O IMPACTO DA PANDEMIA DE COVID-19 NO DIAGNÓSTICO DA TUBERCULOSE PULMONAR: PERSPECTIVAS E DESAFIOS
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Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-42
Este trabalho foi escrito por:
Lorena Pilla Portela Ormonde1; Sérgio Schnoor Fogaça2
1 Estudante do Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – Instituto Adolfo Lutz; E-mail: [email protected]
2Assistente Técnico de Pesquisa Científica e Tecnológica – Núcleo de Ciências Biomédicas do Centro de Laboratório Regional de Marília
Resumo
Introdução: A tuberculose é uma chaga milenar causada principalmente pela bactéria Mycobacterium tuberculosis. Apesar de ser curável e evitável, a doença persiste como um grave problema de saúde pública e está entre as maiores causas de mortes no mundo. Agravando este cenário, a pandemia da COVID-19, infecção respiratória aguda provocada pelo vírus SARS-CoV-2, gerou efeitos negativos no controle e atenção à doença. Objetivos: Demonstrar o impacto da pandemia nos indicadores epidemiológicos da tuberculose no âmbito global e nacional e os possíveis fatores para o estabelecimento dessa condição. Metodologia: Foi realizada revisão de literatura sobre o tema nas plataformas eletrônicas Google Acadêmico, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), SciELO e PubMed. Foram coletados dados de boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde e relatórios da Organização Mundial da Saúde, os quais foram transformados em gráficos e tabelas. Resultados: No Brasil e no mundo, houve uma grande redução no diagnóstico e notificação da tuberculose em 2020, o que levou a um aumento de pessoas não tratadas para a doença. Globalmente, a consequência disso refletiu em 2021, com o aumento da incidência e óbitos, porém o mesmo ainda não foi observado no Brasil. Conclusões: A pandemia afetou substancialmente os serviços de diagnóstico, tratamento e prevenção da tuberculose, retrocedendo anos de progresso no enfrentamento da doença. São inúmeros os fatores que levaram a essa condição, sendo fundamental mais estudos acerca do tema. É urgente a necessidade de restaurar o acesso e a prestação de serviços essenciais à tuberculose.
Palavras–chave: impactos na saúde pública, pandemia por COVID-19, tuberculose pulmonar
INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é uma chaga milenar causada por espécies do complexo Mycobacterium tuberculosis, sendo a M. tuberculosis a mais importante em saúde pública, conhecida também por bacilo de Koch (BK). A TB geralmente acomete os pulmões, sendo denominada TB pulmonar, porém pode atingir vários outros órgãos (TB extrapulmonar) (BRASIL, 2019). Qualquer indivíduo pode ser infectado pelo bacilo, porém algumas populações são mais vulneráveis a desenvolver a doença, como aquelas em situação de pobreza, desnutrição, infecção por HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), tabagismo e diabetes (WHO, 2022). Casos suspeitos de TB pulmonar ou extrapulmonar precisam ser confirmados por critério laboratorial, para isso, devem apresentar ao menos uma amostra positiva em exame de baciloscopia, teste rápido molecular ou cultura (BRASIL,2022a). Em 2015, a tuberculose se tornou a principal causa de morte por doenças infecciosas no mundo (SILVA, D. R. et al., 2021). Neste mesmo ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs acabar a epidemia da doença através da Estratégia pelo Fim da Tuberculose, reduzindo o número de óbitos pela doença em 95% e a incidência em 90%, até 2035 (WHO,2022).
A COVID-19 é causada por um coronavírus, o SARS-CoV-2 (síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2), surgiu em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, quando foram relatados os primeiros casos de uma pneumonia até então de origem desconhecida que rapidamente se alastrou pelo mundo, sendo declarada pandemia pela OMS em 11 de março de 2020 (COSTA, et al., 2022). Frente à essa emergência pandêmica e as altas taxas de mortalidade, os sistema de saúde do Brasil e do mundo precisaram se adaptar, sendo necessário reorganizar os serviços, o que incluiu o desvio de recursos humanos, financeiros, equipamentos e insumos da TB para a COVID-19, comprometendo a assistência aos pacientes acometidos pelo bacilo de Koch (HINO, et al., 2021; SOUZA, et al., 2022) Além disso, por não haver tratamento e nem vacinas para a nova doença, medidas como intensificação da higiene, uso de máscara e distanciamento social foram adotadas em âmbito mundial. As restrições de circulação geraram dificuldade de acesso a serviços de tratamento e diagnóstico da TB (SILVA; GARRIDO, 2021).
Não é a primeira vez que o atendimento à tuberculose é comprometido, o mesmo ocorreu durante desastres naturais, guerras e grandes surtos de doenças virais, tal como o Ebola na África Ocidental e o MERS-CoV (Síndrome respiratória do Oriente Médio) na Arábia Saudita, o que aumentou a carga da doença nos anos subsequentes (ALENE; WANGDI; CLEMENTS, 2020).
