COMPARAÇÃO DE DIFERENTES PROTOCOLOS PARA AVALIAÇÃO DE AGENTES CAOTRÓPICOS PARA ANÁLISE DO ÍNDICE DE AVIDEZ DE ANTICORPOS IgG EM CAMUNDONGOS IMUNIZADOS COM VESÍCULAS DE MEMBRANA EXTERNA DE NEISSERIA MENINGITIDIS
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Jéssica Silva Santos¹; Elizabeth Natal de Gaspari²
¹Estudante do Curso de Vigilância Epidemiológica Laboratorial em Saúde Pública- CIM- Instituto Adolfo Lutz; E-mail: [email protected]
²Pesquisadora do Centro de Imunologia- CIM- Instituto Adolfo Lutz
Resumo: A resposta imune a vacinas, importante ferramenta em saúde pública, é amparada por ensaios laboratoriais, como a avaliação de anticorpos. Testes que indiquem a funcionalidade dos anticorpos são importantes, pois demonstram as propriedades dessas imunoglobulinas. Tratando-se da doença meningocócica invasiva, o teste funcional para correlato de proteção é o ensaio de atividade bactericida sérica, que revela a capacidade das imunoglobulinas de lisar o meningococo. Porém, este ensaio tem aplicação limitada devido ao elevado nível de biossegurança e refinamento técnico para manipulação da cepa viva, tempo de execução e custo. Em contrapartida, o ensaio de avidez indica a força de ligação entre o antígeno e os anticorpos, sendo capaz de sugerir a atividade bactericida do soro, e pode ser realizado a partir de uma técnica simples de ELISA modificado. Todavia, o protocolo utilizado pode interferir nos resultados finais. Neste trabalho, serão comparados os efeitos de agentes caotrópicos e diferentes temperaturas de incubação nos resultados de ensaio de avidez com soro de camundongos imunizados com antígenos de Neisseria meningitidis, a fim de se destacar a importância da padronização desse ensaio, que pode ser utilizado como ferramenta para estudo de vacinas.
Palavra-chave: agente caotrópico; avidez; doença meningocócica; vacinas
INTRODUÇÃO
Neisseria meningitidis é uma bactéria pertencente à família Neisseriaceae, gram-negativa, fastidiosa, em formato de diplococos, aeróbico e que pode ou não apresentar cápsula. Seu crescimento ideal necessita de uma temperatura entre 35 a 37ºC com 5-10% (v/v) de CO2 (dióxido de carbono), sua cultura pode ocorrer nos meios: ágar sangue, ágar triptona soja, ágar chocolate suplementado e ágar Mueller-Hinton (ROUPHAEL; STEPHENS, 2011).
A bactéria N. meningitidis apresenta alguns fatores de virulência que otimizam sua capacidade de invasão e aumentam sua sobrevivência no organismo hospedeiro, um dos fatores de virulência é a cápsula que auxilia na invasão em ambientes estéreis como o sangue e o líquido cefalorraquidiano protegendo a bactéria contra a resposta do sistema imunológico (SIDDIQUI; AMEER; GULICK, 2021). Além disso o meningococo é envolto por uma membrana externa que apresenta pili, proteínas de membrana externa e lipooligossacarídeos (LOS) que de acordo com sua constituição de antígenos expressos irá classificar a bactéria nos 12 sorogrupos: A, B, C, E, H, I, K, L, M, W, X, Y e Z, sendo que os de maior patogenicidade são o A, B, C, W e Y responsáveis por 90% dos casos da doença meningocócica invasiva (ROMANELLI, 2012; PIZZA; BEKKAT-BERKANI; RAPPUOLI, 2020).
A doença meningocócica invasiva (DMI) pode ser potencialmente mais grave e fatal na infância, seguida pela ocorrência na adolescência e por fim em jovens adultos, a infecção por Neisseria meningitidis pode resultar em choque séptico se manifestando como meningite, septicemia ou uma associação de ambas com acometimento súbito e potencialmente fatal entre 24 a 48 horas do início dos sintomas e com taxa de letalidade de 20%, mesmo em casos de recuperação pode permanecer sequelas como a perda auditiva, doenças no neurodesenvolvimento e amputações (SIDDIQUI; AMEER; GULICK, 2021) (PIZZA; BEKKAT-BERKANI; RAPPUOLI, 2020).
