MUTAÇÕES DE RESISTÊNCIA TRANSMITIDA EM PACIENTES RECÉM-DIAGNOSTICADOS E NÃO EXPOSTOS AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL AO HIV-1 (2020-2021)
- Home
- /
- Blog
- /
- Resumo expandido TCC
- /
- MUTAÇÕES DE RESISTÊNCIA TRANSMITIDA EM PACIENTES RECÉM-DIAGNOSTICADOS E NÃO EXPOSTOS AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL AO HIV-1 (2020-2021)
Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Marianne Alves dos Santos¹; Valéria Silva Oliveira¹; Cintia Mayumi Ahagon¹; Luís Fernando de Macedo Brígido²
¹Membros do Núcleo de Doenças Sanguíneas e Sexuais – NDSS – IAL Central
²Docente/ pesquisador do Depto NDSS – Prof. Dr. Luís Fernando de Macedo Brígido – IAL Central
Resumo
O diagnóstico da infecção causada pelo HIV-1 na fase inicial e a rápida introdução do tratamento antirretroviral podem impedir transmissão viral e contribuir para o controle da epidemia. Têm sido observados em pessoas com infecção recente, ainda em fase pré-tratamento, perfis de resistência aos antirretrovirais que podem ser transmitidos para a população. O objetivo desse estudo foi analisar a presença de mutações associadas à resistência aos antirretrovirais em uma população recém-diagnosticada com HIV-1 (2020-2021). Foram selecionadas 223 amostras de PVHIV, das quais foram realizadas análises demográficas, avaliados grau de susceptibilidade aos antirretrovirais e determinação dos subtipos. A casuística apresentou maior frequência de indivíduos do sexo masculino (n=80%) com uma mediana de idade de 31 anos (IQR = 25-38). Na análise das sequências genômicas da região parcial da Polimerase (n=80/223) foram observadas mutações associadas a resistência em 25% dos indivíduos. Todas as amostras sequenciadas apresentaram mutações de resistência para ARVs-NNRTI, sendo as mais frequentes: E138A, K103N e V106I. Estas mutações estão associadas a alta resistência aos medicamentos Efavirenz, Nevirapina e Doravirina. Quanto aos subtipos virais identificados nesta população, o subtipo B foi o mais frequente (n= 66%), mantendo-se como o subtipo de maior importância para a região metropolitana de São Paulo. Assim, foi observada uma taxa elevada de mutações, porém associadas a padrões de resistência que não comprometem o esquema de primeira linha de tratamento estabelecido no País, porém com importante impacto em regimes baseados em uso de Inibidores ARVs-NNRTI, fazendo-se necessário o uso da genotipagem antes de serem iniciadas as terapias medicamentosas que envolvam o uso de medicamentos desta classe.
Palavras-Chave: antirretrovirais; HIV-1; mutações de resistência.
Introdução
A AIDS, Síndrome da Imunodeficiência Humana é uma doença causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) que pertence à família Retroviridae, gênero Lentivirus, e apresenta alta variabilidade genética (AVERT et al; 1986-2016).
A incapacidade do sistema imune em produzir anticorpos neutralizantes no início da infecção contribui para que os tecidos linfóides atuem como propagadores de infecção pelo HIV1 (AVERT.; 1986-2016). De acordo com a sequência de aparecimento dos marcadores virais e imunológicos podem ser observados seis estágios (Fiebig) durante os eventos iniciais pela infecção pelo HIV-1. As infecções agudas e recentes merecem atenção quanto a continuidade da epidemia do HIV, pois o advento da breve viremia de alto título durante a fase de infecção aguda está associada a um risco aumentado de transmissão do HIV (Suthar AB, et al; 2015). A detecção de infecção recente vem provando ser útil, para observação do perfil de resistências primárias que estão sendo transmitidas para a população.
Devido à alta taxa de morbi-mortalidade conferidas pelo HIV, na década de 1980 surgiram os primeiros medicamentos antirretrovirais (ARV) visando o combate contra a infecção. No Brasil, em 1996, foi declarada a lei federal 9.313, que conferiu a população acesso à terapia antirretroviral por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente estão disponíveis seis classes farmacológicas distintas para uso, sendo elas: análogos nucleosídeos inibidores da transcriptase reversa (NRTI) e não análogos nucleosídeos inibidores da transcriptase reversa (NNRTI), Inibidores da Protease (IP); inibidores da integrasse (INI); inibidor de fusão (IF); e inibidor de CCR5. A implementação do tratamento como prevenção (TasP) com o uso das terapias antirretrovirais vem sendo reconhecida como uma das mais importantes medidas de saúde pública para o controle da transmissão do HIV (Montaner, J. S. G. et al; 2010).
