1 (DENV-1), ambas do gênero masculino e com idade inferior a doze anos. Do total de amostras, 53% eram do gênero masculino e 47% feminino. Quanto à idade, 13% menores de doze anos com predomínio do gênero masculino, 38% de doze a trinta anos, 37% de trinta a sessenta anos e 12% maiores de sessenta anos com predomínio do gênero feminino (Figura 1). Entre doze e 60 anos não houve diferença significativa entre os gêneros.
As amostras analisadas foram provenientes dos seguintes municípios: São José do Rio Preto (77%), Jales (12%), Catanduva (3%) e Votuporanga (8%). Em sua maioria, as amostras foram coletas com até três dias do início dos sintomas, no entanto, 18% dessas amostras foram coletadas com mais de quatro dias de sintomas. Também foram realizados testes de IgM ELISA para leptospirose em 77 das 81 amostras negativas para dengue. Destas, duas amostras apresentaram resultado positivo para IgM de leptospirose.
DISCUSSÃO
Por conta do clima tropical úmido do Brasil somado ao crescimento urbano exacerbado e falta de infraestrutura, o vetor das arboviroses dengue, zika e chikungunya, a fêmea do mosquito Aedes aegypti, cresce e se estabelece em qualquer ambiente propício para sua proliferação, tornando-se o fator principal a ser combatido para efetivar o controle dessas enfermidades. Epidemiologicamente, essas são as arboviroses predominantes no país e atualmente o seu crescimento é proveniente da negligência na atual pandemia de SarsCoV-
2 com a grande possibilidade de subnotificação por questões de semelhança em sintomatologia, tendo uma queda nas notificações no período onde normalmente é visto um aumento nos casos.2,4
No presente estudo foram investigadas a presença de DENV, ZIKV e CHIKV em 100 amostras, sendo 81 de pacientes com sorologia negativa para dengue e 19 com sorologia negativa para leptospirose, por meio de ensaios de biologia molecular. O DENV-1 foi detectado em duas amostras, sendo dois meninos de 6 e 12 anos. As crianças acabam se tornando mais suscetíveis a serem infectadas devido sua rotina de vivência com outras crianças em espaços abertos, como parques e na própria escola, onde acabam por não tomar as medidas profiláticas regularmente, como o uso do repelente.5
Em São José do Rio Preto essas arboviroses são endêmicas, sendo a dengue considerada hiperendêmica na cidade,6 com circulação dos 4 sorotipos já detectados.2 Em nosso estudo apenas o DENV-1 foi encontrado. Este achado está em consonância que as demais regiões do Estado, nas quais o DENV-1 também foi predominante.2,7
Devido às análises das amostras negativas para dengue terem sido realizadas com amostras dos meses de agosto e setembro é compreensível que a taxa de positividade seja baixa, levando em consideração que a sazonalidade da doença se inicia normalmente no mês de janeiro e vai até junho, e na região de São José do Rio Preto costuma aumentar o nível de pluviosidade nos meses de setembro e outubro, seguindo o padrão desde 2014 com esse aumento nos respectivos meses, conforme disponibilizado pela SeMAE de São José do Rio Preto.8,9
Outro importante agravo investigado neste estudo foi a leptospirose, uma doença com alta incidência, em média 13.000 notificações anuais com 3.500 confirmações e alta taxa de letalidade.10 A leptospirose apresenta sintomatologia semelhante às arbovirose, tanto pela sintomatologia quanto pela sazonalidade. Há ainda diversos relatos de coinfecção dengue e leptospirose, o que dificulta o diagnóstico e o tratamento correto dos pacientes.11,12,13,14,15
Em nosso estudo, das 77 amostras negativas para dengue testadas para leptospirose, duas apresentaram resultado positivo para IgM. No entanto, apesar da importância deste achado, cabe ressaltar que testes adicionais para confirmação deste resultado serão necessários.
CONCLUSÃO
Pode se concluir que a positividade encontrada para os arbovírus foi baixa, possivelmente pelo período do estudo. Apenas o DENV-1 foi detectado. Houve detecção de IgM para leptospirose em duas amostras com suspeita e negativas para dengue. No entanto, testes adicionais para confirmação deste resultado serão necessários.
Considerando os dados apresentados pelas Secretarias Municipal e Estadual de Saúde somados aos resultados encontrados neste trabalho é inegável a necessidade de conscientizar a população sobre estes agravos e os cuidados contra o vetor Aedes aegypti, considerando que os agravos estudados são endêmicos na região.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela oportunidade de realizar este trabalho e por todo o conhecimento adquirido durante minha estadia no IAL São José do Rio Preto, agradeço aos meus pais, família e amigos pelo apoio incondicional e às minhas colegas de laboratório por todo o conhecimento e ajuda providos que foram essenciais para a realização desta conquista, à minha orientadora Fernanda por toda ajuda e paciência durante o processo como um todo, meus sinceros agradecimentos a todos e ao Instituto Adolfo Lutz pela oportunidade. Muito obrigado.
REFERÊNCIAS
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2COLOMBO TE, VEDOVELLO D, PACCA-MAZARO CC, MONDINI A, ARAUJO JR JP, CABRERA E, LOPES JC, DOS SANTOS INP, REIS AFN, COSTA FR, CRUZ LEAA, FERREIRA JR J, ROCHA ESO, KROON EG, BRONZONI RVM, VASILAKIS N, NOGUEIRA ML. Dengue virus surveillance: Detection of DENV-4 in the city of São José do Rio Preto, SP, Brazil. Acta Tropica. v. 164, p. 84-89, 2016.
3OLIVEIRA, EH de.; HOLANDA, CE.; ANDRADE, SM de.; COSTA, RPC.; TAMINATO, RL.; SANTOS, DA Leptospirose no Brasil: uma abordagem da saúde pública. Investigação, Sociedade e Desenvolvimento. v. 11, n. 6, p. e19411627111, 2022.
4MASCARENHAS MDM, . Ocorrência simultânea de COVID-19 e dengue: o que os dados revelam?. Cadernos de Saúde Pública. v. 36, n. 6, 2020.
5MARTINS MM, PRATA-BARBOSA A, DA CUNHA AJLA. Arboviral diseases in pediatrics, Jornal de Pediatria, v. 96, n. 1, p. 2-11, 2020.
6SANTI MP, TOLENTINO-BINHARDI FM, AGÜERO LM, PAGNOCA EVRG, BINHARDI MFB, FLORES MNP, SOARES MMCN. Detecção de arboviroses em gestantes na região noroeste do Estado de São Paulo. Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR. v. 25, n. 1, p. 37-42, jan./abr. 2021.
7BRASIL. CVE Centro de Vigilância Epidemiológica. Disponível em <https://www.saude.sp.gov.br/resources/cve-centro-de-vigilancia-epidemiologica/areas-de- vigilancia/doencas-de-transmissao-por-vetores-e- zoonoses/dados/dengue/2022/dengue22_import_autoc_mes.htm>. Acesso em: 24 de nov. de 2022.
8MORAES BC, SOUZA EB, SODRÉ GRC, FERREIRA DBDS, RIBEIRO JBM. Sazonalidade nas notificações de dengue das capitais da Amazônia e os impactos do El Niño/La Niña]. Cad Saude Publica. v. 35, n. 9, e00123417, 2019.
9SEMAE. Índice Pluviométrico. Disponível em <https://semae.riopreto.sp.gov.br/indice- pluviometrico-semae.aspx>. Acesso em: 24 de nov. de 2022.
10VICENTE JCS, LEITE MCB, DA SILVA MO, VICENTE JDS, JUNIOR JBO, MELO SMM, DINIZ ATN. Caracterização clínica-epidemiológica dos casos confirmados de leptospirose em um hospital de emergência. Revista Arquivos Científicos (IMMES), Macapá, AP. v. 5, n. 1, p. 97-107, 2022.
11GONÇALVES APP, MELO AC, DOS SANTOS IC, FAZOLI KGZ, TREVISANI AC, CAMILO FF, KAMIGOUCHI T, GONÇALVES DD. Aspectos epidemiológicos da dengue e leptospirose em um município de região fronteiriça do Brasil. Braz. J. of Develop., Curitiba. v. 6, n. 7, p. 43085-43097, 2020.
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15RODRÍGUEZ NMP, GALLOWAY R, BLAU DM, TRAXLER R, BHATNAGAR J, ZAKI SR, RIVERA A, TORRES JV, NOYD D, SANTIAGO-ALBIZU XE, GARCÍA BR, TOMASHEK KM, BOWER WA, SHARP TM. Case series of fatal Leptospira spp./dengue virus co-infections-Puerto Rico, 2010-2012. Am J Trop Med Hyg. v. 91, n. 4, p. 760-5, 2014.
Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-13
Este trabalho foi escrito por:
Karoline Bitencourt Pereira1; Tatiana Caldas Pereira2
1Estudante do Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública-IAL; E-mail: [email protected]
2Docente do Curso de Especialização Vigilância Laboratorial em Saúde Pública
Resumo: A hemodiálise é uma terapia renal substitutiva que visa filtrar o sangue através de uma membrana semipermeável e assim reter os metabólitos indesejáveis, tal terapia necessita de grandes volumes de água que devem estar de acordo com a legislação vigente. No estado de São Paulo há o monitoramento de caráter fiscal para garantia de que os serviços de hemodiálise sigam as regulamentações. O objetivo do trabalho foi apresentar a evolução da hemodiálise e verificar o impacto da legislação que dispõe a respeito das normas ao serviço prestado de hemodiálise, juntamente com o programa de monitoramento da água de hemodiálise no Estado de São Paulo, e conferir a importância deste programa ao longo dos anos.Esta revisão da literatura abrange artigos científicos, livros, boletins e sites disponíveis em bancos de dados virtuais BVS e Google Scholar. A legislação colabora para que o tratamento de hemodiálise seja seguro para o paciente, porém ainda há pontos que devem ser avaliados e futuramente incluídos visando à saúde de pacientes debilitados que necessitam deste tratamento. O programa tem sido eficiente para elucidar a progressão das melhorias dos serviços de diálise conferindo mais confiança aos pacientes, nota-se a importância para garantir o apoio às tomadas de decisões e minimizar os riscos pertinentes associados à hemodiálise e assim garantir segurança aos pacientes que utilizam este recurso.
Palavras–chave: hemodiálise, histórico, legislações, programa de monitoramento
INTRODUÇÃO
Lesões renais são progressivas e irreversíveis, e sem o devido tratamento podem ocasionar doença renal crônica e levar a falência dos rins. Atualmente, terapias substitutivas vêm sendo utilizadas de acordo com o estágio da lesão renal, são elas transplante renal ou a equipe médica pode optar pela hemodiálise. (NASCIMENTO; MARQUES, 2005; VESTENA, et al., 2009).
A hemodiálise possui duas formas de ser realizada, uma delas é a hemodiálise convencional, em que o sangue extraído é conduzido ao dialisador através de uma bomba, em sequência são submetidos à solução de diálise que é composta por água e sais, os metabólitos presentes no sangue atravessam uma membrana semipermeável e ficam diluídos na solução de diálise, assim os metabólitos presentes no sangue são reduzidos e o sangue pode voltar a circular no paciente (ROMÃO et al., 2004; TINÔCO et al., 2017).