A vacinação é uma medida profilática que se fundamenta no reconhecimento dos polissacarídeos capsulares associados ou não adjuvantes, atualmente estão disponíveis contra os sorogrupos A, C, W e Y. O sorogrupo B é o objeto de intensas pesquisas no atual momento, uma vez que apresenta dificuldade na elaboração de uma vacina por possuir a estrutura do seu polissacarídeo semelhante ao ácido polisiálico presente nas células humanas, gerando o risco de estimular uma resposta autoimune através da vacinação para este sorogrupo (ANDREWS; POLLARD, 2014).
O Programa Nacional de Imunização (PNI) foi criado em 18 de setembro de 1973 por determinação do Ministério da Saúde, com o objetivo de coordenar as ações de imunização. Em 1975 o PNI é institucionalizado por fatores nacionais e internacionais que estimulam a utilização e expansão dos agentes imunizantes, com o objetivo de garantir a integridade das ações de imunização no país e é fortalecido pela legislação sobre imunizantes e vigilância epidemiológica Lei 6.259 de 30-10-1975 e Decreto 78.231 de 30-12-1976 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003)
A avidez é dada através da interação bivalente e multivalente entre um epítopo e um anticorpo. Sua análise é importante uma vez que pode ser empregada como critério auxiliar para avaliação da eficácia da resposta a vacinas, uma vez que anticorpos que apresentam alta afinidade podem gerar uma função otimizada e ser indicativos de anticorpos com maior potencial protetor (CORRÊA et al., 2021). O ensaio de ELISA é o método mais simples e rápido para análise do índice de avidez e por isso é a metodologia mais comum empregada, entretanto, outras técnicas também permitem a análise do índice de avidez como a precipitação com sulfato de amônio, radioimunoensaio em fase sólida e ressonância plasmônica de superfície (CORRÊA et al., 2021).
O tiocianato de potássio (KSCN) é um dos principais agentes caotrópicos empregado nos estudos de nosso laboratório, entretanto é descrito na literatura o uso de Ureia e Dietanolamina como agentes caotropicos para a análise do índice de avidez. Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo analisar se há diferenças na efetividade de ação dos três agentes caotrópicos citados e analisar se a exposição em diferentes temperaturas poderia ser um fator de otimização da reação.
MATERIAIS E MÉTODOS
A cepa de N. meningitidis B:4:P1.9 empregada no ensaio se originou através da amostra clínica de um indivíduo brasileiro que desenvolveu a doença invasiva durante uma epidemia de Meningococo B e foi isolada pelo Centro de Bacteriologia do Instituto Adolfo Lutz. A partir desta cepa obteve-se as preparações antigênicas, vesículas de membrana externa (OMVs) empregadas na imunização, suspensões de células integras e ensaios laboratoriais. As cepas liofilizadas foram reativadas em ágar chocolate (Difco Laboratories) e então, cultivadas em caldo soja tripticaseína (TSB) (Difco Laboratories), suplementado com 1% de soro de cavalo (Sigma Chemical Company), a 37ºC, durante 24 horas. Para extrair as suspensões de células íntegras, as placas foram cobertas com tampão-fosfato salino (PBS) (pH 7,4)-0,02% azida sódica e homogeneizou-se as células gentilmente com alça de Drigalski. A suspensão foi transferida para tubos e inativada por calor, em banho-maria 56ºC por 30 minutos. Mensurou-se a densidade ótica (DO) a 600 nm e conservou-se a suspensão a 4ºC. A extração das OMVs seguiu a descrição de De Gaspari e Zollinger (2001).