Objetivo
Analisar a presença de mutações associadas à resistência aos antirretrovirais em uma população recém-diagnosticada com HIV-1 (2020-2021).
Material e Métodos
Foram incluídas amostras de pessoas adultas vivendo com HIV/Aids (PVHIVA) recém diagnosticadas e não expostas a tratamento antirretroviral (TARV) do Estado de São Paulo, e do Projeto TransODARA das quais foram coletadas amostras em 5 capitais brasileiras (São Paulo, Manaus, Campo Grande, Salvador e Porto Alegre). Estas foram encaminhadas para o Laboratório de Retrovírus do Núcleo de Doenças Sanguíneas e Sexuais (NDSS) do Centro de Virologia do Instituto Adolfo Lutz Central, durante o período de janeiro de 2020 a novembro de 2021. Informações dos pacientes foram consultadas nas bases de dados: i. Sistema de Controle de Exames Laboratoriais (SISCEL) da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos CD4+/CD8+ e Carga Viral do HIV-1, ii. Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM), iii. Pedido médico. Foram excluídos pacientes < 18 anos de idade; expostos a TARV ou em TARV > 7 dias; Carga Viral Indetectável ou abaixo do limite de detecção no pedido ou no resultado (Log≤1,3); Informações incompletas no BPA que não permitam a identificação do paciente nos sistemas de monitoramento.
A quantificação da Carga Viral foi obtida através de ensaio de reação em cadeia da polimerase de transcrição reversa in vitro em plasma sanguíneo, seguindo as orientações do fabricante (Abbott M2000 RealTime HIV-1, ABBOT) para amplificação de parte da região da Polimerase via técnica de PCR in house por etapas combinadas de retrotranscrição e amplificação One Step RT-PCR descrito anteriormente por Soldi et al (2019), e de Integrase por Cavalcanti et al (2016). A confirmação da amplificação dos produtos ocorreu via técnica de eletroforese em gel de agarose 1%. Os produtos da PCR foram utilizados na reação de sequenciamento por técnica de Sanger em equipamento automático (ABI Prism 3130XLGenetic Analyzer, Life Technologies). Os cromatogramas obtidos foram posteriormente editados pelos Softwares Sequencher 4.7 (GeneCodes) e/ou RECall beta v3.05 e então, alinhadas no software BioEdit. A avaliação do grau de susceptibilidade aos antirretrovirais (GSS-ARV) foi realizada por meio do algoritmo de Stanford University HIV Drug Resistance Database – HIVdb (Stanford HIVdb – https://hivdb.stanford.edu/hivdb/bymutations/). Os subtipos do HIV-1 foram identificados através das ferramentas automatizadas: REGA HIV-1 Subtyping Tool v3.0 (Standford University, USA) COntext-based Modeling For Expeditious Typing (COMET, Luxembourg Institute of Health, LU), Subtype Classification Using Evolutionary ALgorithms (SCUEAL, University of California San Diego, USA). Subtipos recombinantes foram confirmados pelo Jumping Profile Hidden Markov Model (jpHMM, GeorgAugust-Universitat, DE). Por fim, as análises estatísticas foram realizadas utilizando variáveis contínuas descritas como a mediana e intervalo interquartil 25- 75 (IQR), com a diferença entre os grupos avaliados com testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, foram usados quando necessário. O χ 2 de Pearson (ou teste exato de Fischer, bicaudal) para variáveis categóricas e o coeficiente de correlação de Spearman para duas variáveis contínuas foram testados com o STATA 14 (Stata Corp).
