ÁLCOOL GEL PARA COMBATE AO COVID-19: AVALIAÇÃO DA QUALIDADE COM BASE NO ESTUDO DE ESTABILIDADE
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Leticia Minervino da Silva1; Ellen Gameiro Hilinski2; Fernanda Fernandes Farias3
1Estudante do Curso de especialização Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – IAL;
e-mail: [email protected]
2Docente/pesquisador científico do Núcleo de Ensaios Biológicos e de Segurança. Centro de Medicamentos, Cosméticos e Saneantes. Instituto Adolfo Lutz
e-mail: [email protected]
3Docente e orientador/pesquisador científico do Núcleo de Ensaios Físicos e Químicos em Cosméticos e Saneantes. Centro de Medicamentos, Cosméticos e Saneantes. Instituto Adolfo Lutz
e-mail: [email protected]
Resumo: O álcool gel destinado a higienização das mãos, classificado como cosmético, tem seu uso indicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no combate ao COVID-19. Devido à pandemia, as empresas de medicamentos, saneantes e cosméticos foram autorizadas a fabricar preparações antissépticas ou desinfetantes sem registro ou notificação na ANVISA, desde que atendidos determinados critérios, levando a necessidade de monitoramento do produto. Este trabalho tem como objetivo avaliar a qualidade de uma amostra de álcool gel disponível comercialmente, utilizando como base os ensaios do estudo de estabilidade. Alíquotas de uma mesma amostra de álcool gel foram separadas e avaliadas mediante exposição a variações de temperatura e luz, frente a parâmetros organolépticos (cor, odor e aspecto), físico-químicos (teste de centrífuga, pH, viscosidade aparente, teor alcoólico e densidade) e microbiológicos (contagem de micro-organismos viáveis totais e pesquisa de micro-organismos patogênicos), em diferentes tempos de coleta. As alíquotas da amostra não apresentaram alteração para os resultados organolépticos bem como para os testes de centrífuga, teor, densidade, pH e ensaios microbiológicos; para o ensaio de viscosidade os resultados estavam em desacordo com a legislação. Conclui-se que, de modo geral, a amostra não sofreu alterações no estudo de estabilidade proposto. O monitoramento do mercado, assim como outros estudos são essenciais para garantir a dispensação de produtos em conformidade com as especificações.
Palavras–chave: álcool gel; COVID-19; estudo de estabilidade
INTRODUÇÃO
Segundo o Formulário Nacional da Farmacopeia Brasileira, géis são definidos como preparações semissólidas, geralmente viscosas e transparentes, que podem servir como veículo para um ou mais ativos; sendo frequentemente empregadas em formulações cosméticas. O álcool gel atua sobre bactérias, fungos e vírus, já que é capaz de desnaturar proteínas de vírus envelopados, como é o caso do Vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave – Coronavírus – 2 (SARS-COV – 2, devido suas propriedades químicas, por meio do rompimento das ligações de hidrogênio. Desta forma gera um desequilíbrio estrutural das proteínas virais, com consequente perda da atividade viral e ação patológica (BRASIL, 2012; CIÊNCIA ELEMENTAR, 2020).
Para que os produtos cosméticos estejam de acordo com as legislações vigentes, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) disponibiliza o Guia de Controle de Qualidade de Produtos Cosméticos, a fim de fornecer subsídios e diretrizes para a realização dos ensaios elencados no Controle de Qualidade (CQ). Entende-se por CQ o conjunto de práticas com o objetivo de garantir que avaliações indispensáveis sejam feitas para que o produto ofertado ao público seja dispensado com qualidade, atendendo as especificações determinadas pelos órgãos regulamentadores. Podemos dividir o CQ em três grupos: análises organolépticas, físico-químicas e microbiológicas. Por meio do estudo de estabilidade é possível obter informações sobre a qualidade de um produto (BRASIL, 2008).
O estudo de estabilidade oferece informações que garantem que o produto seja capaz de manter suas características físicas, químicas, microbiológicas e de segurança durante todo o prazo de validade. Para avaliar este fator, o produto precisa ser exposto a diferentes condições forçadas desde a fabricação até a validade final. A estabilidade de um produto pode ser modificada de acordo com tempo ao qual é exposto a fatores que aceleram ou retardam mudanças nas suas propriedades. Os resultados obtidos a partir do estudo de estabilidade fornecem informações que orientam o processo de desenvolvimento de um cosmético, auxiliando na formulação, na escolha de embalagens adequadas, condições ideais de armazenamento, estimativa do prazo de validade, além de apresentar dados sobre a segurança do produto (BRASIL, 2004).
Com a pandemia provocada pela (SARS – COV – 2) o uso de álcool gel formulação cosmética elevou-se, causando indisponibilidade do produto em supermercados e farmácias. Tal demanda fez com que a ANVISA autorizasse fabricantes de cosméticos, saneantes e medicamentos a realizar a produção e venda de produtos a base de álcool destinados à higienização das mãos sem prévia autorização, de acordo com a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 350 de 2020. Essa decisão foi tomada para incentivar a produção de antissépticos pelas empresas. Desta forma, as empresas passaram a ser dispensadas de disponibilizar informações sobre notificação prévia, mas deviam seguir critérios técnicos de qualidade, rotulagem e validade máxima de 180 dias (BRASIL,2020a; BRASIL, 2021).
