AVALIAÇÃO DAS CEPAS COM RESULTADOS NEGATIVOS PARA O COMPLEXO Mycobacterium tuberculosis NO TESTE GENOTYPE MTBDRplus NA ROTINA DO NÚCLEO DE TUBERCULOSE E MICOBACTERIOSES
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Leonora Feitosa De Carvalho1; Juliana Maira Watanabe Pinhata2
1Estudante do Curso de Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – CB – IAL; E-mail: [email protected]
2Pesquisadora Científicado Núcleo de Tuberculose e Micobacterioses – CB – IAL.
RESUMO
O Núcleo de Tuberculose e Micobacterioses (NTM) é o laboratório de referência estadual para tuberculose, e recebe cepas de micobactérias enviadas pelos laboratórios públicos do estado de São Paulo. No NTM, as cepas sugestivas de Mycobacterium tuberculosis com critérios para teste de sensibilidade são submetidas ao teste GenoType MTBDRplus (fita Hain). As cepas sugestivas de micobactérias não tuberculosas (MNTs) são enviadas para identificação da espécie. Este trabalho avaliou as cepas identificadas presuntivamente como M. tuberculosis encaminhadas para a fita Hain, mas que tiveram resultado negativo para M. tuberculosis, caracterizando-as quanto aos seus aspectos macroscópicos e ao resultado de identificação. Entre fevereiro/2019 a agosto/2021, 13.144 cepas foram encaminhadas para a fita Hain. Destas, 424 (3,2%) foram negativas para M. tuberculosis, sendo que 377 (88,9%) foram encaminhadas para identificação de espécie. Das culturas encaminhadas para identificação, 235 (62,3%) possuíam características de crescimento de M. tuberculosis, 113 (30%) apresentavam características de contaminação, 27 (7,2%) tinham pouco crescimento e 2 (0,5%) foram identificadas visualmente como mistura de M. tuberculosis+MNT (0,5%). As espécies de MNT mais prevalentes foram M. fortuitum (n=71, 18,8%), M. abscessus (n=28, 7,4%),complexo M. avium (n=26, 6,9%),complexo M. kansasii (n=21, 5,6%) e M. intracellulare/M. chimaera (n=20, 5,3%). A análise presuntiva das culturas e a posterior identificação da espécie de micobactéria são muito importantes, pois permitem a diferenciação entre M. tuberculosis e MNTs. Algumas espécies de MNTs podem apresentar floculação com ou sem turbidez em meio líquido, características comuns a M. tuberculosis, confudindo o observador no momento da triagem das culturas.
Palavras-chave: complexo Mycobacterium tuberculosis; fita Hain; GenoType MTBDRplus; micobactérias não tuberculosas
INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é uma doença contagiosa e crônica que atinge principalmente os pulmões. A forma clássica de transmissão da TB pulmonar acontece por via respiratória, de pessoa a pessoa, quando o doente com a forma ativa da doença tosse, fala ou espirra, eliminando os bacilos (DUCATI et al., 2015).
O principal agente etiológico da TB é o Mycobacterium tuberculosis. Outras espécies de micobactérias que causam TB são M. bovis (M. bovis subsp. bovis e M. bovis BCG), M. microti, M. africanum, M. caprae, M. pinnipedi, M. canettii, M. suricattae, M. dassie, M. orygis e M. mungi. Essas espécies de micobactérias, juntamente com o M. tuberculosis, são estritamente patogênicas e fazem parte do complexo M. tuberculosis, infectando tanto o homem como alguns animais. O M. leprae, agente etiológico da hanseníase, é a outra espécie estritamente patogênica dentro do gênero Mycobacterium (COSCOLLA E GAGNEUX, 2014; TORTORA et al., 2017).
As micobactérias não tuberculosas (MNTs) são espécies de micobactérias encontradas amplamente distribuídas no ambiente, sendo consideradas patógenos oportunistas principalmente em imunodeprimidos, causando infecções que são conhecidas como micobacterioses (BRASIL, 2021).