O estudo utilizou amostras provenientes de ensaio que comparou a imunização de camundongos de meia-idade com OMVs complexadas a hidróxido de alumínio (HA) ou brometo de dioctadecildimetilamônio (DDA) como adjuvantes (TRZEWIKOSWKI DE LIMA et al., 2021), conforme aprovação pelo Comitê de Ética e Uso Animal (CEUA) IAL-Pasteur, nº 06/2012. Utilizou-se camundongos (Mus musculus), fêmeas, da linhagem heterogênea Swiss (não isogênicos), com 12 meses de vida (meia-idade), provenientes do Biotério de Criação do Instituto Adolfo Lutz (São Paulo, SP, Brasil). Imunizou-se os camundongos com 3 doses subcutâneas de 100 µL de preparações antigênicas descritas na tabela 1, nos dias 0, 20 e 35. As amostras utilizadas neste estudo foram coletadas por punção do plexo oftálmico nos dias 0 (controle pré-imune) e no dia 50, ou seja, 15 dias após a última dose. Após coleta, o sangue foi separado por centrifugação e armazenou-se o soro a -20ºC. A obtenção e caracterização das preparações antigênicas está descrita em Trzewikoswki de Lima et al. (2021).
Para determinação da avidez utilizou-se o ensaio de ELISA indireto empregando placas MaxiSorp Loose Nunc-immuno module. A placa foi sensibilizada com antígeno Whole Cells diluídas em tampão fosfato-salino (PBS) até a densidade óptica de 0,1nm. As lavagens foram realizadas com solução de PBS-tween 0,05% e o bloqueio realizado com diluição 5% de leite-PBS-tween 0,05%. Como amostra, empregou-se soro de camundongos da linhagem swiss imunizados com a terceira dose para OMV de N. meningitidis diluídos 1:3200. Utilizou-se como agentes caotrópico o Tiocianato de potássio (KSCN), ureia e Dietanolamina (DEA) incubando em câmara úmida e expondo nas temperaturas 4ºC, temperatura ambiente (TA) e 37ºC. Como anticorpo conjugado utilizou-se Anti-IgG de camundongos marcado com peroxidase cadeia pesada específico (γ) da KPL (Lote: 10219636) diluído 1:20.000 em PBS-tween em leite 2,5%. Empregou-se como substrato cromogênico a tetrametilbenzidina (TMB) e para solução stop ácido sulfúrico (H2SO4).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para determinação do índice de avidez foi medido a resistência dos complexos de antígeno-anticorpo em exposição aos agentes KSCN, ureia e DEA em condições de temperatura de 4°C, temperatura ambiente e 37ºC por 20 minutos. O índice de avidez foi calculado realizando a média das duplicatas das densidades óptica (DO) das amostras e posteriormente realizando o cálculo para o índice de avidez que é dado pela divisão da DO do soro tratado com o agente caotrópico dividido pela DO do soro sem tratamento e o resultado multiplicado por 100. A interpretação do resultado obtido é representada pela tabela 2.
O levantamento das publicações disponíveis na base de dados do PubMed até a data de 04/01/2022 demonstrou uma prevalência no uso do Tiocianato de Potássio, enquanto outros agentes caotrópicos como Ureia e Dietanolamina não se apresentam tão expressivos para o uso no modelo camundongo, sugerindo assim a prevalência do uso do KSCN nos ensaios de avidez, corroborando com nossos atuais protocolos de laboratório. Sendo assim, podemos sugerir que há uma maior utilização do uso deste agente caotrópico na comunidade científica, permitindo a abertura de questões a respeito da possível obtenção de resultados mais satisfatórios e reprodutíveis em relação a outros agentes caotrópico existentes para camundongos (Tabela 3).
Os grupos experimentais foram delimitados de acordo com o tipo de adjuvante utilizado ou sua ausência compondo os grupos: OMV+ DDA (N=4), HA+OMV (N=5), DDA (N=3), HA (N=2), OMV (N=4). Os dados obtidos com esses ensaios preliminares demonstraram a utilização do KSCN como agente caotrópico não apresentou diferenças significativas ao uso dos diferentes agentes caotrópico utilizados. A alteração mais significativa ocorreu na amostra de soro de camundongos quando imunizados com HA+OMV, onde se obtêm um índice de avidez elevado (54%) na temperatura de 4ºC, um índice intermediário (43%) na temperatura ambiente e um índice baixo (26%) na temperatura de 37°C, podendo assim se atribuir o uso da temperatura de 37ºC a protocolos já estabelecidos. Entretanto essas condições não se reproduzem nos outros grupos imunizados com outros adjuvantes, podendo ser uma possível característica da heterogeneidade do adjuvante utilizado e da espécie dos animais Swiss, tão bem quanto pode estar vinculado a quantidade de anticorpos presente na amostra (CORRÊA, 2021).