A segunda forma é a hemodiálise peritoneal, em que através de um cateter inserido no abdome do paciente, se adiciona à solução de diálise na cavidade abdominal, e assim como na diálise convencional a diferença de pressão faz com que os metabólitos saturados presente no sangue difundam a membrana natural que neste caso é o peritônio e encontrem o dialisato que pode ser drenado (PECOITS et al., 2014). É imprescindível seguir um controle de qualidade rigoroso a fim de minimizar riscos além das complicações já esperadas aos pacientes (MAGLIO et al., 2020). Desde 1999, o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) em parceria com o Instituto Adolfo Lutz realiza o Programa de Monitoramento nos Serviços de Diálise do Estado de São Paulo com o objetivo de monitorar a qualidade da água tratada para diálise dos Serviços de Hemodiálise do Estado de São Paulo. No programa, são coletadas amostras de água utilizadas na terapia de hemodiálise e realizadas análises microbiológicas e físico-químicas de acordo com os parâmetros da legislação específica vigente (BRASIL, 2022).
O aumento de pacientes portadores de DRC grave e a dificuldade para encontrar um rim disponível e compatível para realização de transplante, contribuem para uma maior indicação por parte da equipe médica para a realização da terapia de hemodiálise. Desta forma, o estudo da evolução da terapia de hemodiálise, das legislações e do Programa de Monitoramento nos Serviços de Diálise do Estado de São Paulo contribui para a criação de Políticas Públicas e para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes com DRC.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de uma revisão da literatura abrangendo artigos científicos, livros, boletins e sites disponíveis em bancos de dados virtuais BVS e Google Scholar. Foram utilizados os descritores: “hemodiálise”, “vigilância” e “legislação”. Deste modo os critérios de inclusão foram artigos que relatem marcos histórico da hemodiálise, bem como as legislações vigentes e que ressaltem a importância da gestão de qualidade nos serviços de diálise. Artigos não relacionados ao tema não foram incluídos para avaliação. Após seleção e análise dos artigos, os dados foram comparados de acordo com os objetivos sugeridos neste estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Portaria de nº 2.042 foi à primeira legislação que estabeleceu o regulamento técnico para o funcionamento dos serviços de hemodiálise e cadastro para junto ao SUS. Nesta legislação, os parâmetros microbiológicos e físico-químicos receberam maior atenção além de exigências específicas aos dialisadores (BRASIL, 1996).
Na Portaria nº 82 de 03 de janeiro de 2000, passou a ser permitido o tamponamento dos dialisadores também com acetato e sua descontaminação com menor frequência. O dialisador poderia ser utilizado até 12 vezes para o mesmo paciente ou até 20 vezes quando utilizada a máquina automática que teste a integridade das fibras. Foi incluída a quantificação de cloro residual livre com o limite máximo de 0,2 mg/L (BRASIL, 2000).
A RDC nº 154 de 15 de junho de 2004 exigia que o tamponamento dos dialisadores fosse somente por bicarbonato de sódio. Os metais berílio, tálio e antimônio foram inclusos aos parâmetros físico-químicos e também a unidade de medida da endotoxina foi alterada de 1µg/mL para 2 EU/mL (BRASIL, 2004).
A legislação vigente até o momento, RDC nº 11 de 13 de março de 2014, mudou a quantificação de cloro residual livre para fontes alternativas como água de poços, é permitido
detecção maior que 0,5 mg/L, mas para fonte de rede pública permanece 0,2 mg/L. Também houve alteração nos limites máximos permitidos de endotoxina que foi reduzido para 0,25 EU/mL e a quantificação máxima de bactérias heterotróficas permitida diminuiu para 100 UFC/mL (BRASIL, 2014).
Em 2007, 80% das amostras analisadas apresentaram valores insatisfatórios para os ensaios de bactérias heterotróficas, endotoxina bacteriana, sódio, potássio, magnésio, cálcio, cromo, arsênio, alumínio, fluoretos, nitratos e condutividade contribuindo para que o programa de monitoramento da água tratada para diálise permanecesse (BRASIL, 2004; MARCATTO et al., 2008).
Em 2008, 155 clínicas estavam cadastradas e somente 38,7% apresentaram resultados não conformes. No ano de 2009, 28,7% dos serviços de hemodiálise cadastrados apresentaram resultados não conformes (ALMODOVAR et al., 2018; BUZZO et al., 2010). Em 2010 somente 19% dos serviços de hemodiálise precisaram de recoleta. Em 2011, 83,3% dos serviços de diálise apresentaram resultados satisfatórios, no ano seguinte houve um pequeno decréscimo de 82,7% de resultados não conformes, porém em 2013, 87,4% apresentaram resultado em conformidade com a legislação vigente (ALMODOVAR et al., 2018).
Em 2014, as amostras foram descartadas por seis meses, pois os serviços de hemodiálise estavam em período de adequação da nova RDC nº 154 de 13 de março de 2014, e das amostras coletadas após alteração da legislação vigente, somente 9% das amostras apresentaram parâmetros não conformes, porém em 2015 e 2016 a quantia de amostras com parâmetros insatisfatórios aumentou para 17% e 21% respectivamente. Além da alteração da legislação, a crise hídrica que São Paulo sofreu nos anos de 2014 e 2015 também pode ter contribuído para uma diminuição da qualidade da água utilizada em serviços de saúde (ALMODOVAR et al., 2018; BUZZO et al., 2010; BRASIL, 2014)
A Resolução RDC nº 11 de 13 de março de 2014 também alterou o número de coletas de caráter fiscal, de duas coletas para quatro coletas quando o serviço de hemodiálise apresentasse resultado insatisfatório. Em 2015, 17% dos resultados estavam insatisfatórios na quarta recoleta (ALMODOVAR et al., 2018; HILINSKI, 2019).
CONCLUSÕES
Devido à tragédia ocorrida em 1996 em Caruaru – PE, em que diversos pacientes de hemodiálise vieram a óbito devido à infecção na água utilizada para hemodiálise, foi verificada a necessidade de uma legislação específica para regulamentar os serviços de hemodiálise. Ao longo dos anos a legislação passou por modificações e tornou-se cada vez mais rigorosa. Porém, sem o programa de monitoramento da água tratada para hemodiálise não haveria como conferir se os serviços de hemodiálise estão dentro dos padrões estabelecidos pela legislação vigente. Verifica-se que o programa é imprescindível para que haja um monitoramento eficaz e um acompanhamento direto do CVS para que os serviços de diálise mantenham os resultados satisfatórios contribuindo para o bem estar do paciente.
A legislação impõe que o tratamento de hemodiálise seja o mais seguro possível para o paciente, mas ainda há parâmetros que podem ser inclusos na legislação uma vez que pela Farmacopeia Brasileira restringe a presença de Pseudomonas aeruginosa em água ultrapura. Em água de diálise este parâmetro não está incluso e este microrganismo pode ser facilmente encontrado em sistema de tratamento de hemodiálise (Farmacopeia Brasileira, 2022; AQUILINO et al., 2010). Além disso, o Brasil possui proporção continental e cada região detém sua peculiaridade, deste modo deveria ser avaliado o risco pela contaminação de todos os metais pesados e não somente alguns.
O monitoramento da água tratada para hemodiálise possui importância e eficiência a fim de garantir apoio à tomada de decisões, minimizar riscos associados à hemodiálise, além de fiscalizar a qualidade do serviço prestado e assim garantir a segurança aos pacientes que utilizam este recurso.
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Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-12
Este trabalho foi escrito por:
Luiza Marit de Jesus1; Gabriela Bastos Cabral2
1 Estudante do Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública –IAL – Regional Santos; E-mail: [email protected]
2 Biomédica do Núcleo de Ciências Biomédicas – IAL – Regional Santos.
Resumo: Cerca de 10 a 20% dos infectados pela COVID-19 apresentam sintomas da COVID longa. Os sintomas são diversos, afetando múltiplos órgãos, como respiratório, cardiovascular, neurológico, renal, gastrointestinal e até dermatológico. Através de um estudo de revisão bibliográfica foi possível caracterizar as principais complicações pós- COVID-19 e sua fisiopatologia. A fadiga foi o sintoma mais comum relatado nos estudos, seguida por falta de ar, tosse e dores musculares. Complicações neurológicas e psiquiátricas também estão entre as manifestações extrapulmonares mais prevalentes da pós-COVID. Os fatores de risco para COVID longa são: sexo feminino, comorbidades pré-existentes, pessoas que não tomaram a vacina, casos graves de COVID-19 e pacientes mais idosos. Crianças que tiveram a síndrome podem apresentar uma condição rara chamada de Síndrome Inflamatória Multissistêmica em Crianças (MIS-C). Os casos de síndrome pós-COVID-19 estão aumentando constantemente no mundo todo. E uma melhor compreensão da COVID longa é essencial para identificar e avaliar medidas para prevenir e tratar esses sintomas de longo prazo.
Palavras–chave: COVID-19, infecção persistente, infecções por coronavírus.
INTRODUÇÃO
Em dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) foi alertada sobre diversos casos de pneumonia aguda na cidade de WuHan, na província de Hubei, na China. A doença foi identificada como uma nova cepa de coronavírus e foi nomeada como COVID- 19, uma infecção respiratória aguda grave, causada pelo vírus SARS-CoV-2 (OPAS, 2021). Esse vírus se disseminou mundialmente com rapidez devida sua alta transmissibilidade, obrigando a OMS a declarar o surto global de COVID-19 como uma pandemia, em março de 2020. Desde então, essa pandemia já foi responsável por mais de 600 milhões de casos confirmados de COVID-19, incluindo mais de 6 milhões de mortes ao redor do mundo (WHO, 2022).
A pandemia de COVID-19 ainda não está controlada, e o mundo tem que lidar com suas consequências. Há inúmeros casos de pacientes que contraíram a doença e tiveram persistência dos sintomas mesmo após sua recuperação, segundo relatos de literatura. Foi observado que a infecção passou a afetar múltiplos órgãos, descrevendo uma série de sintomas respiratórios, cardíacos, renais, neurológicos e psiquiátricos. (DESAI et al., 2022; MEHANDRU & MERAD, 2022).
Esses sintomas prolongados da doença, denominado como “COVID de longa duração”, “COVID longa” ou “Síndrome pós-COVID-19”, estão sendo cada vez mais
frequentes. À medida que a pandemia do COVID-19 progride, consequentemente o número de casos de pessoas com COVID longa aumentam da mesma forma, tornando-se assim uma nova preocupação para saúde pública mundial (BRIGHTLING & EVANS, 2022).
Este estudo reúne informações sobre a Síndrome pós-COVID-19, permitindo compreender melhor os mecanismos do vírus e as consequências causadas no corpo humano.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo de revisão bibliográfica, sobre a Síndrome pós-COVID-19. Para realização desta pesquisa, foi feita a busca de dados já publicados, utilizando como fonte as seguintes bases de dados de saúde: Google Acadêmico e National Center for Biotechnology Information (NCBI – PubMed). Foram utilizadas as palavras-chaves em português e inglês: COVID-19, COVID longa e síndrome pós-COVID-19. Após o levantamento do material foram selecionados artigos entre os anos de 2020 a 2022.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A OMS estimou que 10 a 20% dos pacientes com COVID-19 apresentaram sintomas prolongados por meses após a infecção. Não se sabe ainda os mecanismos exatos responsáveis pelas complicações pós-COVID, mas existem alguns meios fisiopatológicos do vírus que podem ser os responsáveis por essas condições em longo prazo. Após o vírus adentrar o copo humano e atingir o sistema imunológico, ocorre um processo chamado de “tempestade inflamatória”, no qual, ocorre a liberação de citocinas pró-inflamatórias como IL-1 (Interleucina 1) e TNF-α (Fator de Necrose Tumoral Alfa). Esse fenômeno possui um potencial para lesionar outros órgãos e tecidos, causando assim, infecções extrapulmonares (LÜSCHER, 2020; WHO, 2022).