O Núcleo de Tuberculose e Micobacterioses (NTM) do Instituto Adolfo Lutz é o laboratório de referência estadual para TB, e recebe culturas de micobactérias enviadas pelos laboratórios públicos do estado de São Paulo. No NTM são analisadas as culturas em meio líquido e sólido e dependendo de suas características macroscópicas, estas são identificadas presuntivamente como M. tuberculosis ou MNT. As cepas sugestivas de M. tuberculosis cujos pacientes possuam critérios para o teste de sensibilidade seguem para a identificação e detecção de mutações associadas à resistência aos fármacos de 1ª linha pelo kit GenoType MTBDRplus (Hain Lifescience, Alemanha), aqui denominado fita Hain, implantado na rotina do NTM em fevereiro de 2019. As culturas sugestivas de MNT são enviadas para identificação da espécie.
O objetivo deste trabalho é descrever as características das cepas identificadas presuntivamente como M. tuberculosis que apresentaram resultado negativo no teste de fita Hain para o complexo M. tuberculosis. Pretende-se, assim, avaliar os fatores e as características dessas culturas que interferem diretamente nos erros do processo, buscando corrigir e melhorar a identificação presuntiva das espécies de micobactérias e seu direcionamento para os testes, garantindo um resultado eficaz no método de triagem e economia de tempo e insumos no laboratório, além de diminuir as perdas e atrasos nos exames.
MATERIAL E MÉTODOS
O NTM recebe culturas de micobactérias isoladas em meio líquido ou meio sólido dos laboratórios públicos do estado de São Paulo, para que seja realizada a identificação de espécie e o teste de sensibilidade pelo método de fita Hain (HAIN LIFESCIENCE, 2015). A triagem para este teste é feita através da análise das características de crescimento das culturas para que estas possam ser identificadas presuntivamente como sendo do complexo M. tuberculosis ou MNTs.
As bactérias do complexo M. tuberculosis isoladas em meio sólido apresentam colônias de cor creme, rugosas e de aspecto seco. O crescimento em meio líquido deve estar límpido e com presença de floculação (PINHATA et al., 2018). Uma vez identificadas presuntivamente como sendo do complexo M. tuberculosis, as culturas são enviadas para o teste de fita Hain.
Como a fita Hain é um teste molecular e detecta apenas sequências específicas de DNA do M. tuberculosis, as culturas visualmente contaminadas e com pouco crescimento, mas com aspecto das colônias do complexo M. tuberculosis, são também enviadas para o teste.
As colônias das MNT em meio sólido apresentam-se de cor creme ou pigmentada, lisas, úmidas ou rugosas. Em meio líquido, elas apresentam crescimento turvo e/ou pigmentado, mas também podem estar floculadas. Culturas com essas características são enviadas para a identificação molecular da espécie pela técnica Speed-Oligo Mycobacteria (Vircell, Espanha). As MNTs que não puderem ser identificadas por esta técnica são encaminhadas para a metodologia in house de PRA-hsp65, onde uma PCR é realizada para a amplificação de uma sequência de 440 pb do gene hsp65, presente em todas as espécies de micobactérias (CHIMARA et al., 2008).
Para a análise dos dados, criou-se uma planilha no programa Excel para onde foram repassadas todas as informações constantes nas listas de realização do teste de fita Hain, contendo os seguintes dados das cepas encaminhadas para o teste: tipo de meio de cultura onde foram isoladas, número da amostra, número da cepa, resultados do teste e possíveis observações.
Os resultados tanto dos testes de fita Hain como da identificação da espécie de micobactéria liberados no sistema GAL (Gerenciamento de Ambiente Laboratorial) foram obtidos por meio da geração de relatórios epidemiológicos, em formato compatível com o Excel. Estes dados foram agrupados aos dados levantados a partir das listas do teste de fita Hain.
