FREQUÊNCIA DE LESÕES INTRAEPITELIAIS ESCAMOSAS POR REGIÃO DO BRASIL ENTRE JULHO DE 2021 E JUNHO DE 2022
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Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-40
Este trabalho foi escrito por:
Jéssica Estrutti do Prado1; Daniela Etlinger-Colonelli2
1Estudante do curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública com Ênfase em Citologia Oncótica – Instituto Adolfo Lutz, Centro de Patologia, Núcleo de Anatomia Patológica; e-mail: [email protected]
2Biomédica, docente e pesquisadora científica VI – Instituto Adolfo Lutz, Centro de Patologia, Núcleo de Anatomia Patológica.
Resumo: O rastreamento de lesões precursoras do câncer de colo uterino brasileiro é recomendado a mulheres entre 25 e 64 anos, por meio da realização periódica do exame citopatológico, sendo a incidência do câncer heterogênea, com diferenças regionais. O objetivo deste estudo foi descrever a frequência de lesões intraepiteliais escamosas do colo uterino detectadas no exame citopatológico, nas cinco regiões brasileiras entre julho/2021 e junho/2022. Os dados foram obtidos a partir dos dados do Sistema de Informação do Câncer (SISCAN). Para a análise foram calculadas as frequências de lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL), lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL) e carcinoma escamoso nas diferentes regiões, o índice de positividade nacional e regional e a frequência de representatividade da junção escamocolunar (JEC). No período, foram registrados 6.939.223 exames citopatológicos, sendo o índice de positividade nacional de 3,1%. O índice de positividade, frequência de LSIL, HSIL e carcinoma escamoso observados foram respectivamente: região Norte (3,83%; 1,01%; 0,54%; 0,03%), Nordeste (2,83%; 0,65%; 0,36%; 0,01%), Sudeste (2,88%; 0,66%; 0,31%; 0,01%), Sul (3,29%; 0,68%; 0,36%; 0,01%) e Centro-Oeste (4,09%; 0,78%; 0,51%; 0,02%). Do total de exames, a representatividade da JEC foi de 55,2%, sendo que as regiões com representatividade da JEC acima da frequência nacional apresentaram mais exames alterados. A região Norte apresentou maior incidência de lesões, seguida da região Centro-Oeste. Foi demonstrada correlação entre a representatividade da JEC e maior frequência de exames alterados, corroborando dados que reforçam a importância da adequada representatividade celular para melhoria da qualidade do exame.
Palavras–chave: programas de rastreamento, neoplasias do colo do útero, lesões intraepiteliais escamosas, grupos etários, Brasil.
INTRODUÇÃO
O câncer do colo do útero é considerado um problema de saúde pública global. Apesar de ser uma doença prevenível que pode ser detectada e tratada precocemente, ainda representa uma das principais causas de morte em mulheres (FERREIRA et al., 2022; OLUSOLA et al., 2019). A desigualdade social relacionada ao câncer do colo uterino fica evidente, sobretudo, em estudos que demonstram o maior percentual de mortes em países de baixa e média renda (CLARO; LIMA; ALMEIDA, 2021).
No Brasil, com exceção do câncer de pele não melanoma, o câncer do colo do útero é o terceiro mais incidente entre as mulheres. O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) estima 16,35 novos casos a cada 100 mil mulheres para cada ano do triênio 2020-2022 (INCA, 2019). A incidência do câncer do colo do útero no Brasil é heterogênea entre as regiões, sendo mais incidente no Norte e Nordeste (INCA, 2022a).
O colo uterino é revestido pelo epitélio colunar simples no canal endocervical e pelo epitélio escamoso estratificado não queratinizado na ectocérvice. O câncer pode se originar de ambos os epitélios, mas o carcinoma escamoso é mais frequente. A junção entre os dois epitélios é conhecida como junção escamocolunar (JEC) (OLUSOLA et al., 2019; SCHIFFMAN et al., 2016).
