MPOX: CARACTERIZAÇÃO DA DOENÇA
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Capítulo de livro publicado no Livro da IV Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
doi.org/10.53934/9786599965821-26
Este trabalho foi escrito por:
Marcela Oliveira de Toledo1, Cinthya dos Santos Cirqueira2, Amaro Nunes Duarte Neto2, Thaís de Souza Lima2
1Estudante do curso de Vigilância Laboratorial em Saúde Pública- Programa de Imuno-histoquímica- CPA/NAP- IAL; E-mail: [email protected]
2Docente/pesquisador do Depto de Anatomia Patológica – NAP – IAL
Resumo: A Monkeypox (MPOX) é uma doença febril e exantemática aguda, causada por um poxvírus pertencente à família Poxviridae. O primeiro caso foi relatado na África Ocidental e Centralem 1971. Em 2003, houve um surto fora da África, e em maio de 2022 foi confirmado o primeiro caso do atual surto global. O presente estudo teve por objetivo realizar uma revisão bibliográfica visando, compreender os aspectos epidemiológicos e patológicos do MPOX. Foram selecionados artigos através das bases de dados PubMed, Science Direct e Web of Science. Entre os 250 artigos encontrados, 6 foram escolhidos e ajudaram na compreensão sobre o diagnóstico histopatológico, além de apontarem as perspectivas futuras para esse surto. Verificou-se que aumento da vigilância e detecção de casos são ferramentas essenciais para entender a epidemiologia dessa doença reemergente, assim como a contribuição das análises histopatológicas de necropsias, visando elucidar os mecanismos virais específicos e o comprometimento sistêmico pela infecção.
Palavras-chave: Autópsia, histologia
INTRODUÇÃO
A Monkeypox (MPOX) é uma doença febril e exantemática aguda, causada por um poxvírus pertencente à família Poxviridae, uma grande e diversificada família de vírus DNA de fita dupla, que se multiplica no citoplasma das células infectadas (ALAKUNLE etal.,2020). É membro do gênero Orthopoxvirus, grupo que apresenta outros integrantes relevantes como o vírus da varíola (Smallpox), agente causador da varíola e o vírus vaccinia (vírus usado na vacina contra a varíola humana) (WEINSTEIN et al.,2005).
O primeiro caso humano de MPOX na história médica foi relatado em 10 de setembro de 1970, em uma criança de nove meses, na República Democrática do Congo (RDC) desde então, o MPOX tornou-se endêmico em vários países africanos, principalmente na África Central e Ocidental (LIU et al.,2022). Todos os casos na RDC ocorreram em áreas que fazem fronteira com florestas tropicais e pareciam estar associados ao contato com animais (WEINSTEIN et al., 2005).
No verão de 2003, o MPOX foi identificado como a causa de um surto de varíola nos Estados Unidos (EUA), fato que representou a primeira ocorrência de MPOX fora da África. A maioria das pessoas infectadas adoeceu após o contato com cães-da-pradaria domésticados (WEINSTEIN et al., 2005). Desde 2003, casos de MPOX foram relatados em vários países.
Em sete de maio de 2022, no Reino Unido, foi confirmado o 1º caso do atual surto global de MPOX fora de áreas endêmicas. No Brasil, o primeiro caso ocorreu em nove de junho de 2022, registrado no estado de São Paulo (Brasil, 2022). No atual surto a transmissão ocorreu de pessoa para pessoa, sem ligação com viagens aos países endêmicos. Até o momento, as pesquisas não apontam a ocorrência de cadeias de transmissão conhecidas (DE BONA et al., 2022).
Os dois meios possíveis de transmissão do MPOX são a transmissão animal- humano e a transmissão humano-humano. O contato com pele lesionada de uma pessoa infectada, gotículas respiratórias, contato com fluidos corporais, ambiente ou itens contaminados do paciente, foram associados à transmissão humano-humano (ALAKUNLE et al.,2020).
Após um período de incubação de 10 a 14 dias, febre, mal-estar e linfadenopatia são observados, na maioria dos pacientes, antes do desenvolvimento de erupção cutânea (WEINSTEIN et al., 2005). A lesão cutânea típica progride através de um estágio papular, vesicular, pustulosa e crostosa, durante um período de 14 a 21 dias, antes que a descamação da crosta deixe uma cicatriz despigmentada (GARNER, 2005). A MPOX é geralmente uma doença autolimitada que dura de 2 a 4 semanas, até que as lesões descamam, mas pode resultar em doença grave em crianças e pacientes com imunodeficiências (LIU et al.,2022)
No atual surto, a maioria dos casos ocorreu em homens que se identificam como homens que fazem sexo com outros homens (HSH), com histórico de exposição durante a relação sexual. Acredita-se que a transmissão através do contato sexual, seja o principal fator do surto atual (CCD, 2022).