Entretanto, a ausência de notificação prévia pode ter facilitado a entrada de produtos no mercado, muitas vezes sem a devida qualidade necessária. Considerando a facilidade na produção, custo de formulação reduzido, e ainda a flexibilização da normativa, o mercado foi suprido com uma grande variedade de marcas de álcool gel. Devido a grande demanda, muitos produtos podem ter sido dispensados fora da especificação, o que leva a necessidade de estudos que avaliem a qualidade do álcool gel disponível no mercado (GRAEFF. et al., 2021). Este trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade de uma amostra de álcool gel disponível comercialmente, utilizando como base os ensaios do estudo de estabilidade.
MATERIAL E MÉTODOS
Uma amostra de álcool gel 70° INPM, antisséptico para mãos, frasco de 4,3kg com validade de 24 meses a partir da sua data de fabricação, foi adquirida em comércio regular nacional. Foram feitas avaliações organolépticas, físico-químicas e microbiológicas, utilizando condições adaptadas do estudo de estabilidade, de acordo com o Guia de Estabilidade de Produtos Cosméticos da ANVISA (BRASIL, 2004).
Inicialmente alíquotas do produto foram distribuídas em frascos de vidro estéreis, que posteriormente foram colocados na estufa (45 ºC ± 2,0 ºC), freezer (- 5 ± 2,0 ºC) ou sob incidência de luz solar em temperatura ambiente (25 ± 2,0 ºC), onde permaneceram por até 45 dias. Uma amostra de álcool gel que não passou por nenhum tipo de exposição, chamada de amostra controle, foi também avaliada. Foram realizados ensaios organolépticos e físico-químicos (teste de centrífuga – QUIMIS/Q222RM, pH – Simpla/PH140, viscosidade aparente – Viscosímetro Brookfield®/RVT, determinação do teor alcoólico e densidade – Densímetro digital Rudolph/DDM 2911) nos tempos 0, 15, 30 e 45 dias. Também foi realizado ensaio microbiológico (contagem de micro-organismos viáveis totais e pesquisa de micro-organismos patogênicos) com a amostra controle e com as alíquotas após 45 dias. Estes ensaios foram baseados procedimentos descritos na Farmacopeia Brasileira 6a ed. (2019).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados das avaliações físico-químicas da amostra de álcool gel podem ser observados na Tabela 1.
Com relação a avaliação das características organolépticas as alíquotas da amostra apresentaram aspecto, cor e odor normal, sem alterações significativas e se mostraram estáveis para este ensaio. Os parâmetros organolépticos de um cosmético são indispensáveis para o CQ, pois detectam através dos sentidos, possíveis mudanças em um cosmético, como: separação de fases, precipitação, turvação cor e odor inadequados. Tais modificações podem estar relacionadas com alterações químicas ou até mesmo contaminação microbiológica, sendo capaz de prejudicar a aceitabilidade do produto (BRASIL, 2008). No teste de centrífuga a amostra não apresentou instabilidades. A centrifugação é capaz de provocar estresse na amostra, antecipando possíveis instabilidades que podem ser observadas na forma de precipitação, separação de fases, formação de sedimento compacto e coalescência, entre outras. Nenhuma das instabilidades citadas foram observadas (BRASIL, 2004; CRUZ et al., 2019).
Os valores de pH obtidos ficaram entre 8,46 e 8,80, levemente alcalino, não sofrendo alterações consideráveis durante o estudo de estabilidade. Os valores de pH devem estar dentro da faixa estipulada pelos fabricantes nos documentos enviados para a ANVISA. Geralmente, o pH de produto é estabelecido conforme o local de aplicação para garantir a proteção da barreira cutânea, no entanto, não foi encontrado no sistema da ANVISA o registro do produto analisado e por isso não se pode dizer que a análise foi satisfatória ou insatisfatória (BARZOTTO et al., 2021).
Os valores encontrados para viscosidade foram inferiores àqueles estabelecidos pela ANVISA na RDC n° 490 de 2021, onde o álcool gel com teores superiores ou igual a 68% deve apresentar viscosidade maior ou igual a 8000 cP, porém, a viscosidade da amostra pouco se alterou frente às exposições realizadas. Esse teste baseia-se em medir a resistência de um material ao fluxo por meio da fricção ou do tempo de escoamento, assim, quanto maior a viscosidade, maior será a resistência. Auxilia na avaliação da espalhabilidade e do escoamento do produto pela embalagem. A busca excessiva pelo espessante carbopol ocasionou a falta do produto no mercado e devido à falta de estoque alternativas foram utilizadas para suprir este agente espessante. No entanto, essas alternativas podem não ter sido tão eficientes (BRASIL, 2020a; SILVA; FERREIRA; QUEROBINO, 2021; CRUZ, 2021).