A história natural da doença é de lenta evolução, dependente de fatores de risco, sendo a infecção persistente pelo papilomavírus humano (HPV) de alto risco o principal deles. O HPV infecta as camadas basais do epitélio cervical por meio de micro traumas. Nessas camadas são expressos genes precoces, que iniciam a replicação viral e nas camadas superiores ocorre a expressão de genes tardios que completam a formação de novos vírions. Com a descamação das células ocorre a liberação de vírus recém-formados, que podem ou não iniciar uma nova infecção. A associação entre a expressão gênica do HPV e fatores de risco podem resultar em lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL), ou ainda evoluir para lesão intraepitelial de alto grau (HSIL) e se não tratada, devido ao aumento de mutações no DNA das células infectadas, progridem para neoplasia invasiva (WOODMAN; COLLINS; YOUNG, 2007).
A infecção persistente pelo HPV é o principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer de colo do útero. Transmitido sexualmente, o vírus é capaz de infectar mucosas e tecidos cutâneos, causando alterações no genoma das células. Dentre os HPVs de alto risco oncogênico, os tipos 16 e 18 são os mais prevalentes e, consequentemente, os mais associados ao desenvolvimento desse câncer (OLUSOLA et al., 2019). Outros fatores frequentemente relacionados ao câncer de colo uterino são o tabagismo, atividade sexual precoce, múltiplos parceiros sexuais, uso prolongado de anticoncepcionais, multiparidade e infecções por alguns outros agentes (INCA, 2019). Condições socioeconômicas precárias e dificuldade no acesso aos serviços de saúde também são constantemente apontadas como importantes barreiras no controle do câncer de colo de útero (CLARO; LIMA; ALMEIDA, 2021; LOPES; RIBEIRO, 2019).
A realização periódica do exame citopatológico para a detecção precoce de lesões intraepiteliais é uma das ferramentas utilizadas para reduzir a mortalidade pelo câncer de colo uterino, a partir de programas de rastreamento. O exame citopatológico, ou exame de Papanicolau, consiste na análise morfológica de células esfoliadas do colo uterino, que permite a identificação de lesões pré-neoplásicas e o diagnóstico do câncer. No Brasil, o programa de rastreamento teve início na década de 1990 e atualmente é preconizada a realização periódica do exame para mulheres entre 25 e 64 anos que já iniciaram a atividade sexual. Apesar da cobertura populacional atual, o impacto na mortalidade desejado ainda não foi atingido pelo país (INCA, 2016a; SILVA et al., 2022).
Sabendo que as regiões brasileiras apresentam variações de incidência de câncer do colo do útero, principalmente devido às diferenças sociais, econômicas e comportamentais, o presente estudo teve como objetivo conhecer a frequência das lesões precursoras do câncer de colo uterino detectadas no exame citopatológico, nas diferentes regiões brasileiras, além de avaliar a adequabilidade da representatividade celular dos exames.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo observacional realizado a partir de dados do Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), referentes ao rastreamento do câncer do colo de útero no Brasil e regiões, entre julho de 2021 e junho de 2022. Todos os dados utilizados neste artigo são de acesso público e se encontram disponíveis online no site do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Foram coletados dados de exames citopatológicos de colo de útero relativos à representatividade celular, diagnóstico e unidade federativa de realização do exame.
Os dados coletados foram tabulados em Microsoft Excel 365 e estratificados por região. Foram realizados os seguintes cálculos: soma para obtenção do total de cada variável pesquisada; cálculo de porcentagens para as categorias; correlação de Spearman para representatividade da JEC e lesão intraepitelial; índice de positividade nacional e regional (total de exames alterados/total de exames satisfatórios x 100).