Diferentemente dos outros dois agentes caotrópico, mesmo com a exposição a três temperaturas distintas a ureia não apresentou em nenhuma das amostras índices de avidez baixos, ou seja, inferiores a 30%. Também foi observado que algumas respostas a imunização apresentaram índices de avidez extremamente altos, atingindo 100%, mas tal resultado pode ser justificado em virtude do tipo de cálculo utilizado, pois os valores com as amostras sem tratamento ficaram próximos aos das amostras tratadas. Apesar das análises realizadas ainda se trata de observações iniciais sem cálculo estatístico e passível das limitações cabíveis da análise de índice de avidez utilizado. Em relação ao dietanolamina apenas um animal imunizado com OMV apresentou índice de avidez baixo e sem alteração na exposição nas diferentes temperaturas. Os resultados obtidos com a avaliação da avidez dos grupos supracitados são expressos na figura 1.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados que obtivemos podemos observar a possibilidade de expandir os estudos empregando a primeira e segunda dose dos soros utilizados para avaliar se ocorreu diferença de avidez em períodos diferentes de imunização. Os agentes caotrópico inicialmente não apresentam grandes diferença entre si, mesmo aplicando temperaturas diversas. Os levantamentos da literatura indicam uma prevalência no uso de tiocianato de potássio para avaliação de soro de camundongos, possibilitando um questionamento a respeito de uma maior afinidade deste agente caotrópico com o tipo de amostra utilizada em relação aos demais estudados. A aplicação de apenas uma metodologia de análise de afinidade aparenta não ser suficiente para gerar resultados conclusivos a respeito das questões geradas no decorrer deste trabalho, necessitando assim de mais estudos acerca do tema.
REFERÊNCIAS
ANDREWS, Sophie M.; POLLARD, Andrew J. A vaccine against serogroup B Neisseria meningitidis: dealing with uncertainty. The Lancet Infectious Diseases, v.14. n. 5, p.426-434, 2014.
CORRÊA, Victor Araujo et al. Modified ELISA for antibody avidity evaluation: The need for standardization. Biomedical Journal, v. 44, n. 4, p.433-438, 2021.
De GASPARI, E.; ZOLLINGER, W. Expression of class 5 antigens by meningococcal strains obtained from patients in Brazil and evaluation of two new monoclonal antibodies. Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 5, n. 3, p. 143-153, 2001.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Programa Nacional de Imunizações. Brasilia: Secretaria de Vigilância em Saúde, 2003
PIZZA, Mariagrazia; BEKKAT-BERKANI, Rafik; RAPPUOLI, Rino. Vaccines against Meningococcal Diseases. Microorganisms. V.8, n.10, 2020.
ROMANELLI, C. S. S. Prevalência e variabilidade genética de antígenos candidatos vacinais em isolados clínicos de N. meningitidis circulantes no Brasil. 2012. 95 f. Dissertação (Mestrado em Vigilância Sanitária). Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2012.
ROUPHAEL, Nadine G; STEPHENS, David S. Neisseria meningitidis: biology, microbiology, and epidemiology. Methods in molecular biology, v. 799, p. 1-20, 2011
SIDDIQUI, J. A; AMEER, M.A; GULICK, Peter G. Meningococcemia. StatPearls, 2021. TRZEWIKOSWKI DE LIMA, G.; RODRIGUES, T.S.; PORTILHO, A.I.; et al. Immune responses of meningococcal B outer membrane vesicles in middle-aged mice. Pathogens and Disease, v. 78, n. 5, fta 0028, 2021.