Resultados e Discussão
De acordo com o presente trabalho, entre as amostras analisadas no período de um ano e onze meses observou-se maior frequência de diagnóstico recente entre pessoas de sexo biológico masculino. Estes resultados são semelhantes aos reportados no Boletim Epidemiológico da Prefeitura de São Paulo, que avaliou esta população durante dez anos. Houve uma discreta mudança com relação a idade, pois o Boletim Epidemiológico do Município de São Paulo publicado no ano de 2021 definiu um IQR de 25-29 anos, enquanto neste estudo foi definido um IQR de 25-38 anos, apesar da população deste estudo não ser significativamente representativa em termos de comparação. As análises relacionadas a raça/etnia autorreferida, segundo o boletim epidemiológico da Prefeitura de São Paulo de 2020 detectou uma frequência maior de 50,7% (n= 342.459) entre os pretos, enquanto neste estudo a maior frequência foi entre pardos e brancos.
Com relação as análises dos linfócitos T-CD4+ existem diversas evidências de que a infecção por HIV é um indicativo da incompatibilidade entre a deficiência imunológica, fortemente demonstrada pela AIDS e a hiperativação imunológica. Níveis aumentados de ativação imune sistêmica e inflamação não apenas promovem a replicação viral e a apoptose das células T-CD4+, mas também desencadeiam um declínio mais rápido da função e da competência imune, consequentemente levando a um fenômeno de imunossensibilidade associado ao envelhecimento celular, a chamada imunossenescência (Sokoya, Steel, Nieuwoudt & Rossouw, 2017). Tal fato pôde ser observado dentre as populações analisadas tanto pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo no ano de 2020, tanto por este estudo, pois em ambos houve uma frequência considerável de contagem de linfócitos T-CD4+ abaixo de 350 células/mm³.
Quanto aos subtipos, no Brasil, estudos indicam que o subtipo B é o mais prevalente na maioria das regiões geográficas (BRINDEIRO RM et al; 2003). Os estudos realizados por Bokharaei-Salim. et al; 2020 e Coelho. et al; 2018, também destacam o subtipo B como um importante responsável pela infecção de novos pacientes pelo HIV-1. No presente estudo, dentre as amostras analisadas quanto a subtipos, obtivemos uma frequência de infecção pelo vírus HIV-1 para o subtipo B em 66% (53/80) das análises.
Quanto a detecção de resistência primária e secundária à TARV, segundo Naziri H. et al; 2014, estas fornecem informações importantes e críticas para determinação dos regimes. Para os pacientes que iniciaram tratamento antirretroviral no Brasil, desde janeiro de 2017, foi incorporado Dolutegravir como esquema preferencial de primeira linha em conjunto com Tenofovir e Lamivudina (Coelho et al, 2018). Ambos os NRTIs recomendados pelo Ministério da Saúde mantêm-se totalmente ativos contra as mutações analisadas nos participantes deste estudo. Sabe-se que as mutações de resistência medicamentosa mais prevalentes globalmente são aquelas que conferem resistência aos NRTIs e NNRTIs, enquanto a resistência aos IPs é universalmente menos frequente (Jahanbakhsh F et al, 2013). Neste estudo, todas as amostras analisadas (n=80, 25%) apresentaram mutação(ões) de resistência à classe de ARVs-NNRTI, sendo as mais frequentes: E138A, K103N e V106I, corroborando-se com os dados de Coelho et al, 2018. Estas mutações levam a uma maior frequência de alta resistência (score=0) aos medicamentos Efavirenz, Nevirapina e Doravirina. Apesar de estes não fazerem parte do esquema medicamentoso de primeira linha implementado no país, este estudo reforça a importância quanto a realização de testes de genotipagem entre a população de novos infectados.
Conclusão
A epidemia de HIV é uma preocupação constante entre as autoridades sanitárias, devido a altas taxas de manutenção para novas infecções, apesar de diferentes medidas epidemiológicas e farmacológicas que incluem a profilaxia medicamentosa. As taxas de transmissão do HIV-1 com padrão de mutações associadas a resistência observadas dentre os pacientes deste estudo, mantiveram-se estáveis na região, não havendo até o momento uma preocupação quanto ao esquema terapêutico de primeira linha introduzidos pelo Ministério da Saúde em 2017. Porém, quanto as resistências identificadas para Inibidores Não Nucleosídeos da Transcriptase Reversa pode haver o comprometimento em regimes baseados nesta classe. Reforçando-se a necessidade dos testes de genotipagem antes do início das terapias antirretrovirais. Com relação ao subtipo B do vírus HIV-1, como esperado, este foi o tipo viral mais prevalente na população analisada, mantendo-se como o subtipo de maior importância para a região metropolitana de São Paulo.