Os casos de sintomas pós-COVID estão crescendo constantemente, de acordo com o estudo realizado por Sykes et al. (2021), dos 134 pacientes que atenderam os critérios de pesquisa, 86% relataram pelo menos um sintoma persistente após a infecção por COVID-19. Já em um estudo de Carfì et al. (2020), de um total de 143 pacientes, foram acompanhados sendo que 32% apresentaram um ou dois sintomas e 55% apresentaram três ou mais, após dois meses do início dos sintomas.
Apesar dos sintomas prolongados causados pela COVID-19 afetarem múltiplos órgãos, as manifestações mais frequentes são respiratórias, cardiovasculares e neurológicas. Os sintomas podem variar desde os mais comuns, como tosse, fadiga, dor de cabeça, perda de memória, dificuldade de concentração, distúrbios do sono, até os sintomas mais graves, como doenças tromboembólicas venosas, miocardite, insuficiência cardíaca aguda, além de ansiedade e depressão (AHMAD et al., 2021; MIRANDA et al., 2022; MEHANDRU & MERAD, 2022).
Muitas sequelas pulmonares de longo prazo foram relatadas após a infecção por COVID-19 (DESAI et al., 2022). Segundo Boutou et al. (2021), manifestações como dispneia, dependência de ventilador, dependência de oxigênio, anormalidades no teste de função pulmonar (PFT) e doença pulmonar fibrótica foram relatados após a doença. A dispneia é o sintoma pulmonar mais comum relatado após a infecção por COVID-19 leve ou grave, podendo persistir em 72,9% a 53% dos pacientes por aproximadamente dois meses após o início dos sintomas (GARRIGUES et al., 2020; HALPIN et al., 2021). Anormalidades radiográficas também foram observadas em um número de casos
significativos de pacientes que se recuperaram da COVID-19 (HUANG et al., 2021; VAN GASSEL et al., 2020; ZHAO et al., 2020).
Os sintomas cardíacos são uma queixa comum após a recuperação da COVID-19. Há evidência que a COVID longa causa lesões cardíacas, gerando complicações como, insuficiência cardíaca, miocardite, palpitações no peito, trombose e disfunção cardíaca. A miocardite e arritmia são as complicações cardiovasculares mais frequentes em pacientes que tiveram COVID-19 (SEYEDALINAGHI et al., 2020).
Através do estudo de Puntmann et al. (2020), o exame de ressonância magnética cardíaca (RMC) realizado em 100 pacientes recuperados da infecção de COVID, sendo que 67 (67%) se recuperaram em casa, enquanto 33 (33%) precisaram de hospitalização, resultou em um total de 78 (78%) pacientes com uma anormalidade nas imagens de RMC, sendo que as mais prevalentes foram a inflamação miocárdica detectada em 60 (60%) dos pacientes, independente de condições preexistentes e a gravidade da infecção.
As complicações neurológicas e psiquiátricas estão entre as manifestações extrapulmonares mais prevalentes da COVID, afetando mais de 30% dos pacientes (MAO et al., 2020). Entre as manifestações neuropsiquiátricas, cefaleia, distúrbio do sono, “nevoeiro cerebral”, ansiedade e depressão, foram observadas com maior frequência em pacientes que se recuperaram da doença (AHMAD et al., 2021; ASADI-POOYA et al., 2022; MIRANDA et al., 2022).
Para compreender melhor as consequências neurológicas do COVID-19, foi realizada uma ampla investigação, feita por Crunfli et al. (2022), trata-se de um estudo brasileiro da UNICAMP em parceria com a USP. Após analisar o exame de ressonância magnética de 81 indivíduos diagnosticados com infecção leve por COVID-19 e comparar com o exame de 81 voluntários saudáveis, foi possível observar uma redução na espessura cortical exclusivamente no hemisfério esquerdo, incluindo o giro reto esquerdo, giro temporal superior, giro sulco temporal e sulco colateral transverso posterior.
Além disso, o estudo foi composto por análise de tecido cerebral de pessoas que foram a óbito por COVID-19 e de material produzido com células-tronco, e com isso, foi possível identificar que as células alvo do SARS-CoV-2 são os astrócitos. Essas células são responsáveis pela sustentação dos neurônios, que após serem infectadas pelo vírus causam a disfunção neuronal ou até a morte do neurônio (CRUNFLI et al., 2022).
Um dos fatores importantes é o perfil de pacientes mais suscetíveis à síndrome pós- COVID-19. Alguns estudos mostram que pessoas com comorbidades tem tendência a desenvolverem os sintomas da síndrome pós-COVID-19 por um maior período de tempo, como é o caso do estudo de Miranda et al. (2022), onde demonstrou que pacientes com comorbidades como: hipertensão arterial crônica, diabetes, cardiopatia, câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença renal crônica e em fumante e/ou alcoólatra, teve a duração média maior dos sintomas do que em pacientes sem comorbidades.
Em relação à faixa etária, alguns estudos reforçam que pacientes com mais idade estão propícios a terem sintomas mais graves, levando a um período pós-COVID-19 mais longo (MIRANDA et al., 2022; SUDRE et al., 2021). Mas apesar dessa prevalência, qualquer pessoa pode desenvolver a COVID longa, como também já foi relatado em outros estudos.
Estudos demonstram que o acometimento da COVID longa é superior em mulheres em relação aos homens. De acordo com o estudo de Sykes et al. (2021), as mulheres eram significativamente mais propensas a relatar sintomas prolongados de ansiedade, fadiga, mialgia e distúrbio do sono. Em outro estudo, Halpin et al. (2021), também apresentou essa
predominância, 54,3% das mulheres tiveram queixas de fadiga, em comparação com 29,6% dos homens.
As evidências de COVID longa em crianças e adolescentes são limitadas, há poucos estudos sobre a frequência com que as crianças que contraem a COVID-19 desenvolvem a síndrome pós-COVID ou com que gravidade isso os afeta (RAO et al., 2022; ZIMMERMANN et al., 2021).
Em um estudo realizado pelo Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue, em inglês National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI) e pela Researching COVID-19 to Enhance Recovery (RECOVER), foi realizada uma análise nos registros de saúde entre os anos de 2020 e 2021, sendo observado que a COVID longa era incomum em pacientes com menos de 21 anos, e os sintomas da síndrome podem diferir dos sintomas em adultos (RAO et al., 2022).
Uma condição rara pode ser desenvolvida em crianças e adolescentes duas a seis semanas após a COVID-19, mesmo que não apresentem sintomas. A doença é chamada de síndrome inflamatória multissistêmica em crianças (MIS-C), essa condição é caracterizada por inflamação em vários órgãos do corpo incluindo coração, pulmões, rins, cérebro, pele, olhos ou órgãos do trato gastrointestinais. A causa do MIS-C ainda não é conhecida (ABDEL-HAQ et al., 2021; ALKAN et al., 2021).
CONCLUSÕES
Considerada uma doença que afeta múltiplos órgãos, a pandemia da COVI-19 e suas consequências estão longe de serem resolvidas. Portanto, é de suma importância estudos mais aprofundados para poder compreender a fisiopatologia da COVID longa e com isso criar novas estratégias para prevenir as complicações e ajudar no tratamento de pacientes com sintomas persistentes recorrentes a COVID-19.
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Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-11
Este trabalho foi escrito por:
Julia Gabriela dos Santos Pedro1; Amanda Vieira Lima1; Marcílio Figueiredo Leme2; Adriana Parise Compri2
1 Estudante do Curso de Vigilância Laboratorial em Saúde Pública do Laboratório de Hepatites do Instituto Adolfo Lutz Central; e-mail: [email protected]; e-mail: [email protected].
2 Pesquisador Científico do Laboratório de Hepatites do Instituto Adolfo Lutz Central; e- mail: [email protected]; e-mail: [email protected].
RESUMO
A hepatite B é um grande problema de saúde pública; e a quantificação de seu DNA é um excelente marcador da atividade do HBV, sendo utilizada para diagnóstico de fases crônicas. OBJETIVOS: avaliar o papel do laboratório de Hepatites do IAL Central na rotina de diagnóstico da hepatite B no período de janeiro a julho de 2022. MATERIAIS E MÉTODOS: foram incluídas neste estudo as amostras e suas requisições da rotina de Hepatite B do Laboratório de Hepatites do IAL Central e os dados gerados foram exportados do GAL para uma planilha criada no Excel e compilados a partir de análises estatísticas descritivas e cálculos por ferramentas disponíveis no programa. RESULTADOS E DISCUSSÃO: Do total de amostras recebidas, 203 amostras não foram processadas, onde 33% dos motivos para o não processamento foram relacionados diretamente à condição da amostra e 31% em decorrência do cadastro e critérios estabelecidos. Os principais resultados de exames com a finalidade de confirmação de diagnóstico foram não detectados e entre log 2,00 a 2,99, corroborando com resultados da literatura. Resultados de avaliação de indicação de tratamento obtiveram grande parte dos resultados entre log 2,00 a 2,99, com valores de carga viral próximos ao estabelecido para indicação de tratamento. Dentre os exames com a finalidade de monitoramento de tratamento, 57,1% possuíam carga viral não detectável e 48,8% abaixo do limite da quantificação demonstrando a efetividade do tratamento. CONCLUSÃO: De acordo com os dados encontrados, é evidente a importância do laboratório para o diagnóstico da hepatite B colaborando na vigilância, promoção e prevenção de saúde.
Palavras-chaves: Carga viral, Diagnóstico, Hepatite B, Rede de Diagnósticos.
INTRODUÇÃO
Globalmente, as hepatites virais são responsáveis por mais de 1,34 milhão de óbitos por ano, dos quais 66% são causados pelo vírus da hepatite B. Essas mortes decorrem de complicações de infecções crônicas como insuficiência hepática, cirrose e hepatocarcinoma (1,2,3). A epidemia da hepatite B levou a OMS a estabelecer como objetivo a eliminação das hepatites virais até 2030, com o Brasil sendo um dos países signatários devido à sua prevalência baixa a intermediária de portadores de HBsAg e à presença de áreas de alta
endemicidade, como a bacia amazônica e regiões do Sul e Sudeste. Entre 2000 e 2021, 264.640 casos de hepatite B foram diagnosticados no Brasil, com 34,2% concentrados na região Sudeste (4,5).
A quantificação do HBV-DNA no sangue é um excelente marcador da atividade do HBV podendo ser feita por uma vasta gama de técnicas moleculares como espectrofotometria, PCR em tempo real, PCR digital, métodos de amplificação isotérmica e biossensores (6).
O laboratório de Hepatites do IAL Central é o laboratório coordenador responsável pelos 18 laboratórios do Programa Estadual de Hepatites Virais que compõe a Rede de Diagnóstico Molecular de Hepatite B, atuando na vigilância epidemiológica das hepatites virais, realizando a confirmação de diagnóstico, avaliação da indicação de tratamento, monitoramento do tratamento, genotipagem e pesquisa de mutações resistentes aos antivirais, acompanhamento de carga viral na gestação e, atualmente, ajudando a elucidar casos de hepatite aguda de etiologia desconhecida.
Este artigo tem como objetivo avaliar o papel do laboratório de Hepatites do IAL Central na rotina de diagnóstico molecular da hepatite B nas regiões por ele atendidas no período de janeiro a julho de 2022 por meio da apresentação dos motivos de cancelamento dos exames solicitados e propor soluções para as não conformidades e análise das finalidades apresentadas nas solicitações de exame e correlacionando-as com os resultados obtidos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram incluídas neste estudo as amostras e suas requisições da rotina de Hepatite B do Laboratório de Hepatites do IAL Central. O levantamento de dados secundários como dados demográficos, epidemiológicos e resultados de exames foram exportados do Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL) para uma planilha criada Microsoft Excel 2010 e compilados a partir de análises estatísticas descritivas e calculados por ferramentas disponíveis no programa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O laboratório de Hepatites do IAL Central, coordenador e executor da Rede Estadual de Diagnóstico Molecular das Hepatites B e C, recebeu, através do sistema GAL, 1165 cadastros de pacientes para a realização do exame de identificação do vírus da hepatite B por PCR (quantitativo) em tempo real em amostras de sangue de pacientes provenientes das regiões de Osasco, Vale do Ribeira, Franco da Rocha e da cidade de São Paulo.