A partir do banco de dados criado, foram avaliados: (i) o número e frequência de cepas com resultado negativo para o complexo M. tuberculosis no período de estudo, (ii) os anos de recebimento das cepas, (iii) o tipo de meio de cultura (sólido ou líquido) no qual a cepa foi isolada, (iv) as características macroscópicas das culturas e (v) o número e frequência das espécies de MNT identificadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No período de fevereiro de 2019 a agosto de 2021, 13.144 cepas foram submetidas ao teste de fita Hain, sendo que 424 (3,2%) tiveram resultado negativo para o complexo M. tuberculosis. Esta baixa taxa de isolados negativos para o complexo M. tuberculosis encaminhados para a fita Hain demonstra que a triagem das culturas através da observação visual é bastante acurada.
A Tabela 1 mostra os critérios avaliados referentes às 424 cepas negativas no teste de fita Hain. As maiores frequências de cepas negativas no teste foram observadas em 2019 (n=172, 40,6%) e em 2020 (n=183, 43,2%). Dentre as 424 cepas, 345 (81,4%) estavam semeadas em meio de MGIT e 75 (17,7%) em meio sólido (Tabela 1).
Foram enviadas para identificação de espécies 377 (88,9%) cepas, sendo que 113 (30,0%) estavam visualmente contaminadas, 235 (62,3%) estavam visualmente puras e com características de M. tuberculosis, 27 (7,2%) tinham pouco crescimento e 2 (0,5%) foram identificadas visualmente como mistura de M. tuberculosis + MNT (0,5%) (Tabela 1).
Das 47 (11,1%) cepas que tiveram o resultado liberado direto da fita Hain, ou seja, não foram encaminhadas para identificação, 2 (4,3%) foram liberadas como culturas contaminadas, 5 (10,6%) como complexo M. tuberculosis após a realização do teste imunocromatográfico TBAg MPT64 e 40 (85,1%) como não houve crescimento de BAAR (bacilos álcool-ácido resistentes), o que significa que havia pouco ou nenhum crescimento na cultura, impedindo a realização da identificação (Tabela 1).
A Tabela 2 mostra as espécies de micobactérias identificadas a partir das culturas visualmente puras e das culturas visualmente contaminadas. Dentre as 113 (30,0%) culturas que estavam visualmente contaminadas, mas foram encaminhadas para a fita Hain por possuírem também características visuais de M. tuberculosis, as espécies mais frequentes isoladas foram M. fortuitum (n=29, 25,7%), M. intracellulare/M. chimaera (n=9, 8,0%), complexo M. avium (n=8, 7,1%), M. peregrinum (n=7, 6,2%), M. abscessus (n=6, 5,3%) e M. gordonae (n=6, 5,3%). Em 16 culturas (14,2%) foi liberado o resultado de não houve crescimento de BAAR. Pinhata e col. (2018) observaram que espécies de MNT como M. intracellulare/M. chimaera, M. nebraskense e micobactérias de crescimento rápido podem apresentar crescimento floculado e turvo em meio líquido de MGIT, levando o observador a interpretar essas características como sendo de M. tuberculosis com contaminação.
Entre as culturas puras, ou seja, com características de M. tuberculosis, as espécies mais frequentes isoladas foram M. fortuitum (n=41, 17,4%), M. abscessus (n=21, 8,9%), M. kansasii (n=15, 6,3%), M. avium (n=14, 6,0%) e M. peregrinum (n=12, 5,1%). Em 28 culturas (11,9%) foi liberado o resultado de Não houve crescimento de BAAR (Tabela 2). Pinhata e col. (2018) observaram crescimento característico de M. tuberculosis (floculado em MGIT) em espécies como M. fortuitum, M. intracellulare/M. chimaera, M. gordonae, M. avium, M. chelonae e M. abscessus, semelhante ao encontrado neste trabalho.
Tabela 2 – Número e freqüência das espécies identificadas a partir das culturas contaminadas e puras após análise visual e que tiveram resultado negativo para o complexo Mycobacterium tuberculosis no teste de fita Hain
Entre as 27 culturas com pouco crescimento negativas para o complexo M. tuberculosis na fita Hain, 9 não puderam ser identificadas devido ao pouco crescimento e 2 foram identificadas apenas como sendo do gênero Mycobacterium. O restante das espécies identificadas foram: complexo M. avium (n=4), M.lentiflavum/M. florentinum/M. simiae (n=3), M. gordonae (n=2), M. intracellulare/M.chimaera (n=2), complexo M. kansasii, M. abscessus, M. fortuitum, M.lentiflavum/M. florentinum/M. simiae e M. neoaurum/M. parafortuitum, com 1 isolado cada.