Apesar de ser uma doença curável e evitável, a tuberculose ainda é um dos principais problemas de saúde pública e uma das principais causas de morte em todo o mundo (WHO, 2022). A pandemia de COVID-19 provocou um atraso no combate à TB, retrocedendo anos de progresso no enfrentamento da doença, assim como consequências significativas no seu diagnóstico, tratamento e prevenção. O objetivo deste trabalho é demonstrar o impacto da pandemia nos indicadores epidemiológicos da tuberculose na esfera global e nacional, buscando identificar os possíveis fatores para o estabelecimento dessa condição e estratégias que possam minimizar os percalços gerados pela COVID-19.
MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho trata-se de uma revisão de literatura baseada em artigos e outras bibliografias científicas disponíveis nas plataformas eletrônicas BVS – Biblioteca Virtual em Saúde, PubMed, SciELO – Scientific Eletronic Library Online e Google Acadêmico. Os descritores utilizados foram: Tuberculose, Impacto e COVID-19, assim como suas respectivas traduções em inglês. Os trabalhos selecionados compreendem o período de 2020 a 2022. Também foram levantados dados de boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde, relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS), manuais, além de outras publicações oficiais. Tais informações foram analisadas e transformadas em gráficos e tabelas para melhor visualização e interpretação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A nível mundial, o impacto mais importante da pandemia foi a redução no número de pessoas recém diagnosticadas e relatadas (notificadas) com TB. Observa-se na Tabela 1 uma queda acentuada no ano onde foi declarada pandemia em relação a 2019, com uma breve recuperação em 2021. Os 5,8 milhões de casos notificados em 2020 fez com que o mundo voltasse ao patamar de 2012. Nota-se também a discrepância entre as mais de 10 milhões de pessoas que adoeceram em 2020 e 2021 e quantas dessas foram notificadas, totalizando uma diferença de mais de 4 milhões de indivíduos que, portanto, não foram diagnosticados e tratados para TB (WHO, 2022).
A primeira consequência disso é um aumento no número de óbitos uma vez que sem o devido tratamento a doença apresenta alta mortalidade. Houve um acréscimo no número de mortes após 2019, o que não acontecia há mais de uma década. Outro efeito é uma maior transmissão comunitária do bacilo, já que muitos indivíduos não estão sendo tratados. Aqueles que são infectados podem demorar de semanas a décadas para desenvolver a doença, sendo assim, o impacto na incidência é mais tardio. Tal fenômeno não foi percebido em 2020, pelo contrário, houve uma queda na incidência neste ano, porém em 2021, com um ano a mais para que a doença se manifestasse, já se observa uma elevação desse indicador, indo contra a tendência de declínio de 2% ao ano como ocorreu na maior parte das últimas duas décadas. A perspectiva é que os óbitos e a incidência de TB continuem aumentando (WHO, 2022).
Sobre a cobertura do tratamento, observa-se que houve uma recuperação dos números, mas sem atingir àqueles anteriores a pandemia. O tratamento preventivo, que visa prevenir a progressão da infecção para a doença ativa, também mostrou melhoria em 2021.
O número de pessoas que desenvolveram TB resistente a medicamentos (TB-DR) aumentou em 2021, após manter estabilidade desde 2015. Por outro lado, o número de pessoas tratadas para TB resistente em 2021 foi maior do que em 2020 (WHO, 2022).
Sabe-se que para o controle da tuberculose é necessário muito investimento em serviços de diagnóstico, tratamento e prevenção da doença, entretanto o baixo financiamento anual ainda é um obstáculo. Os US$ 5,4 bilhões gastos em 2021 correspondem a apenas 42% da meta global anual de US$ 13 bilhões (WHO,2022).
No Brasil, seguindo o que foi visto mundialmente, observa-se na Tabela 2 um declínio na notificação de casos de TB (novos ou retratamento). Em maio de 2020 tal parâmetro caiu 34% em relação ao mesmo período de 2019. Já em 2021, a maior queda em relação ao ano anterior foi de 29,3% e ocorreu em dezembro. A diminuição da notificação dos casos refletiu na queda do coeficiente de incidência da doença após 2019. (BRASIL, 2021,2022b).
Em relação aos desfechos da doença, 68,4% dos casos novos de TB pulmonar confirmados por critério laboratorial encerraram o tratamento como cura e 12,9% dos casos como abandono. Ambos os desfechos apresentaram piora em relação a 2019. Ainda assim, 2019 também não atingiu o percentual de cura superior a 85% e o abandono inferior a 5%, estabelecido pela OMS. Quanto ao coeficiente de mortalidade no Brasil, ele permaneceu inalterado nos últimos anos, variando de 2,1 a 2,3. Apesar disso, esse fato gera preocupação já que uma menor detecção de casos novos e a perda de seguimento do tratamento poderá gerar um aumento da mortalidade pela doença nos próximos anos (BRASIL, 2017,2022b).