962 amostras foram processadas e encaminhadas para a liberação de resultado e 203 foram canceladas, sendo 33% dos cancelamentos relacionados diretamente à condição da amostra, 31% em decorrência do cadastro e critérios estabelecidos no protocolo do Ministério da Saúde e 35% não foram descritos (tabela 1).
Dentre os 33% de cancelamentos relacionados à amostra, 27,1% apresentaram resultado duvidoso (discordância entre resultado do exame e finalidade apresentada na requisição ou com resultados anteriores) e houve a necessidade de uma nova coleta para confirmação do resultado obtido, mas foram descritos como volume insuficiente para confirmação de resultado em decorrência do GAL não ter uma opção para informar o real motivo do cancelamento. O HBV é extremamente transmissível comparado ao HIV e o HCV, principalmente pelo tempo de viabilidade. Deve-se avaliar com muita precisão casos de contaminação de amostras e, portanto nestes casos, solicitar uma nova coleta (2). De modo geral, os outros cancelamentos relacionados à amostra foram em consequência de condutas
errôneas da unidade solicitante (tabela 1). Houve a liberação de 962 resultados com média de dias entre a data de recebimento e a data de liberação dos meses estudados de 7,4±5 dias, demonstrando assim que, mesmo com problemas evitáveis, o laboratório se manteve dentro do tempo estipulado de 15 dias para a liberação de resultados para ambos os kits utilizados(7).
A quantificação do DNA do HBV permite confirmar o diagnóstico, identificar portadores crônicos, avaliar a progressão da doença, resposta terapêutica e avaliar a possibilidade de interrupção do tratamento (4), portanto, o campo de preenchimento da finalidade do exame se demonstra extremamente importante para a realização e liberação de resultados. O campo foi preenchido em 825 requisições das quais, 21,9% dos pacientes (n=255) necessitavam do exame para avaliar a indicação do tratamento para hepatite B, 32,8% (n=382) para monitoramento do tratamento, 12,9% (n=150) para confirmação de diagnóstico. Em 17% (n=198) não houve informação devido a não realização do exame e em 12,2% (n=142) das solicitações o campo de finalidade não foi preenchido e, portanto, o exame foi realizado sem a finalidade descrita (tabela 2). O preenchimento da finalidade do exame não é obrigatório, mas auxilia na interpretação do exame quando finalizado, permitindo compreender casos de resultados discordantes ou duvidosos, principalmente em amostras com carga viral baixa.
Das 150 requisições que estavam com a finalidade descrita como confirmação de resultado, não foi detectada a presença do HBV em 59,3% (n=89) das amostras. Os resultados entre log 2,00 a 2,99 foram a maior porcentagem descrita, encontrados em 14,7% (n=22) das amostras de carga viral quantificável de pacientes, corroborando com resultados da literatura. Dentre as amostras positivas, 17,3% apresentaram carga viral maior que log 3,00, indicando que o HBV estava em uma replicação ativa. Como estes pacientes não estão em tratamento, espera-se encontrar uma replicação viral elevada confirmando a atividade da doença. Também é normal resultados com carga viral não detectável, demonstrando que o paciente não está com hepatite B ativa. Resultados com carga viral baixa são suspeitos, podendo ser em decorrência da integridade da amostra, contaminação cruzada ou troca de amostras (8) (tabela 3).
A avaliação de indicação de tratamento foi a segunda maior finalidade, apresentada em 21,9% (n=255) das solicitações. Destaca-se que 35,3% (n=90) dos resultados detectados estavam no intervalo de log 2,00 a 2,99 com média de resultados de log 2,55 (tabela 4) expressando replicação viral ativa, com valores de carga viral próximos ao estabelecido para indicação de tratamento (HBV-DNA >log 3,00), demonstrando a necessidade de análise de outras características clínicas para inclusão em terapia antiviral. Em 15,7% (n=40) a carga viral não foi detectada sugerindo o preenchimento incorreto do campo de finalidade do exame na requisição, visto que não é um resultado esperado para os pacientes em avaliação de indicação de tratamento ou diagnóstico errôneo de portador de hepatite B pela falta de replicação viral. Estas requisições sugerem a avaliação da progressão da doença, sendo esperados valores que expressam a replicação do vírus sem diminuição da carga viral. A indicação de tratamento deve ser fundamentada em características clínicas, carga viral, níveis de ALT, status do HBeAg e intensidade do dano hepático(4,9,10) (tabela 4).
A principal razão para as solicitações de quantificação da carga viral da Hepatite B por PCR foi o monitoramento de pacientes em tratamento, representando 32,8% (n=382) das requisições. Dentre estes, 57,1% (n=218) possuíam carga viral não detectável e grande parte dos pacientes, 48,8% (n=80), possuíam resultados abaixo do limite da quantificação. Segundo a Sociedade Brasileira de Infectologia (11), o tratamento para HBV com o objetivo de cura clínica almeja baixos níveis de HBV-DNA para o controle de replicação viral e a normalização de aminotransferases. Portanto, estas requisições sugerem que o paciente tenha feito uso de medicamento e apresente níveis baixos ou não detectáveis de HBV-DNA sérico. A carga viral alta presente em 4,8% das amostras sugere a ausência de tratamento contra o HBV ou possível troca de amostras, podendo ter acontecido na unidade solicitante ou no próprio laboratório executor, sendo necessária a confirmação com uma nova amostra (8,11) (tabela 5).
CONCLUSÃO
Os dados levantados e interpretados evidenciam a importância do Laboratório de Hepatites do Instituto Adolfo Lutz Central para o diagnóstico molecular de hepatite B colaborando na vigilância, promoção e prevenção de saúde. As solicitações de exames canceladas demonstram a necessidade de uma maior atenção e comunicação pela unidade solicitante, com treinamentos e reciclagem dos funcionários que realizam o preenchimento das requisições, coleta e envio de amostras. Novos campos para informações relevantes sobre o histórico do paciente auxiliariam o laboratório na compreensão e assertividade quanto ao resultado obtido no exame solicitado.
REFERÊNCIAS
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- SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA; SOCIEDADE BRASILEIRA DE HEPATOLOGIA. Recomendações da SBH e SBI para Tratamento da Hepatite
Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-10
Este trabalho foi escrito por:
Lais Santos Pereira¹, Andrea Gobetti Coelho Bombonatte²
¹Estudante do Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública -IAL; E-mail: [email protected]
2Docente/pesquisador do Depto de Tuberculose e Micobacterioses – CLR Santos – IAL.
Resumo: A Tuberculose (TB) é uma doença bacteriana infectocontagiosa, transmissível caracterizada pelo acometimento principal dos pulmões, transmitida pelo Mycobacterium tuberculosis, pertencente ao complexo M. tuberculosis (CMTB). Apresentou-se os métodos microbiológicos para identificação e diagnóstico da Tuberculose (TB) presentes no Brasil e no mundo, em um contexto histórico, través de um estudo de natureza básica, exploratório, utilizando-se a técnica de revisão bibliográfica. Estudos apontam, ao longo dos anos, variados métodos validados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e assim incorporados pelo PNCT, para o diagnóstico e identificação do CMTB na questão da TB. Apresentam-se entre métodos tradicionais baseados em meios de cultura sólidos ou líquidos, os automatizados detectam a presença microbiana pelo metabolismo in vitro, e os genotípicos avaliam mutações no DNA de M. tuberculosis. Os avanços da tecnologia, investimentos em pesquisa e a modernização dos métodos diagnósticos, nos permitem uma melhor detecção e avaliação de um caso novo de TB em pacientes mais graves, diminuindo a possibilidade de transmissão de TB, principalmente quando se fala em TB resistente, efetivando o início do tratamento adequado e aumentando as chances de cura.
Palavras-chaves: Mycobacterium tuberculosis, diagnóstico, Tuberculose.
INTRODUÇÃO
A Tuberculose (TB) é uma doença bacteriana infectocontagiosa, transmissível caracterizada pelo acometimento principal dos pulmões, mas que também pode atingir outros órgãos ou ocorrer de forma disseminada por todo o corpo. A doença é causada pelo Mycobacterium tuberculosis, conhecido como Bacilo de Koch, pertencente gênero Micobactérias, ao complexo Mycobacterium tuberculosis (CMTB). Por ser endêmica, ainda é causa de óbitos por todo o mundo, caracterizando-se como um problema de saúde pública (BRASIL, 2022).
Em 1990, a doença foi caracterizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma emergência global, e desde então é alvo de diversas políticas públicas para sua erradicação. Para tal, o maior desafio está na busca de métodos de diagnóstico rápidos, que agilizem o início de um tratamento eficaz e alcancem a cura em 100% dos casos. Estima-se que cerca de mais de 1 milhão de casos não sejam notificados por ano,
dificultando seu controle e caracterizando uma falha nas políticas e programas de controle (OMS, 2020).
A doença pode se manifestar por duas formas clínicas classificadas como TB pulmonar (TBP), a mais frequente e de maior relevância, pois mantém a cadeia de transmissão da doença ativa, diante da sua transmissão pela fala, espirro ou tosse, e a TB extra-pulmonar (TBEP), que acomete outros órgãos que não o pulmão, presente principalmente em pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) (BRASIL, 2017).
É considerada uma doença grave, mas que possui cura, já que os tratamentos quimioterápicos se mostram eficientes desde 1950. O diagnóstico laboratorial do paciente infectado é realizado através de exames como a baciloscopia, cultura, ou outros mais específicos que envolvem a detecção do DNA bacilar, que atualmente mostram avanços graças à evolução da biologia molecular (SOUZA, 2006; BRASIL, 2022)
Assim, os métodos diagnósticos que norteiam a detecção da TB têm sido alavancados nos últimos anos com inovação tecnológica. Com resultados mais seguros, a biologia molecular nos traz mais rapidez e especificidade para que o tratamento desse paciente seja assertivo e de total recuperação. No entanto devemos entender que por mais que a tecnologia auxilie em um processo sucinto, a utilização de métodos considerados “antigos” ainda se faz necessária, diante da complexidade das microbactérias.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizada uma revisão sistemática, utilizando como fonte as seguintes bases de dados saúde: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SCIELO (Scientific Eletronic Library on-line), MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval Sistem on-line), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), Periódicos CAPES (Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior) e Google Acadêmico. Foram incluídos artigos, dissertações ou teses, completos; sendo originais, cujas metodologias fossem baseadas em estudos observacionais, presentes em um dos bancos de dados acima mencionado, publicados entre 2000 e 2022; em periódicos nacionais e internacionais, em idiomas português, inglês ou espanhol. O processo de síntese dos dados foi realizado por meio de uma análise descritiva dos estudos selecionados, sendo o produto da análise apresentado de forma narrativa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Diagnósticos da TB nos dias de hoje demandam resultados praticamente automáticos para que a profilaxia adequada seja ofertada o quanto antes ao paciente. Segundo o estudo realizado por Datta et. al. (2017) os métodos tradicionais como a baciloscopia apresentam uma alta taxa de falsos negativos, principalmente quando falamos de amostras de crianças e pacientes com HIV, mas ofertam uma metodologia rápida e fácil, o que mantém esse teste ainda como uma via principal de detecção da doença.