O diagnóstico laboratorial é feito por método molecular, que envolve o uso de PCR em tempo real (qRT-PCR). Como método alternativo, está disponível o exame histopatologico, com a pesquisa imuno-histoquímica, que permite a detecção do antígeno viral no tecido, distinguindo entre as infecções por poxvírus e herpes vírus, reservado para casos em que o diagnóstico diferencial é nebuloso, e com poucos relatos na literatura (ALAKUNLE et al,2020).
O único fármaco disponível para tratamento do MPOX é o Tecovirimat (comercializado como TPOXX, SIGA Technologies, USA), um antiviral que inibe a replicação do patógeno. Na última semana de agosto, o Brasil recebeu os primeiros antivirais para o tratamento sendo autorizado o uso compassivo em casos graves da doença (Brasil, 2022).
MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo trata-se de uma revisão bibliográfica cujas bases de dados escolhidas para seleção de artigos foram, PubMed, Science Direct e Web of Science. As palavras-chave empregadas para a busca de estudos cientificos originais foram “monkeypox”, “histology”, “histopathology”, “autopsy” com o proposito de ressaltar os principais dados epidemiologicos e histopatologicos da doença.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As doenças reemergentes indicam uma mudança no comportamento epidemiológico de doenças conhecidas, que haviam sido contidas, mas que voltaram a configurar ameaça a saúde humana, como por exemplo, o surto de MPOX em 2022 (DE BONA et al., 2022).
Através da pesquisa dentro da base de dados PubMed, utilizando as palavras chaves
“monkeypox”, “histology”, “histopathology”,”autopsy”, foram encontrados 250 artigos. Os abstracts dos artigos foram examinados e seis artigos foram selecionados, pois se enquadravam como artigos originais sobre a histopatologia do MPOX, descrevendo a patologia da doença ocorrida durante o atual surto e epidemias anteriores, em diferentes regiões do mundo, conforme quadro 1.
A literatura apresenta poucos relatos sobre achados histológicos, o presente trabalho utilizou dois estudos de surtos anteriores, um ocorrido no Zaire, área endêmica no ano de 1985 e o outro nos estados unidos em 2005, os demais são relatos do atual surto.
Oito dos casos de biopsia de pele citados, foram em pacientes que se enquadram nas seguintes características: todos do sexo masculino que se identificaram como HSH. Já o artigo de Garner (2005) não menciona a opção sexual dos pacientes. O diagnóstico foi confirmado por meio de método molecular em todas as biopsias de pele, e apenas um paciente era HIV positivo. O artigo de Stagles (1985) relatou o caso de uma criança que morreu após uma doença de cinco dias, no Zaire. Foi o primeiro relato da histopatologia deuma lesão cutânea de MPOX no ser humano.
Em todos os casos citados e descritos, a apresentação clínica foi similar, todos tiveram lesões cutâneas vesicopustulosas típicas e linfadenopatia, somente um apresentou complicações graves ocasionando o óbito. No surto atual, uma característica comum entre os casos foi a localização das lesões, elas estão presentes em sua maioria na região genital e ânus, diferente dos relatos anteriores onde as lesões apareciam no rosto, na palma das mãos e na sola dos pés (PATEL et al.,2022)
Os achados histopatológicos foram homogêneos em vários pontos nos onze pacientes, demonstrando degeneração balonizada dos queratinócitos, queratinócitos necróticos, contendo corpos de inclusão eosinofílicos, esféricos, homogêneos, intracitoplasmáticos do tipo Guarnieri, presença de infiltrado inflamatório dérmico misto, às vezes, com eosinófilos e linfócitos profundos perivasculares.
A histopatologia em outros órgãos não foi relatada, apesar da literatura já descrever complicações clínicas desde os surtos anteriores a 2022, como o caso descrito por Stangles (1985), onde não ocorreu nenhuma investigação em outros órgãos para determinar a extensão da doença, seu comprometimento sistêmico e a possível causa do óbito.
Uma situação parecida ocorreu com Menezes et al. (2022) que relata a primeira morte por MPOX fora da área endêmica, que ocorreu no Brasil no final de julho de 2022.