Para a revisão da literatura e discussão dos resultados foi realizada a busca dos termos “programas de rastreamento”, “epidemiologia do câncer de colo de útero”, “papilomavírus humano”, “acesso aos serviços de saúde” e “desigualdade em saúde nas regiões brasileiras”, nas bases de dados PubMed, SciELO e Biblioteca Virtual de Saúde (BVS). Após filtrar artigos em inglês e português e realizar a leitura do título, resumo e texto na íntegra, foram selecionadas 20 referências que melhor se adequaram ao tema.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O estudo foi desenvolvido a partir dos dados disponíveis no DATASUS referente aos exames registrados no SISCAN. Vale destacar que parte dos laboratórios no Brasil ainda utiliza a plataforma Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO) (DATASUS, 2022). Deste modo, nossos resultados foram referentes aos exames cadastrados no SISCAN no período estudado. Entre julho de 2021 e junho de 2022 foram registrados 6.939.223 exames citopatológicos de colo uterino no Brasil. Deste total, 0,29% (20.268) foram rejeitados na fase pré-analítica e 1,04% (72.289) foram classificados como insatisfatórios para avaliação.
As maiores frequências de lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL), lesão intraepitelial de alto grau (HSIL) e carcinoma escamoso foram encontradas nas regiões Norte (1,01%; 0,54%; 0,03%) e Centro-Oeste (0,78%; 0,51%; 0,02%) (Tabela 1).
Estudos expressam que a desigualdade regional no país é notável e com impacto direto no controle do câncer do colo do útero, apontando a não captação de todas as mulheres da população de risco, principalmente aquelas que se encontram em situações socioeconomicamente precárias (SILVA et al., 2022). No Brasil, os serviços de saúde são garantidos de forma pública pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com cobertura para toda população, porém, observa-se que residentes de certas regiões, como o Norte e o Nordeste, encontram maiores problemas na utilização desses serviços, principalmente pela dificuldade no acesso. Outros pontos destacados são a prevalência da infecção pelo HPV, a falta de conhecimento, divulgação e conscientização da importância do exame (BARBOSA et al., 2016; CLARO; LIMA; ALMEIDA, 2021).
A representatividade da JEC foi descrita em 55,18% dos exames satisfatórios realizados no território nacional; na análise regional, a região Norte demonstrou maior representatividade (62,39%) e a região Nordeste menor representatividade (49,84%) (Tabela 2).
Dentre os exames satisfatórios, o índice de positividade brasileiro foi de 3,12%. As regiões com representatividade da JEC abaixo da média nacional tiveram o índice de positividade inferior a 3% e as regiões com representatividade superior mostraram índice de positividade acima de 3%, sendo demonstrada correlação moderada entre as variáveis (r = 0,68). A JEC é a região do colo do útero na qual há uma grande quantidade de células jovens em processo de replicação e diferenciação, portanto, é uma área exposta a maior possibilidade de infecção pelo vírus do HPV (SANTOS; RIBEIRO, 2020). Por esse motivo, a presença da JEC na amostra é considerada um indicador de qualidade, visto que o risco de ocorrerem lesões precursoras do câncer nessa região é maior (NAYAR; WILBUR, 2015).
As análises realizadas neste estudo foram desenvolvidas a partir do SISCAN e ponderamos que nem todos os laboratórios que realizam exames na rede pública o utilizam, temos conhecimento de que as bases de dados dos sistemas de informações do SUS nem sempre são adequadamente alimentadas, podendo ocasionar perda de informações (SILVA et al., 2022). Entretanto, o volume de exames avaliados nos permite estimar um panorama nacional da ocorrência de lesões e nos auxiliam na identificação de tendências regionais e temporais, permitindo que ações de melhorias sejam realizadas e que os profissionais responsáveis pela alimentação destas bases de dados se conscientizem da importância da comunicação adequada de seus resultados para que estudos como este tragam benefícios ao rastreamento e detecção precoce do câncer de colo do útero.
CONCLUSÕES
A maior ocorrência de LSIL, HSIL e carcinomas escamosos estão em consonância com os dados da literatura, sendo as regiões Norte e Centro-Oeste as com maiores frequências.