A cultura líquida, metodologia aplicada pelo sistema BACTEC MGIT 960 também se mostrou extremamente necessária para a detecção de micobactérias não tuberculosas, levando a um diagnóstico mais eficiente. Seu acréscimo a baciloscopia foi de 40%, segundo Pedro et. Al, o que proporciona uma melhora tanto no diagnóstico quanto na condução de tratamento desses casos (CHIKAMATSU et al., 2014).
Por mais que os testes convencionais sejam capazes de detectar e rastrear a TB, os testes moleculares fornecem resultados confiáveis e rápidos que sendo aplicados ao atendimento médico trazem ainda mais eficiência ao tratamento do paciente, especialmente se aplicadas a laboratórios de contato inicial.
O GeneXpert MTB/RIF se mostra como uma ferramenta importante devido à sua alta especificidade e sensibilidade quando analisamos amostras extrapulmonares, apresentando um menor tempo para identificar o CMTB. De acordo com Weyer et al. (2013) seu sistema automatizado, com resposta rápida e detecção da resistência a rifampicina é sua maior vantagem, principalmente a pacientes que necessitam de tratamento enquanto esperam pelos resultados dos métodos tradicionais (WEYER et al, 2013; HUH et al., 2014).
A utilização do LPA (Line Probe Assay) como metodologia na rotina de diagnóstico trouxe uma rapidez na detecção de multiressistências a fármacos de primeira e segunda linha (GONÇALVES et al., 2012). No estudo feito por Nathavitharana et al. (2017), o LPA apresentou cerca de 96,7% de sensibilidade e 98,8% de especificidade, sendo altamente favorável para a detecção da resistência a rifampicina e isoniazida, e também para a avaliação de drogas injetáveis e fluoroquinolonas.
A evolução dos métodos não ocorreu para que um substituísse o outro, mas para que cada um fosse complementar para obtenção de um diagnóstico ainda mais completo. A baciloscopia continua sendo essencial na luta contra a TB, principalmente no acompanhamento do tratamento. Os desafios que as cepas multirresistentes nos trazem, torna necessário o aprimoramento das técnicas e materias disponíveis para o diagnóstico da TB (BRASIL, 2008).
A implementação desses métodos de detecção da TB, do ponto de vista epidemiológico para o tratamento das populações mais afetadas, é a lacuna correta que precisa ser preenchida para que os casos de TB se encerrem. A junção da sensibilidade, especificidade e tempo de resposta dos métodos, com as medidas que priorizam conter as lacunas de detecção, pacientes e sistema de saúde é a chave para que a cadeia de transmissão termine (ZELNER et al., 2014).
A TB continua sendo a maior causa de mortalidade no mundo devido a sua alta taxa de infecção, mas, felizmente, a tecnologia de ponta que muitos dos testes diagnósticos vêm apresentando, a meta de erradicação global pode ser alcançada (THERON et al.,2014). No entanto, a contenção da transmissão ainda depende de inúmeros fatores, como o tempo eficiente em que o paciente procura o serviço de saúde, sintomas e o padrão da transmissão antes do diagnostico ser confirmado. A baixa sensibilidade dos testes continua sendo a maior razão de haver uma lacuna entre a incidência da doença e a notificação dos casos (OMS, 2014).
Todos os métodos, tanto tradicionais como também os mais recentes, se mostram ferramentas imprescindíveis para a detecção da TB. Com tudo, a principal maneira de acabar com a TB é impedindo a sua dispersão, tratando e impedindo que o paciente continue transmitindo a doença para outros indivíduos (RAVISHANKAR et al., 2009).
A Figura 1 nos mostra em uma linha evolutiva, os métodos que apresentamos hoje em uso no Brasil, juntamente com as novas metodologias que estão em processo de endossamento pela OMS. Podemos ver a evolução dos métodos através das necessidades com que os casos de TB foram evoluindo, e urgência em precisarmos realizar exames com resultados mais rápidos e eficientes.
CONCLUSÕES
A avaliação da implementação de novos testes deve levar sempre em conta os resultados que queremos alcançar com a aplicação da metodologia. Evitar transmissões, o tempo disponível dos resultados, capacidade humana aplicada, precisam ser avaliados quando a inovação é validada.
A natureza da TB, sistema de saúde e o comportamento do paciente são pontos cruciais que determinam o sucesso ou não do tratamento e manutenção da cadeia de transmissão. Quando integrados, esses fatores formam uma estrutura unificada, que quando analisadas de maneira correta, incrementam na informação disponível para a evolução das tecnologias e métodos, acrescentando na eficácia da implementação destes testes.
Com um diagnóstico positivo, a interação que esse paciente tem com outros indivíduos e com o sistema de saúde é intrínseca, o que reflete majoritariamente na transmissão da doença. Se um teste mais sensível, aumentar a probabilidade de diagnóstico, a duração e transmissão da doença podem cair pela metade em sua fase ativa. Se falarmos das populações periféricas, a incorporação de novos testes é impactante, mas necessita do esforço que o sistema de saúde tem ao implantá-lo. Sensibilidade e especificidade não podem ser as únicas lacunas a ser preenchidas pelos testes diagnósticos, mas o valor incremental epidemiológico que estes testes trará a essas populações, tendo em vista que a maior cadeia de transmissão da doença ocorre quando o paciente acessa o sistema de saúde.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual nacional de vigilância laboratorial da tuberculose e outras micobactérias. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Manual de Recomendações para o Diagnóstico Laboratorial de Tuberculose e Micobactérias não Tuberculosas de Interesse em Saúde Pública no Brasil. – Brasília: Ministério da Saúde, 2022. 492 p. : il. 10 de nov de 2022.
CHIKAMATSU, K et al. Comparative evaluation of three immunochormatographic identification tests for culture confirmation of Mycobacterium tuberculosis complex. BMC Infectious Diseases, v. 14, n. 1, p. 1- 7, 2014.
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HUH, Hee Jae et al. Performance evaluation of the Xpert MTB/RIF assay according to its clinical application. BMC Infectious Diseases, v. 14, n. 1, p. 1–6, 2014.
NATHAVITHARANA, R R. et al. Accuracy of line probe assays for the diagnosis of pulmonary and multidrug-resistant tuberculosis: a systematic review and metaanalysis. European Respiratory Journal, v. 49, n. 1, 2017.
RAVISHANKAR, N et al. Financing of global health: tracking development assistance for health from 1990 to 2007. The Lancet, v. 373, n. 9681, p. 2113-2124,
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SOUZA, Marcus Vinícius Nora. Tuberculose em gestantes: um importante problema de saúde pública mundial. Rev. Bras. Farm, v. 87, n. 4, p. 132–8, 2006.
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ZELNER, Jonathan L. et al. Age-specific risks of tuberculosis infection from household and community exposures and opportunities for interventions in a highburden setting. American journal of epidemiology, v. 180, n. 8, p. 853-861, 2014.
Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-09
Este trabalho foi escrito por:
Clarissa Menezes1; Ingrid Dias2; Samanta Etel Treiger Borborema3
1Estudante do Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – CPM – IAL; E-mail: [email protected]
2Estudante de Mestrado em Ciências – CCD/SES
3Docente/pesquisador do Núcleo de Parasitoses Sistêmicas – CPM – IAL
Resumo: As leishmanioses são um complexo de doenças parasitárias causadas por protozoários do gênero Leishmania, sendo transmitida pela picada de insetos fêmeas conhecidos como flebotomíneos. Estima-se que existam mais de 1 (um) bilhão de pessoas vivendo em área de risco para alguma forma da doença, surgindo mais de 1 milhão de novos casos por ano. Destes, pelo menos 30 (trinta) mil correspondem a novos casos de leishmaniose visceral (LV), decorrente da infecção pela L. infantum nas Américas e Europa e pela L. donovani na África e Ásia. Assim, o objetivo deste projeto foi identificar, através do uso de ferramentas computacionais, as tendências em pesquisa no que concerne ao tratamento da LV. Para isso, foi realizada uma análise bibliométrica, utilizando dois programas computacionais para obtenção de dados, sendo o Publish or Perish para mineração de artigos, e o VOSviewer para elaboração de análises bibliométricas através de figuras. As análises bibliométricas foram capazes de mensurar tendências para o tratamento de leishmanioses, o reposicionamento de fármacos como estratégia para o desenvolvimento de novas opções terapêuticas e o uso de fármacos anti-histamínicos como potencial protótipo. Por fim, observou-se que a bibliometria é uma ferramenta potencial nas pesquisas científicas, visando mensurar dados quantitativos, tratando-os e interpretando em informações qualitativas; prevendo assim, o trajeto que a LV tem tomado nos últimos anos em atendimento ao que se preconiza a Organização Pan-Americana da Saúde, além de promover maiores conhecimentos acerca da doença.
Palavras-chave: Leishmaniose Visceral, Análise Bibliométrica, Programa Computacional, Reposicionamento de Fármacos, Anti-histamínicos.
INTRODUÇÃO
Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um apelo para que os países realizassem maiores investimentos no combate de doenças negligenciadas, principalmente as tropicais, doenças existentes nas áreas próximas aos trópicos. Em sua grande maioria, estas doenças são parasitoses, afetando cerca de 1,5 bilhão de indivíduos em 149 países. Foi estabelecida como meta, o ano de 2030 para erradicação de 30 doenças negligenciadas, investindo neste período, pelo menos US$ 34 bilhões, levando a uma diminuição progressiva no número de casos (BVS, 2015).
As leishmanioses representam um conjunto de doenças com importante espectro clínico e diversidade epidemiológica. As manifestações clínicas podem variar desde lesões cutâneas (leishmaniose cutânea – LC) até o comprometimento visceral (leishmaniose visceral – LV), sendo a última fatal se não for tratada adequadamente (McGwire e Satoskar, 2014).
Diante disto, o nosso grupo identificou uma problemática importante, onde é necessário compreender além dos aspectos das leishmanioses, os tratamentos disponíveis e como a tecnologia pode auxiliar na procura sobre tendências na pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos para LV. Em razão disto, indaga-se: quais tratamentos estão sendo investigados atualmente para a LV, e como a ciência, alinhada à tecnologia, pode auxiliar no entendimento quanto às medidas que estão sendo tomadas neste cenário?
Diante das diversas abordagens na busca de novas opções terapêuticas, tem-se a estratégia do reposicionamento de fármacos. Uma metodologia que consiste no uso de um fármaco já disponível no mercado para outras indicações terapêuticas, considerando que tenham ação contra outra enfermidade (JOURDAN et al., 2020). A estratégia de reposicionamento de fármacos é uma promissora aliada na busca de novas alternativas de tratamento para as leishmanioses, com isso, os fármacos anti-histamínicos estão sendo estudados por sua atividade antileishmania descrita por diferentes grupos de pesquisa. Por este motivo, o uso de ferramentas computacionais pode ser um importante diferencial quando aplicado para elucidar o cenário atual em relação ao desenvolvimento de fármacos candidatos para esta parasitose.
Logo, o objetivo geral deste projeto é identificar, através do uso de ferramentas computacionais, as tendências em pesquisa no que concerne ao tratamento da leishmaniose visceral.
MATERIAL E MÉTODOS
Primeiramente, foi usado o programa de acesso gratuito Publish or Perish (PoP)(https://harzing.com/resources/publish-or-perish), realizando três pesquisas individuais: (i) tendências para o tratamento das leishmanioses; (ii) uso do reposicionamento de fármacos para as leishmanioses; (iii) estudo de fármacos anti-histamínicos para as leishmanioses. Para realizar um filtro de estudos, foram utilizados como métricas de pesquisa o esquema apresentado na Figura 1.