De acordo com a RDC n° 422 de 2020 é informado que as empresas fabricantes de cosméticos e saneantes têm permissão para comercializar o álcool em produto cosmético desde que a variação da concentração não seja superior a 10% em relação à declarada na rotulagem do produto em °INPM p/p (BRASIL, 2020b).
A amostra apresentou resultados satisfatórios para o ensaio de teor durante todo o estudo proposto, frente a diferentes exposições e não foram encontrados valores superiores à variação de 10% em relação à concentração do álcool declarada que é de 70° INPM. O teor de álcool é um fator determinante que interfere diretamente na eficácia do produto e deve ser declarado em massa p/p. O teor e a densidade foram avaliados por meio de densímetro digital, o qual fundamenta-se no princípio de movimento de vibração, ou seja, através do período de oscilação obtém-se a medida por relação direta, expressa em teor de álcool etílico, de acordo com as tabelas correspondentes à porcentagem em massa ou °INPM da Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2019).
Em relação aos ensaios microbiológicos, foram obtidos valores inferiores a 10 UFC/g nas alíquotas avaliadas na contagem de micro-organismos viáveis totais. Não foi identificada a presença de coliformes totais e fecais, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus na pesquisa de micro-organismos patogênicos (tempo zero e 45 dias), estando de acordo com o estabelecido na RDC n° 481 de 1999. Garantir a qualidade microbiana de um produto é extremamente importante, uma vez que confirma a segurança e aceitabilidade do mesmo, pois a presença de micro-organismos em quantidades elevadas pode implicar na deterioração do produto ou até mesmo riscos graves ao usuário (BRASIL, 1999; SILVA; FERREIRA; QUEROBINO, 2021).
CONCLUSÕES
A partir deste estudo foi possível concluir que a amostra se apresentou bastante estável frente as variações de temperatura e luz, demostrando a importância de se realizar estudos de estabilidade. O único ensaio que apresentou resultados em desacordo com a legislação vigente foi o teste de viscosidade, com insatisfatoriedade desde a amostra controle. Em relação ao teor alcoólico a amostra se mostrou adequada, o que possivelmente implica na sua ação eficaz contra a COVID -19.
Muito embora a amostra analisada tenha apresentado estabilidade frente às variações impostas, o monitoramento do mercado, assim como outros estudos são essenciais para garantir a dispensação de produtos dentro das especificações; considerando ainda a relevância do produto analisado, como o álcool gel antisséptico para as mãos, frente a situação de emergência provocada pela pandemia.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Farmacopeia Brasileira. 6a ed, 2019.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário nacional da farmacopeia brasileira. 2. ed. Brasília: ANVISA, v. 2, 2012.Disponível em:<https://www.gov.br/anvisa/ptbr/assuntos/farmacopeia/formularionacional/arquivos/8065json-file-1>. Acesso em: 17 dez. 2021.BRASIL.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Guia de controle de qualidade de produtos cosméticos. 2ª ed., revista. Brasília: ANVISA, 2008.Disponível em: < https://www.gov.br/anvisa/pt br/centraisdeconteudo/publicacoes/cosmticos/manuais-e-guias/guia-decontrole-de-qualidade-de-produtos-cosmeticos.pdf/view >. Acesso em: 17 dez. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Guia de Estabilidade de Produtos Cosméticos. maio de 2004. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cosmeticos.pdf>. Acesso em: 17 dez. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n° 490, de 8 de abril de 2021. Altera a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 46, de 20 de fevereiro de 2002. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-490-de-8-de-abril-de-2021-314037800>. Acesso em: 17 dez. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 350, de 19 de março de 2020. Define os critérios e os procedimentos extraordinários e temporários para fabricação e comercialização de preparações antissépticas ou sanitizantes oficinais sem prévia autorização da ANVISA. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-350-de-19-de-marco-de-2020-249028045>. Acesso em: 17 de dez. de 2021. 2020a
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n° 422, de 16 de setembro de 2020. Altera a Resolução (…)Define os critérios e os procedimentos extraordinários e temporários para fabricação e comercialização de preparações antissépticas ou desinfetantes sem prévia autorização da ANVISA. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-de-diretoria-colegiada-rdc-n422-de-16-de-setembro-de-2020-277906952>. Acesso em: 17 dez. 2021.2020b
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 481, de 23 de setembro de 1999. Estabelece os parâmetros de controle microbiológico para os produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/ legis/resol/481_99.htm>. Acesso em: 17 dez. 2021.
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CRUZ, Camila Vieira Milo Bela. Alternativas aos carbômeros para fabricação de álcool em gel. 2021. 47 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021.Disponível em:https://repositorio.bc.ufg.br/bitstream/ri/19411/3/TCCG%20-%20Farm%C3%A1cia%20%20Camila%20Vieira%20Milo%20Bela%20Cruz%20-%202021.pdf. Acesso em: 16 dez. 2021.
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