Referências Bibliográficas
- Avert. The Science of HIV and Aids – Overview.UK, 1986-2016. Disponível em: https://www.avert.org/professionals/hiv-science/overview Acesso em: 25 de outubro de 2021.
- Fiebig, E. W. et al. Dynamics of HIV viremia and antibody seroconversion in plasma donors: implications for diagnosis and staging of primary HIV infection. Aids, v. 17, n. 13, p. 1871- 1879, 2003. Disponível em: https://journals.lww.com/aidsonline/Fulltext/2003/09050/Dynamics_of_HIV_viremia_a nd_antibody.5.aspx. Acesso em: 10 nov 2021.
- Suthar AB, Granich RB, Kato M, Nsanzimana S, Montaner JSG, Williams BG. Programmatic Implications of Acute and Early HIV Infection. J Infect Dis. 2015;212(9):1951–1360.
- Montaner, J. S. G.; Lima, V. D.; Barrios, R.; Yip, B.; Wood, E.; Kerr, T. Association of highly active antiretroviral therapy coverage, population viral load, and yearly new HIV diagnoses in British Columbia, Canada: a population- based study. Lancet Infect. Dis., [S.l.], v. 376, p. 532-39, 2010.
- Montaner, J. S. G.; Lima, V. D.; Barrios, R.; Yip, B.; Wood, E.; Kerr, T. Association of highly active antiretroviral therapy coverage, population viral load, and yearly new HIV diagnoses in British Columbia, Canada: a population- based study. Lancet Infect. Dis., [S.l.], v. 376, p. 532-39, 2010.
- Soldi, G. F.R., Ribeiro, I. C., Brígido, L. F. M. et al. Major drug resistance mutations for HIV-1 Protease Inhibitors (PI) Among Patients exposed to the PI class who did not get therapy antiretroviral in the State of São Paulo, Brazil; 2019. Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0223210. Acesso em: 24 nov 2021.
- Coelho, L. P. O., Matsuda, E. M., Brígido, L. F. M. et al. Prevalence of HIV-1 transmitted drug resistance and viral suppression among newly diagnosed adults in São Paulo, Brazil; 2018 Dez. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30569276/. Acesso em: 24 nov 2021.
- Cavalcanti, J. S., Brígido, L. F. M. et al. Resistência Genotípica para inibidores da integrase do HIV-1; p: 48, 2016. Tese. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/ses-sp/2016/ses-36048/ses-36048-6538.pdf
- Boletim Epidemiológico de HIV/AIDS da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo; Versão Preliminar; 2021. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/istaids/boletimepid emiologicodez2021.pdf. Acesso em: 7 dez 2021
- Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis – Boletim Epidemiológico 2020 – Ministério da Saúde (Brasil). Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim- epidemiologicohivaids-2020 Acesso em: 26 out 2021.
- Sokoya, T., Steel, H. C., Nieuwoudt, M., & Rossouw, T. M. (2017). HIV as a Cause of Immune Activation and Immunosenescence. Mediators of inflammation, 2017, 6825493. https://doi.org/10.1155/2017/6825493
- Brindeiro RM, Diaz RS, Sabino EC, Morgado MG, Pires IL, Brigido L, et al. Brazilian Network for HIV Drug Resistance Surveillance (HIV-BResNet): a survey of chronically infected individuals. AIDS 2003;17(7):1063-9.
- Bokharaei-Salim F, Esghaei M, Khanaliha K, Kalantari S, Marjani A, Fakhim A, Keyvani H. HIV-1 reverse transcriptase and protease mutations for drug-resistance detection among treatment-experienced and naïve HIV-infected individuals. PLOS ONE. 2020 Mar 2. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0229275
- Naziri H, Baesi K, Moradi A, Aghasadeghi MR, Tabarraei A, McFarland W, et al. Mutações de resistência a medicamentos antirretrovirais em pacientes ingênuos e experientes em Shiraz, Irã, 2014. Arch Virol. 2016; 161 (9): 2503– 9. pmid: 27368990.
- Jahanbakhsh F, Hattori J, Matsuda M, Ibe S, Monavari SH, Memarnejadian A, et al. Prevalência de resistência ao HIV transmitida aos medicamentos no Irã entre 2010 e 2011. PLoS One. 2013; 8 (4): e61864. pmid: 23626742.