As bases de dados selecionadas foram PubMed e Scopus, por serem referências na área da pesquisa em saúde. Os resultados encontrados para cada uma das análises, sendo 6 (seis) ao total, foram salvos no formato RIS para análise de similitude realizada na etapa seguinte.
Já a análise de similitude foi realizada no programa de acesso gratuito VOSviewer (https://www.vosviewer.com), estruturando agrupamentos sobre cada assunto na relação de similitude entre os artigos encontrados em cada base de dado. O VOSviewer alerta sobre realizar uma análise de similitude considerando 60% de relevância das métricas encontradas. O programa encontra, além do mapeamento, termos (palavras mais repetidas, indicando tendências nos artigos), ligações (relação dos termos entre si) e agrupamento de cada tendência.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Figura 2, considerando a busca 1, entre os 2.279 artigos científicos encontrados na base de dados Pubmed, percebe-se que as tendências apontam para: “anfotericina B”, “compostos”, “L. donovani”, “vacinas”, “terapias imunogênicas” e “imunologia”. Para esta análise foram encontrados 1.034 termos, distribuídos em 5 agrupamentos diferentes e 87.257 ligações. Entre os 200 artigos científicos encontrados na base de dados Scopus, percebe-se que as tendências apontam para: “formas clínica da leishmaniose – visceral e cutânea”, “doença em humanos” e “epidemiologia”. Para esta análise foram encontrados 488 termos, distribuídos em 50 agrupamentos diferentes e 1.695 ligações.
Na Figura 3, considerando a busca 2, entre os 220 artigos científicos encontrados na base de dados Pubmed foram identificados 107 termos, distribuídos em 3 agrupamentos diferentes e 3.253 ligações. As tendências apontam para: “tratamento”, “desenvolvimento de compostos”, “resposta imunológica” e “estudos sobre o vetor”. Entre os 200 artigos científicos encontrados na base de dados Scopus foram identificados 484 termos, distribuídos em 44 agrupamentos diferentes e 1.474 ligações. As tendências apontam para: “formas clínicas da leishmaniose – visceral e cutânea”, “desenvolvimento de compostos”, “imunopatogênese” e “coinfecção com HIV”.
Na Figura 4, considerando a busca 3, entre os 192 artigos científicos encontrados na base de dados Pubmed foram identificados 91 termos, distribuídos em 3 agrupamentos diferentes e 2.454 ligações. As tendências apontam para: “estudos do vetor”, “L. donovani”, “L. tropica”, “paciente”, “tratamento”, “alvos”, “animais de laboratorio”, etc. Existe uma forte ligação entre os estudos encontrados, delimitando uma área de pesquisa que se divide em estudar o vetor, as espécies de Leishmania e também desenvolvimento de compostos. Entre os 200 artigos científicos encontrados na base de dados Scopus foram identificados 102 termos, distribuídos em 12 agrupamentos diferentes e 414 ligações. As tendências apontam para: “tratamento”, “leishmaniose visceral”, “descobrimento de drogas”, “imunoterapia” e “vacinas”.
A busca na base de dados Scopus dentro do programa PoP foi realizada no modo padrão, isto é, estabelecido para se buscar no máximo 200 artigos científicos. Ao longo das análises observou-se a possibilidade de existir mais artigos relevantes do tema estudado.
De acordo com Ferreira-Neto et al. (2022), através de bibliometria, é possível mensurar alguns dados importantes para a área científica, indicando por exemplo que, grande parte das pesquisas são realizadas em países onde existem grandes contribuições financeiras, o que é refletido no número de publicações anuais. O Brasil é o segundo país que mais contribuiu com a produção científica sobre o desenvolvimento de medicamentos para doenças negligenciadas no período de 2010 – 2020, antecedido apenas pelos Estados Unidos da América. No Brasil ainda, as principais instituições que desempenham pesquisas acerca de doenças negligenciadas são a Universidade de São Paulo (USP), a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Adolfo Lutz (IAL). Os autores apontam ainda que, a Leishmaniose foi a principal doença negligenciada encontrada nos artigos publicados (n = 201) no período entre 2010 a 2020, devida à endemicidade no país.
Para este fim, Mendes et al. (2021) comenta que a análise bibliométrica pode ser realizada para compreensão de um fenômeno, caracterizando-se como uma análise qualitativa, sendo possível auxiliar na pesquisa científica e também prever quais serão os tópicos mais pesquisados de acordo com sua relevância. Por este motivo, o uso de tecnologias se mostra bastante promissor, considerando que a realização de uma matriz que contemple estudos previamente prospectados por um programa pode ter dados mais limpos e específicos. Na plataforma do VOSviewer, por exemplo, ao dar o comando de análise bibliométrica pela similitude dos textos, o aviso de métricas de relevância é indicado ao usuário, demonstrando que serão consideradas palavras com mais de 60% de relevância de acordo com o próprio programa, procedimento que realizado de maneira manual, poderia incidir em maior tempo de tratamento de dados, como também grande volume de artigos a serem lidos.
O estudo de Pimentel e Teixeira (2020), realizou uma análise bibliométrica de forma manual na plataforma Web of Science, com parte dos dados tratados também no programa VOSviewer. Os autores afirmam que é possível realizar uma busca bibliométrica para entender como as produções científicas têm se desenvolvido na sociedade, independentemente da temática escolhida pelo pesquisador. Vê-se que é possível encontrar estudos entre o período de tempo desejado, palavras correlacionadas, autores e também países que têm ligação com as tendências de pesquisa. Utilizando os anos de 1979 a 2019, foram encontrados 1.655 artigos sobre turismo sustentável, temática utilizada pelos autores, incidindo que as métricas possuem forte influência sobre os achados do programa.
Nas análises bibliométricas por similitude realizadas no presente estudo, não foi vista uma queda gradativa conforme se afunilavam as métricas determinadas na metodologia, mas sim um aumento de ligações e agrupamentos de acordo com a área de interesse, como por exemplo o tratamento. O estudo de Ferreira-Neto et al. (2022), também corrobora para esse achado, tendo em vista que em sua análise, foram encontrados 410 artigos que tinham relação com a finalidade de prevenir, tratar ou diagnosticar as doenças negligenciadas, encontrando- se 378 artigos que visavam somente o tratamento das doenças. Isso pode ser explicado, pois a compreensão da doença hoje, não é mais o enfoque dos pesquisadores, mas sim a utilização de novas tecnologias que busquem terapias para doenças negligenciadas.
Já no que tange o reposicionamento de fármacos, não foram encontradas na literatura pesquisas bibliométricas voltadas para este fim, encontrando menos artigos do que a primeira análise, porém com um maior número de ligações, indicando que mesmo tendo poucos estudos voltados para reposicionamento de fármacos para leishmanioses, eles se ligam entre si. Isto também pode indicar que pouco tem se investido em pesquisas de reposicionamento de fármacos para o tratamento da LV.
A título de comparação, foi visto no estudo de Figueredo et al. (2020) que houve grande interesse global em pesquisas voltadas para a COVID-19, onde na análise bibliométrica realizada para o coronavírus, foi possível observar palavras como “sequence”, “genome”, “vacine” e outras tendências voltadas para terapias imunogênicas. Isso pode explicar o grande interesse em pesquisas de vacinas e alvos genéticos para doenças negligenciadas, já que o avanço científico promovido pelo interesse em estudar o vírus, abriu porta para outros microrganismos. No entanto, é necessário compreender a realidade de cada local, considerando que doenças negligenciadas atingem locais mais vulneráveis e nem todos teriam recursos financeiros para obtenção de altas tecnologias voltadas para o tratamento de doenças negligenciadas, como no caso da LV.
Com isso, ao analisar o estudo da classe terapêutica de fármacos anti-histamínicos como estratégia de reposicionamento de fármacos, viu-se um número considerável de estudos. Entretanto, identificou-se uma tendência de pesquisa voltada para a LV, mas não com nomes específicos dos possíveis fármacos que poderiam ser reposicionados para este fim, garantindo assim menores custos para o tratamento e maior acessibilidade para áreas vulneráveis.
Albuquerque (2020) versa em sua pesquisa, também de teor bibliométrico, que apesar de existir esse tipo de metodologia na área da saúde no geral, ainda carecem estudos mais aprofundados a respeito de mensuração de indicadores confiáveis para compreensão do estado da arte da produção científica. No caso de tripanossomatídeos, Santos et al. (2021) concorda com tal afirmação em sua análise bibliométrica sobre a doença de Chagas, inferindo que o aumento no interesse sobre essas pesquisas tem crescido nos últimos anos, no entanto, ainda faltam recursos para incentivo às novas terapias, além de mais informação e acesso às tecnologias para os países endêmicos.
CONCLUSÕES
No mais, através destas análises foi possível demonstrar as tendências previstas para o tratamento da LV, além de comprovar tendências sobre o uso da estratégia de reposicionamento de fármacos e a possibilidade do uso de anti-histamínicos como candidato à ação antileishmania. Tem-se que a bibliometria pode ajudar em muito nas pesquisas científicas, visando mensurar dados quantitativos, tratando-os e interpretando em informações qualitativas; prevendo assim, o trajeto que a LV tem tomado nos últimos anos em atendimento ao que se preconiza a OPAS, além de promover maiores conhecimentos acerca da doença. Além disso, com os dados encontrados, será possível mensurar novos caminhos para o tratamento das leishmanioses no geral, vendo como promissora a estratégia de reposicionamento de fármacos, mas carecendo de mais investimentos para este método.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Ingrid de Oliveira Dias pela ajuda nas análises bibliométricas, corroborando para os achados obtidos neste estudo.
REFERÊNCIAS
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VAN ECK, N. J.; WALTMAN, L. (2010) VOSViewer: Visualizing Scientific Landscapes [Software]. Available from https://www.vosviewer.com
Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-08
Este trabalho foi escrito por:
Marcio Pedroso Motta1, Gislene Mitsue Namiyama2
1Bolsista do Curso de Especialização em Microscopia Eletrônica NME/IAL e-mail:[email protected]
2 Pesquisador Científico do Núcleo de Microscopia Eletrônica /CPI/IAL
Resumo: O Micoplasma é dividido em 200 espécies, sendo que 16 são encontradas em humanos, apenas cinco são de grau de patogenia preocupante, sendo estas: M. pneumoniae, M. genitalium, M. hominis, e U. parvum e U. urealyticum. Medem em torno de 0,1 a 0,2 µm de largura e 1 a 2 µm de comprimento, não apresenta parede celular, o que faz com que a sua morfologia seja pleomórfica. O Micoplasma é caracterizado e reconhecido como a menor bactéria de vida livre, necessitando sempre de uma célula hospedeira para complementar a síntese proteica. Por este motivo, seu crescimento é demasiado lento, fazendo com que sua detecção em meio de cultura seja demorada e por vezes tardia. Esta bactéria é a causa de muitas contaminações em meios de cultura. Em humanos, este microrganismo está relacionado a problemas como: inflamações do trato respiratório, do trato urinário, complicações na gestação e em neonatos. A infecção por Micoplasma é subnotificada, em grande parte por desconhecimento ou negligenciada. Isto pode causar resistência pelo uso inadequado de antibióticos de amplo espectro, não sendo específico para Micoplasma. Os estudos que envolvem Micoplasma in vitro necessitam que se recrie o mais fielmente um ambiente endógeno a célula, isso faz com que o cultivo em meio de cultura desta bactéria exija meios propícios e específicos como fatores de nutrição que auxiliem no crescimento in vitro, como temperatura, pH e enzimas. Há várias formas de diagnosticar o Micoplasma, a técnica de coloração negativa através da Microscopia Eletrônica de Transmissão é uma delas e faz sua análise morfológica, outra técnica seria o PCR que faz a identificação da espécie do Micoplasma.