O cenário descrito até agora pode ser justificado por alguns fatores. Um dos obstáculos é a semelhança entre a tuberculose e a COVID-19. Ambas se manifestam com febre e sintomas respiratórios, dificultando o diagnóstico diferencial, além de poderem ocorrer simultaneamente (SILVA, D. R. et al., 2021).
A fim de conter o Sars-Cov-2, medidas de enfrentamento à pandemia foram adotadas como o distanciamento social, quarentena e o uso de máscaras faciais. Não propositalmente, isso contribuiu para a redução da transmissão da tuberculose, a qual é semelhante a da COVID-19. Por outro lado, as pessoas passaram mais tempo em casa, o que constitui um fator importante para a propagação da doença, o contato domiciliar. A longo prazo isso poderá levar a um aumento no número de casos pela doença (MIGLIORI et al., 2022; ALENE; WANGDI; CLEMENTS, 2020)
As restrições dificultaram o acesso aos serviços de saúde juntamente com o medo de infecção pelo Sars-cov-2 e o estigma associado a semelhança dos sintomas da TB e COVID- 19, tudo isso comprometeu não só o diagnóstico como também a adesão e continuidade do tratamento (WHO, 2022; ALENE; WANGDI; CLEMENTS, 2020). O diagnóstico tardio, tratamento irregular ou abandono favorecem o desenvolvimento de resistência e nos próximos anos pode ocorrer um aumento da carga de tuberculose multirresistente (TBMR) (SILVA, D. R. et al., 2021).
Em 2020, muitos países relataram realocação de recursos humanos e financeiros da TB para a COVID-19 (WHO, 2020). O mau rastreamento da doença e a não notificação de casos também é um possível problema gerado pela COVID-19 (SOUZA, et al.,2022). Além disso, outros determinantes da TB foram afetados com a pandemia, como desnutrição, pobreza e renda per capita o que já pode estar influenciando tanto a incidência quanto a mortalidade por TB, uma vez que esses são reconhecidamente fatores de risco para o desenvolvimento da doença (WHO,2022).
CONCLUSÕES
A pandemia afetou substancialmente os serviços de diagnóstico, tratamento e prevenção da tuberculose, retrocedendo anos de progresso no enfrentamento da doença. As metas globais para a sua eliminação encontram-se fora do caminho. São inúmeros os fatores que levaram a essa condição, sendo fundamental mais estudos acerca do tema. Há grande necessidade de restaurar o acesso e a prestação de serviços essenciais à TB, intensificando investimentos, principalmente em pesquisa, a fim de encontrar novos produtos e estratégias para o controle da doença.
REFERÊNCIAS
ALENE, K.A.; WANGDI, K.; CLEMENTS, A.C.A. Impact of the COVID-19 Pandemic on Tuberculosis Control: An Overview. Tropical Medicine and Infectious Disease, [S. l.], v. 5, n. 3, p. 123, 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico de Tuberculose. Brasília: Ministério da Saúde, 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico de Tuberculose. Brasília: Ministério da Saúde, 2022b.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Manual de Recomendações para o Diagnóstico Laboratorial de Tuberculose e Micobactérias não Tuberculosas de Interesse em Saúde Pública no Brasil. Brasília : Ministério da Saúde, 2022a.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Brasil Livre da Tuberculose : Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública. Brasília : Ministério da Saúde, 2017.
COSTA, A. G. R. et al. Análise geral do Mycobacterium Tuberculosis e sua repercussão na pandemia da COVID-19: Uma Revisão Bibliográfica. Research, Society and Development, [S. l.], v. 11, n. 4, p. e8111426758, 2022.
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MIGLIORI, G. B. et al. Medidas de confinamento específicas de cada país em resposta à pandemia de COVID-19 e seu impacto no controle da tuberculose: um estudo global. Jornal Brasileiro de Pneumologia, [S. l.], v. 48, n. 2, p. e20220087, 2022.
SILVA, D. R. et al. Tuberculose e COVID-19, o novo dueto maldito: quais as diferenças entre Brasil e Europa? Jornal Brasileiro de Pneumologia, [S. l.] , vol. 47, n. 2, p. e20210044, 2021.
SILVA, L. L. M. ; GARRIDO, R. G. Interação COVID-19/tuberculose: como a persistência de uma doença milenar impacta na gravidade de uma pandemia emergente. Research, Society and Development, [S. l.], v. 10, n. 11, p. e305101119754, 2021.
SOUZA, C. E. A. et al. COVID-19 e a incidência de tuberculose no nordeste: Uma análise transversal. Research, Society and Development, [S. l.], v. 11, n. 9, p. e59411932162, 2022.
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