Foi demonstrada correlação entre a representatividade da JEC e a identificação de lesões, corroborando dados que reforçam a necessidade de adequada representatividade da JEC para aumento da qualidade do exame citopatológico.
A educação continuada dos profissionais que trabalham na fase pré-analítica é fundamental para que a falta de representatividade da JEC e exames insatisfatórios sejam evitados.
Ainda, em algumas regiões, há a necessidade de melhoria no acesso aos serviços de saúde, para que o rastreamento seja realizado com maior qualidade, além da elaboração de ações voltadas à conscientização da população e de profissionais sobre a importância do rastreamento no controle do câncer do colo uterino.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, I. R. et al. Desigualdades regionais na mortalidade por câncer de colo de útero no brasil: Tendências e projeções até o ano 2030. Ciência e Saúde Coletiva, v. 21, n. 1, p. 253– 262, 2016.
CLARO, I. B.; LIMA, L. D. DE; ALMEIDA, P. F. DE. Diretrizes, estratégias de prevenção e rastreamento do câncer do colo do útero: as experiências do Brasil e do Chile. Ciência e Saúde Coletiva, v. 26, n. 10, p. 4497–4509, 2021.
DATASUS. Sistema de Informação do Câncer – SISCAN (colo do útero e mama). Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: <https://datasus.saude.gov.br/acesso-a- informacao/sistema-de-informacao-do-cancer-siscan-colo-do-utero-e-mama/>. Acesso em: 14 out. 2022
FERREIRA, M. DE C. M. et al. Detecção precoce e prevenção do câncer do colo do útero: conhecimentos, atitudes e práticas de profissionais da ESF. Ciência e Saúde Coletiva, v. 27, n. 6, p. 2291–2302, 2022.
INCA. Diretrizes Brasileiras para o rastreamento Do Câncer Do Colo Do Útero. 2o ed. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2016a. v. XXXIII
INCA. Manual de Gestão da Qualidade para Laboratório de Citopatologia. 2o ed. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2016b.
INCA. Estimativa 2020: Incidência de Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2019.
INCA. Monitoramento das Ações de Controle do Câncer do Colo do Útero. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2022a.
INCA. Dados e Números Sobre Câncer do Colo do Útero – Relatório Anual 2022. Rio de Janeiro: set. 2022b.
INCA. Incidência. Disponível em: <https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e- profissional-de-saude/controle-do-cancer-do-colo-do-utero/dados-e-numeros/incidencia>. Acesso em: 28 nov. 2022c.
LOPES, V. A. S.; RIBEIRO, J. M. Fatores limitadores e facilitadores para o controle do câncer de colo de útero: uma revisão de literatura. Ciência e Saúde Coletiva, v. 24, n. 9, p. 3431– 3442, 2019.
NAYAR, R.; WILBUR, D. C. The bethesda system for reporting cervical cytology. 3. ed. [s.l.] Springer, 2015.
OLUSOLA, P. et al. Human papilloma virus-associated cervical cancer and health disparities. Cells, v. 8, n. 6, p. 14–16, 2019.
SANTOS, M. J. S.; RIBEIRO, A. A. Estratégias Utilizadas para Melhorar a Qualidade dos Exames Citopatológicos. Revista Brasileira de Cancerologia, v. 66, n. 1, 2020.
SCHIFFMAN, M. et al. Carcinogenic human papillomavirus infection. Nature Reviews Disease Primers, v. 2, 2016.
SILVA, G. A. et al. Avaliação das ações de controle do câncer de colo do útero no Brasil e regiões a partir dos dados registrados no Sistema Único de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 38, n. 7, p. 1–15, 2022.
WOODMAN, C. B. J.; COLLINS, S. I.; YOUNG, L. S. The natural history of cervical HPV infection: Unresolved issues. Nature Reviews Cancer, v. 7, n. 1, p. 11–22, 2007a.