Palavras chaves: Mycoplasma, Microscopia Eletrônica de Transmissão, Diagnóstico.
INTRODUÇÃO
“Mollicutes” é derivada do latim mollis (que significa “suave” ou “flexível”), e cutis (“pele”) também conhecido como Micoplasma, que é a forma taxonômica mais conhecida (UPHOFF; DREXLER, 2011).
Os Micoplasmas são considerados a menor bactéria de vida livre, (WAITES et al., 2012), resultantes de várias mudanças evolutivas e adaptativas, necessitando sempre de uma célula hospedeira para complemento de sua síntese proteica. Tem em torno de 0,1 a 0,2 µm de diâmetro de tamanho, seu genoma é composto de DNA e RNA, tem entre 580 a 2200 Kilo bases (Kbp) e entre 23-40% das bases citosina(C) e Guanina (G), sua membrana é constituída por lipoproteínas. Não possui parede celular, o que confere sua morfologia pleomórfica, ou seja, formato variável, além disso, lhe dá resistência a uma vasta classe de antibióticos.
A falta de parede celular faz com que a membrana celular tenha um papel fundamental no processo de infecção, transporte de diversos nutrientes, interação com a célula que está sendo infectada e a defesa imunológica do hospedeiro (MUGUNTHAN; HARISH, 2022). Esta membrana celular é a principal via de contato com o ambiente do hospedeiro. Algumas destas proteínas sofrem variações antigênicas por intermédio de comutações (liga/desliga), embaralhamento de domínio entre variações de tamanho para a modificação de componentes antigênicos na superfície da célula, com a finalidade de produzir heterotipos que possibilitam a evasão ao sistema imune do hospedeiro. Quando in vivo, estes estão associados ao tecido do epitélio, com algumas exceções quando ocorre invasão intracelular (WAITES et al., 2012). Suas lipoproteínas são fortes ativadores, através dos receptores do tipo Toll (TRL2) (WAITES; TALKINGTON, 2004; VERITAS, [s.d.]; WAITES; KATZ; SCHELONKA, 2005).
O Micoplasma agrupa vários gêneros com mais de 200 espécies, das quais 16 são encontradas em humanos, destacando-se o Mycoplasma, Ureaplasma e Acholeplasma, por causar infecções importantes. Seu tamanho e capacidade de autorreplicar-se favorecem a sua contaminação em cultivos celulares, comprometendo a qualidade dos testes diagnósticos e terapias celulares que empregam esses produtos. Ademais, esse microrganismo não é visível à microscopia óptica de luz necessitando de Microscopia Eletrônica de Transmissão, e testes diagnósticos mais precisos, como os testes moleculares para sua identificação.
Diante do exposto, este trabalho teve como objetivo contextualizar o Micoplasma nos produtos e na Saúde Pública e o emprego da Microscopia Eletrônica na sua identificação.
Esta revisão bibliográfica descreve sobre o Micoplasma, as espécies de importância para Saúde Pública e a utilização da Microscopia Eletrônica de Transmissão para análise morfológica.
MATERIAL E MÉTODO:
Trabalho descritivo, empregando as bibliografias disponíveis em julho a dezembro de 2022, com a finalidade de discorrer sobre o Micoplasma e o seu impacto à Saúde Publica tanto na qualidade de cultivos celulares empregados em diagnósticos e tratamentos como na patogenia a seres humanos. Foi realizado levantamento bibliográfico nas bases de dados PUBMED, SCIELO, Livros Principles of biochemistry, Biologia Celular e Molécula, Manual Microbiologia e Microbial Physiology, empregando as palavras chave Micoplasma, cultura celular, Microscopia Eletrônica de Transmissão.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
- Principais Micoplasmas patogênicos ao homem.
1.1. M. pneumoniae (MP): patógeno exclusivo de humanos, resultando em infecções do trato respiratório superior e inferior, destacando-se em quadros de pneumonias atípicas da comunidade (PAC). Infecção insidiosa de curso prolongado, de transmissão respiratória, com período de incubação de até 1-4 semanas, o que favorece a sua disseminação na comunidade, podendo ocasionar surtos em adultos e crianças. Os sintomas mais comuns são dor de cabeça, tosse e traqueobronquite podendo evoluir para pneumonias e ocasionalmente infecções mais graves como encefalites. A alta morbidade e eventual mortalidade reforçam a necessidade de tratamento oportuno com antibiótico adequado (WAITES & TALKINGTON, 2004).
1.2. M. genitalium (MG): é responsável por infecções da pelve e do trato urinário como a uretrite não gonocócica (UNG) e a cervicite, sendo pouco comum a sua detecção na ausência de infecções clínicas. Está classificado como uma infecção de transmissão sexual (IST) devido à necessidade de contato direto com a mucosa genital, uretral ou retal contaminada (JENSEN, 2004; WAITES et al., 2012).
1.3. M. hominis (MH): tem um tropismo preferencial por tecidos da uretra, colo do útero ou vagina, mas acomete principalmente as mulheres. Da população feminina em geral sexualmente ativa, 21% a 53% das mulheres não apresentam sintomas ao serem colonizadas por este patógeno, o que pode trazer diversas complicações as mulheres gestantes, devido a possibilidade da transmissão vertical ao neonato no momento do parto (WAITES et al., 2012). Em adultos, podem causar pielonefrite, inflamação pélvica corioamnionite, endometrite pós-parto, vaginose bacteriana, artrite, osteoartrite, infecções de feridas. Já em neonato, pneumonia congênita, meningite, bacteremia e abscessos e infecções sistêmicas (WAITES et. al., 2012).
O MH tem a sua patogenia ligada a citoaderência, como os demais Micoplasmas, resultando em lesões teciduais, devido à ação de mediadores pró-inflamatórios, acionados pelas células do sistema (WAITES; KATZ; SCHELONKA, 2005).
1.4. Ureaplasmas: Se ligam a uma variedade de células humanas, incluindo eritrócitos, espermatozóides e células epiteliais da uretra, interferindo na sua fisiologia, como por exemplo, na redução da motilidade do espermatozoide, resultando na infertilidade
masculina. Sua ligação espontânea aos neutrófilos causa ativação do sistema complemento. Destacam-se 2 espécies de Ureaplasmas, o U. parvum e U. urealyticum, que têm tropismo preferencial por células do colo uterino e da vagina, nas quais são frequentes, em torno de 40-80%, em mulheres sexualmente ativas, contra 5-20% de infeção em células urogenitais masculinas. A transmissão pode ser via sexual ou vertical, resultando em infertilidade, endometriose pós-parto, corioamnionite, parto prematuro ou aborto espontâneo às mulheres e pneumonia, bacteremia, meningite e doença pulmonar crônica ou displasia broncopulmonar (DBP) em neonatos (WAITES; KATZ; SCHELONKA, 2005).
- Mycoplasma spp. – contaminantes celulares
Culturas de células podem facilmente ser infectadas por Micoplasmas, que é um dos contaminantes mais presentes nos laboratórios de cultivos atualmente. Suspeita-se que a principal contaminação desses cultivos ocorra pelo próprio homem. Além disso, uma cultura contaminada dissemina facilmente o Micoplasma entre as demais, devido a produção de aerossóis durante a manipulação das células. Outro fator que pode contribuir para a contaminação das culturas é a grande movimentação de pessoas com acesso ao laboratório ou ao local onde as amostras e meio de culturas ficam armazenadas (UPHOFF; DREXLER, 2011).
As células infectadas pelo Micoplasma têm seu metabolismo, funções celulares e crescimento modificado, que podem levar a morte celular e/ou interferir nos ensaios clínicos ou diagnósticos (WAITES et al., 2012; LEVY; LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA,
2004; WAITES; TALKINGTON, 2004). Esta interferência pode ser minimizada através de protocolos de biossegurança inseridos nas rotinas obrigatória dos laboratórios através de processos de triagem e inspeção de amostras, as ações de controles de acesso às amostras e aos meios de culturas, a higienização constantes de bancadas e cabines de biossegurança (UPHOFF; DREXLER, 2011).
- Microscopia Eletrônica de Transmissão (MET)
Em relação ao Micoplasma, a técnica de coloração negativa se mostra fiel em suas imagens, revelando de fato os números reais das quantidades de Micoplasmas infectando a célula hospedeira, através da análise da morfologia do grupo ao qual essa bactéria pertence (TAKAYAMA et al., 1983). Esta técnica também permite visualizar alterações minuciosas no tamanho e no aspecto morfológico do Micoplasma, incluindo suas estruturas internas (NAKANE; MIYATA (2009)). Quando este não está em contato a nenhuma superfície apresenta morfologia esférica semelhante a cocos, porém quando está em contato com superfície ocorre mudança para a forma filamentosa (BALISH; KRAUSE (2006)). Durante o processo de adesão é possível visualizar as alterações no tamanho e formato de proteínas de adesão (MATSUIKE et al. (2023)).
A MET permite analisar as diferentes etapas da infecção da célula desde o inicio, fases da replicação e as alterações provocadas pelo Micoplasma na célula hospedeira, como por exemplo, as alterações estruturais e morfológicas ocasionadas na célula, bem como as alterações na permeabilidade da membrana e as modificações na estrutura das mitocôndrias. A observação destas alterações na célula hospedeira só é possível pela técnica de corte ultrafino da Microscopia Eletrônica de Transmissão, que possibilita a visualização de áreas mais claras e mais escuras, evidenciando essas alterações, como por exemplo, a perda das cristas mitocondriais, e/ou granulação citoplasmática (SESSO et al., 2017).
o processo de adesão é possível visualizar as alterações no tamanho e formato de proteínas de adesão (MATSUIKE et al. (2023)).
CONCLUSÕES
Em laboratório, o Micoplasma pode causar muitas complicações como contaminante de cultura, resultando em perda de material e de tempo, e, para mitigar esta situação se fazem necessários à identificação e detecção da fonte de contaminação, bem como a implementação de procedimentos básicos de eliminação de contaminantes.
Esta bactéria pertence ao grupo de patógenos tanto de seres humanos quanto de animais. O M. pneumoniae é a principal espécie de patogenia humana deste grupo, e causa e causa infecções no trato respiratório superior, como a pneumonia adquirida na comunidade. Outras espécies de Micoplasma patogênicas incluem M. genitalium, espécies de Ureaplasma (incluindo a U. parvum e U. urealyticum) e M. hominis associados a infertilidade, partos prematuros, ISTs, entre outras.
A MET tem se mostrado uma ferramenta importante na pesquisa e diagnóstico de Micoplasmas, seja no controle de qualidade dos cultivos celulares produzidos para auxiliar no diagnóstico desse patógeno humano, ou como agente infeccioso, em ambas as situações sendo impactantes à Saúde Pública.