O homem de 41 anos, portador do vírus HIV e que se identificava HSH, relatou seu último ciclo de quimioterapia em cinco de julho de 2022, para o tratamento de linfoma difuso de grandes células B com metástases na coluna, crânio e fígado (MENEZES et al.,2022). As primeiras lesões cutâneas surgiram na fronte e rapidamente progrediu para o restante do corpo, o quadro clínico evoluiu rapidamente, o paciente desenvolveu repentinamente dificuldade respiratória grave, lesão renal aguda e falência múltipla de órgãos, sendo transferido para a unidade de terapia intensiva (UTI) onde faleceu (MENEZES et al.,2022).
As disfunções em múltiplos órgãos sugeriram que a causa mais provável da morte fosse sepse, mas não houve crescimento bacteriano em várias hemoculturas e o paciente estava sob antibioticoterapia de amplo espectro. Menezes et al. (2022) levantou outras hipóteses, incluindo um envolvimento visceral da doença e destacou como limitação a falta de uma necropsia. A realização de uma necropsia ajudaria a determinar até que ponto o MPOX afetou o organismo do paciente, determinando se a morte de fato foi causada por MPOX ou se o paciente foi a óbito, devido uma condição de saúde subjacente. Este unico artigo demonstra carencia de relatos investigativos acerca da causa das mortes, apontando como perspectivas futuras, a necessidade da ampliação de estudo anatomopatologico das necropsias para a contribuição da elucidação de obitos suspeitos por MPOX.
CONCLUSÃO
De acordo com esse trabalho podemos esclarecer que, o atual surto demonstra mudanças no padrão de transmissão, que antes eram em sua maioria por contato direto com animais e, agora os relatos são de transmissão humano-humano, através do contato com feridas infecciosas e fluidos corporais. Tendo em sua maioria, ocorrido na população HSH, apresentando comumente lesões na região genital, mostrando um padrão diferente dos casos típicos, em que as lesões estavam presentes na cabeça, palma das mãos e planta dos pés.
À luz do exposto, é possível inferir que a limitação do estudo está relacionada aos casos de óbitos por MPOX, nos dois artigos citados não ficou claro se a morte foi relacionada à infecção ou devido a outros agravos de saúde. Portanto, a causa primária da morte relacionada ao MPOX ainda não está clara, um aumento da vigilância e da caracterização minuciosa dos casos, será ferramenta essencial para entender a epidemiologia de doença, assim como análises histopatológicas de necropsias futuras são necessárias para elucidar o comportamento sistêmico do vírus.
REFERÊNCIAS
- ALAKUNLE, Emmanuel et al. Monkeypox virus in Nigeria: infection biology, epidemiology, and evolution. Viruses, v. 12, n. 11, p. 1257, 2020.
- WEINSTEIN, Robert A. et al. Reemergence of monkeypox: prevalence, diagnostics, and countermeasures. Clinical infectious diseases, v. 41, n. 12, p. 1765-1771, 2005.
- LIU, Jun et al. Rettrospective detetection of monkeypox virus in the testes of nonhuman primate survivors. Nature Microbiology, p. 1-7, 2022
- Brasil. Brasil confirma primeiro caso de monkeypox. Ministério da Saúde. Disponível em:https://www.gov.br/saude/ptbr/search?Searchabletext=monkeypox. Acesso em: 28 nov. 2022.
- DE BONA SARTOR, Elisiane et al. Emergência e ressurgimento de doenças infecciosas: Os desafios das fronteiras sanitárias. Visão Acadêmica, v. 23, n. 3, 2022.
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- MARONESE, Carlo A. et al. Clinical, dermoscopic and histopathological findings in localized human monkeypox: a case from northern Italy. The British journal of dermatology, v. 187, n. 5, p. 822-823,2022.
- KHAN, Samavia; RAZI, Shazli; RAO, Babar. It’s here, monkeypox: A case report.
JAAD Case Reports, v. 28, p. 61-63, 2022 - CHALALI, Faris et al. Histological features associated with Human Monkeypox Virus Infection in 2022 outbreak in a non-endemic country.Clinical Infectious Diseases, 2022.
- RAMOS‐ RODRÍGUEZ, Daniel et al. Dermoscopy of Monkeypox:histopathology and clinical correlation. Journal of the European Academyof Dermatology and Venereology, 2022.
- STAGLES, M. J. et al. The histopathology and electron microscopy of ahuman monkeypox lesion. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, v. 79, n. 2, p. 192-202, 1985.
- PATEL, Aatish et al. Clinical features and novel presentations of human monkeypox ina central London centre during the 2022 outbreak: descriptive case series. bmj, v. 378, 2022.
- MENEZES, Yargos Rodrigues; MIRANDA, Alexandre Braga de. Severe disseminatedclinical presentation of monkeypox virus infection in na immunosuppressed patient: first death report in Brazil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 55, 2022.