Das 2 culturas identificadas visualmente como sendo mistura de M. tuberculosis + MNT e negativas na fita Hain, 1 foi identificada como sendo mistura de micobactérias (cultura mista) e a outra como M. lentiflavum/M. florentinum/M. simiae.
De acordo com o Manual de Recomendações para o diagnóstico e tratamento das doenças causadas por micobactérias não tuberculosas no Brasil (BRASIL, 2021), entre 2013 a 2019, as espécies mais prevalentes causadoras de micobacterioses em São Paulo foram as do complexo M. avium, complexo M. abscessus, complexo M. fortuitum e M. kansasii, corroborando os resultados do nosso estudo.
CONCLUSÕES
Podemos concluir que a análise presuntiva das culturas e a posterior identificação da espécie de micobactéria são muito importantes na rotina do laboratório, pois permitem a diferenciação entre o complexo M. tuberculosis e as MNTs. Como os sinais e sintomas da TB pulmonar são semelhantes aos das micobacterioses pulmonares, identificar a espécie causadora de doença é primordial para se indicar o tratamento correto.
Algumas espécies de MNTs apresentam floculação com ou sem turbidez em meio líquido de MGIT, aspectos que confundem o observador no momento da triagem das culturas, pois são características comuns ao complexo M. tuberculosis, causando erros no direcionamento das culturas. Portanto, otreinamento dos técnicos que realizam a triagem macroscópica e microscópica das culturas é de extrema importânciapara o laboratório, visto que um direcionamento incorreto das culturas gera gastos, acúmulo de trabalho e atraso no laudo do paciente.
AGRADECIMENTOS
A Aparecida A. Pereira pelo recepcionamento das amostras no laboratório; a Andreia R. Souza, Erica Chimara, Fernanda C. S. Simeão, Juliana F. Gallo e Romilda A. Lemes pela realização da identificação da espécie; a Fabiane M. A. Ferreira, Sonia M. Costa, Vera L. M. Silva e Rosângela S. Oliveira pela realização dos testes de fita Hain; a Flavia F. Mendes e Gabriela M. Moraes pela contribuição no levantamento dos dados; e a Rosângela S. Oliveira, Angela P. Brandão e Lucilaine Ferrazoli pelas contribuições científicas.
REFERÊNCIAS
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Recomendações para o diagnóstico e tratamento das doenças causadas por micobactérias não tuberculosas no Brasil. P95. Brasília: 2021.
2. CHIMARA, E. et al. Reliable identification of mycobacterial species by PCR-restriction enzyme analysis (PRA)-hsp65 in a reference laboratory and elaboration of a sequence-based extended algorithm of PRA-hsp65 patterns. BMC Microbiol. 2008; 8, 48.
3. COSCOLLA, M.; GAGNEUX, S. Consequences of genomic diversity in Mycobacterium tuberculosis. Semin Immunol. 2014; 26:431–44.
4. DUCATI, R. G. et al. Micobactérias. Microbiologia Médica. 6ed. São Paulo: Editora, Atheneu: 2015.
5. HAIN LIFESCIENCE. GenoType MTBDRplus. Hain Lifescience. Versão 2.0; 06/2015. Disponível em:
https://www.hainlifescience.de/include_datei/kundenmodule/packungsbeilage/download.php?id=936. Acesso em: 18 out. 2021.
6. PINHATA, J. M. W. et al. Growth characteristics of liquid cultures increase the reliability of presumptive identification of Mycobacterium tuberculosis complex. J Med Microbiol. 2018; 67(6):828-33.
7. TORTORA, G. J.; FUNKE, B.R.; CASE, C. Microbiologia. 12ª ed. Porto Alegre: Atheneu, 2017.
8. VIRCELL. Instrução de uso do produto. Disponível em: https://vircell.com.br. Acesso em: 20 set. 2021.