REFERÊNCIAS
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Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-07
Este trabalho foi escrito por:
Maiara Stephanie da Silva Yoshinaga 1; Mahyara Markievicz Mancio Kus- Yamashita2; Cristiane Bonaldi Cano3
1Estudante do Curso de Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – CEFRO-SES– IAL; E- mail: [email protected]
3Cristiane Bolandi Cano do Núcleo de Químico-físicas e Sensorial de Alimentos – CALI– IAL
2Mahyara Markievicz Mancio Kus-Yamashita do Núcleo de Químico-físicas e Sensorial de Alimentos – CALI – IAL
Resumo: O alto consumo de alimentos ultraprocessados de baixo valor nutritivo pode estar relacionado ao aumento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, sendo que, os refrigerantes que contêm grande quantidade de açúcares, são considerados um dos produtos industrializados mais consumidos mundialmente. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, juntamente com as indústrias e produtoras de alimentos e bebidas, realizaram um acordo que tem como objetivo estabelecer metas na redução dos teores de açúcares presentes na formulação de produtos, dentre um deles, os refrigerantes. O objetivo deste trabalho foi determinar os carboidratos e sua quantidade nos refrigerantes coletados para atendimento ao Programa Nacional de Monitoramento de Alimentos, durante o período de 2021-2022. Foram coletadas 32 amostras de refrigerantes coletados pela VISA-SP, na determinação de carboidratos, pelo método CLAE-ELSD desenvolvido no IAL. A composição do perfil de carboidratos encontrados nas análises cromatográficas nos refrigerantes foi de frutose, glicose e sacarose. Os resultados sugerem que os refrigerantes de sabores de guaraná e frutas diversas tinham maiores valores de concentração de sacarose entre 51 e 59, seguidos de uma menor concentração de glicose e frutose em torno 20 a 26%. Enquanto no sabor de cola observou-se tinham menores valores de sacarose em torno de 32,5 %, seguidos de 35,3 % de glicose e 32,2 % de frutose. Conclui-se que nos refrigerantes de sabor de guaraná, frutas diversas e cola avaliados no PRONAMA, houve a modificações na sua composição em relação à quantidade de sacarose, sendo substituída pelo açúcar invertido, sugerindo que há reformulação dos produtos.
Palavras–chave: bebidas açucaradas, CLAE, Doenças Crônicas não Transmissíveis, frutose, glicose, sacarose
INTRODUÇÃO
As Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNTs) é um dos assuntos mais retratados no que se refere a saúde humana, atualmente é uma das maiores causas de mortalidade e maioria das situações vem gerando doenças como obesidade, hipertensão e diabetes, que está correlacionadas aos maus hábitos na qualidade de vida e principalmente no que diz respeito a alimentação. Hoje em dia o consumo de alimentos processados e ultraprocessados, ricos em gorduras, sódio e açúcares, estão cada vez mais frequentes, ocasionando as DCNT (SVS, 2016).
Quando se trata de alimentos industrializados, uns dos mais populares nessa classe são os refrigerantes, uma das bebidas mais consumidas em todo o mundo, só no Brasil em 2021, o consumo per capita no mercado brasileiro de refrigerantes foi de 59,52 de litros por habitante anual (ABIR, 2021).
Diante desse agravo relacionado às DCNTs, órgãos em todo mundo vem desenvolvendo meios para promover hábitos alimentares que possam assegurar uma vida saudável. Com a Agenda 2030 da Organização Mundial da Saúde, foi proposto o Objetivo de Desenvolvimento Saudável (ODS) 3- Saúde e bem-estar, onde são criadas várias tentativas de programas para redução do consumo de refrigerantes com açúcar. No Brasil, foi criado o acordo de 2023 com as Indústrias para reduzir em até 33,8 % a quantidade de açúcar em bebidas açucaradas (refrigerantes, bebidas mistas e néctares de frutas), conforme Figura 1 (ONU, 2022; BRASIL, 2022; BRASIL, 2021).
A reformulação dos alimentos e bebidas é uma nova estratégia para melhorar o perfil nutricional, sendo que dos alvos que se deseja atingir é a redução do teor de açúcar em especial a sacarose adicionada. A indústria possui dois principais métodos: a redução no conteúdo de açúcares adicionados sem modificações adicionais na formulação do produto ou, a substituição parcial/total do nutriente por outros ingredientes como os edulcorantes (Markey, et al, 2015).
Conforme a alegação “açúcares reduzidos” e qualquer alegação susceptíveis de ter o mesmo significado para o consumidor, só podem ser efetuadas se o valor energético do produto com esta alegação é menor que a quantidade de energia em um produto quando comparado com o seu original, portanto os fabricantes estão reformulando o seu produto par atingir este objetivo de reduzir os açúcares adicionados (Rýdlová, L., et al, 2020).
O Programa Nacional de Monitoramento de Alimentos (PRONAMA), coordenado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), tem como objetivo avaliar a segurança e a qualidade dos alimentos, sendo importante ferramenta para o planejamento de ações de vigilância sanitária e saúde. No ano de 2022, o PRONAMA teve como planejamento verificar a adequação das fórmulas dos refrigerantes para redução do açúcar conforme o Acordo de 2023. Portanto, o objetivo deste trabalho foi de determinar o perfil dos carboidratos e sua quantidade nos refrigerantes, coletados no PRONAMA-VISA, no estado de São Paulo no período de 2021-2022 (BRASIL, 2022).
MATERIAL E MÉTODOS
Foram coletadas 32 amostras de refrigerantes que variaram entre marcas e sabores, para o programa de monitoramento PRONAMA pelas Vigilâncias Sanitárias do Estado de São Paulo (VISA-SP). As análises foram realizadas no Instituto Adolfo Lutz (IAL), por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE) marca Shimadzu, método in House desenvolvido no IAL-2018, nas seguintes condições: coluna HILIC com temperatura de forno de a 32º C, fase móvel: Acetonitrila: Acetato de Etila: Água (50:40:10:v:v:v), bomba isocrática com vazão de fluxo de 0,2 mL/min, detector de espalhamento de luz (ELSD) com forno a 40ºC, vazão de gás de 39-41 psi e processadas a detecção. Os dados foram processados em planilha de Excel versão 2010.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conforme a Figura 2, no período de 2021 e 2022, foram coletadas pelas Vigilâncias Sanitárias do Estado de São Paulo em vários municípios, 32 amostras de refrigerantes de marcas variáveis nos seguintes sabores: 16 amostras no sabor guaraná, 4 amostras no sabor de cola, e nos sabores de frutas foram 3 amostras no sabor laranja, 2 amostras no sabor de limão, 2 amostras no sabor de limão com laranja e os sabores de framboesa, maçã, mix de frutas, tutti-frutti e uva continham somente uma amostra coletada. Sendo assim, para representar melhor a amostragem dos refrigerantes com vários sabores de frutas, foi criada neste trabalho a denominação sabores de frutas diversas. Com relação às amostras coletadas, as maiores quantidades no sabor de guaraná podem estar relacionadas às marcas de refrigerantes comercializadas nos municípios do Estado de São Paulo.
Na análise do perfil de carboidratos dos refrigerantes realizada por cromatografia líquida, foram encontradas em todas as amostras, frutose, glicose e sacarose em proporções diferentes para cada tipo de sabores e marcas. Nas 16 amostras de refrigerantes no sabor de guaraná, observou-se que na composição continham 59,5 % de sacarose, seguidos de 20,3% de glicose e 20,1% de frutose, mostrando que a quantidade de sacarose era maior em relação à quantidade de frutose e glicose (Figura 3b).
Com relação às 4 amostras de refrigerante sabor Cola, descritos na Figura 3a, observou-se que na composição continham 32,5 % de sacarose, seguidos de 35,3 % de glicose e 32,2 % de frutose, o que sugere que neste tipo de sabor há uma maior quantidade de glicose em relação aos demais, e a quantidade de frutose e sacarose eram mais próximos.
Nas 12 amostras de sabores de frutas diversas, conforme a Figura 3c, observou-se que na composição continham 51,0% de sacarose, seguidos de 26,0% de glicose e 23,0% de frutose, indicando que a quantidade de sacarose era maior em relação aos demais carboidratos, e a quantidade de frutose era maior quando a comparada à glicose.
No sabor de guaraná, a concentração média de frutose foi 1,71± 1,23 g.100mL-1, de glicose de 1,75 ± 0,82g.100mL-1 e sacarose de 5,07 ± 0,75g.100mL-1, estes resultados sugerem que há amostras com teores de sacarose mais altos, em relação aos demais carboidratos. Nos sabores de frutas de diversas a concentração média de frutose foi 1,67 ± 0,91g.100mL-1, na glicose de 1,87± 1,00g.100mL-1 e na sacarose de 3,67±1,03g.100mL-1, estes resultado mostram que as concentrações de sacarose estão mais baixas comparadas as de guaraná este fato pode estar relacionado a quantidade de suco de frutas adicionados nestes tipos de refrigerantes. Nos refrigerantes de cola pode se observar a concentração média de sacarose foi de 2,95 ±1,13g.100mL-1, seguidos de glicose de 2,93±1,80g.100mL-1 e frutose 3,20 ± 2,02g.100mL-1, estes resultados indicam que a mostra os valores de sacarose estão mais próximos dos valores dos refrigerantes de frutas diversas, e que há uma também uma proporção mais próxima de sacarose com frutose e glicose. Estes resultados sugerem que nos refrigerantes de sabores de guaraná e diversas frutas tinham valores mais altos de sacarose, pois haviam mais amostras que não tinham redução de açúcar adicionado (sacarose), enquanto os refrigerantes de cola continham mais amostras com redução de açúcar adicionado(sacarose), que seguem alguns artigos da literatura que mostram que em bebidas com baixo teor de açúcar os valores se encontram 2,5g de açúcar por 100mL em produtos líquidos (Rýdlová, L., et al, 2020).
Nas amostras com redução de açúcar pode se observar no perfil e na quantidade individual de carboidratos um aumento nas concentrações de frutose e glicose e uma diminuição na sacarose, indicando que estes produtos foram adicionados outro tipo de açúcar como xarope de açúcar invertido, sugerindo que os fabricantes vem modificaram as fórmulas para se adequarem ao pacto com ANVISA (Rýdlová, L., et al, 2020).
CONCLUSÕES
A amostragem dos refrigerantes coletadas no PRONAMA 2021 e 2022 foi mais representativa para o sabor de guaraná, seguida dos sabores de frutas diversas e de cola, respectivamente. Contudo, observou-se que no caso dos sabores de fruta havia poucas amostras replicadas em alguns sabores, o que prejudicou a avaliação da composição dos carboidratos quanto à redução dos açúcares. Os refrigerantes analisados demostraram que as indústrias estão realizando formulações com redução nas quantidades de sacarose, pois havia amostras com e sem indicação da redução de açúcar, favorecendo uma maior visibilidade para comparar os resultados.
Com estes resultados, pode-se sugerir que houve uma redução do açúcar adicionado (sacarose) em algumas amostras de refrigerantes nos sabores de guaraná, frutas diversas e cola, este fato pode estar relacionado ao fato de ter sido adicionado o açúcar invertido como substituto da sacarose em sua composição. Sendo assim, através das análises do perfil de carboidratos em refrigerantes sugere-se que as indústrias estão modificando as suas formulações para se adequarem ao acordo 2023 proposto pela ANVISA e ao PRONAMA.
REFERÊNCIAS
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ONU, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [S. l.]: 2022 Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 05 dez. 2022.
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NO BRASIL 2021-2030 [S. l.]: 2022 Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt- br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/doencas-cronicas-nao-transmissiveis- dcnt/09-plano-de-dant-2022_2030.pdf/view Acesso em: 05 dez. 2022.
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BRASIL, ANVISA, Programa Nacional de Monitoramento de Alimentos (Pronamas). [S. l.]: 2022 Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/fiscalizacao-e- monitoramento/programas-nacionais-de-monitoramento-de-alimentos Acesso em: 05 dez. 2022.
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RÝDLOVÁ, L., HRUBÁ, M., ŠEVČÍK, R., & RAJCHL, A. Reformulation of fruit and vegetable products. Eat & live correctly, p. 107, 2020. https://www.ctpp.cz/images/files/reformulace%20web.pdf#page=107. Acesso em: 05 jan 2023.