SURTOS DE DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS ASSOCIADOS AO CONSUMO DE ALIMENTOS DE ORIGEM VEGETAL, BRASIL, 2000 -2020
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Isabela Sestito Falanque1; Jacqueline Tanury Macruz Peresi2
1Estudante do Curso de Pós-Graduação em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – IAL – CLRSJ;
E-mail: [email protected]
2Pesquisador do Núcleo de Ciências Químicas e Bromatológicas- CLRSJ
RESUMO
Tem sido identificado cada vez mais surtos alimentares devido à ingestão de alimentos de origem vegetal, o que vem despertando preocupação de órgãos de saude pública, produtores e consumidores. O presente trabalho tem como objetivo realizar um estudo da ocorrência de surtos alimentares causados pela ingestão de alimentos de origem vegetal, como hortaliças, frutas, produtos de frutas e similares, no período de 2000 a 2020, no Brasil a partir de informações do banco de dados público do Ministério da Saúde. Dos 14.033 surtos alimentares notificados no Brasil no período, 267 (1,9%) foram relacionados a hortaliças, frutas, produtos de frutas e similares totalizando 5.422 doentes e 3 óbitos. Dentre os agentes etiológicos, Escherichia coli foi a mais identificada (12,4%), seguida da Salmonella spp. (12%) e Bacillus cereus (9%). Os locais de maior ocorrência foram residências correspondendo a 30% do total, seguido dos restaurantes/padarias e similares (16,1%). Os estados de Pernambuco e Paraná se destacaram pelo maior número de notificações (17,2% e 14,2%, respectivamente). Diante do exposto enfatiza-se a importância da implantação/implementação de Programas de vigilância em toda a cadeia produtiva com melhoria do sistema de investigação e de notificação de surtos visando o controle e prevenção de novas ocorrências.
Palavras – Chave: contaminação de alimentos; doenças transmitidas por alimentos; frutas; hortaliças; surtos de doenças.
INTRODUÇÃO
O número de episódios de doenças transmitidas por alimentos (DTA) vêm expandindo de modo significativo em nível mundial, sendo causadas pela ingestão de alimentos contaminados com micro-organismos patogênicos, toxinas microbianas ou substâncias químicas (WHO, 2015). É possível notar que as DTA também tem sido atribuidas à ingestão de alimentos de origem vegetal, o que vem despertando a preocupação de órgãos de fiscalização, produtores e consumidores (ELIAS, et al., 2018). Nos EUA, em 2006, um surto por Escherichia coli O157:H7 associado ao consumo espinafre acometeu 199 pessoas, sendo 102 (51%) hospitalizadas, 31 com desenvolvimento de Síndrome Urêmica Hemolítica-SHU e três óbitos (CDC, 2006). Uma das razões para as ocorrências de DTA envolvendo produtos de origem vergetal se dá pelo fato de que grande parte deles são consumidos crus, não existindo uma etapa no seu preparo que elimine os agentes patogênicos, como, por exemplo, um tratamento térmico (ELIAS, 2018). O presente trabalho tem como objetivo realizar um estudo da ocorrência de surtos alimentares causados pela ingestão de alimentos de origem vegetal, como hortaliças, frutas, produtos de frutas e similares, no período de 2000 a 2020, no Brasil.
MATERIAL E MÉTODO
Este estudo refere-se a um trabalho de revisão elaborado com base no banco de dados público do Ministério da Saúde (MS) acessado em 09 de dezembro de 2021, de onde se encontravam disponibilizados dados referentes ao período de 2000 a 2019 (BRASIL, 2020). Quanto aos do ano de 2020, não disponíveis na data do referido acesso, as informações foram obtidas por e-mail com o Fala.Br/Ministério da Saúde, 2021, uma Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação da Controladoria Geral da União do Governo do Brasil. Cabe ressaltar que este banco de dados é dinâmico, ou seja, submetido a atualizações pelo MS, com a ressalva deste mesmo órgão de que os dados do ano anterior ao vigente são preliminares e sujeitos a atualizações. Os unitermos pesquisados foram: contaminação de alimentos, doenças transmitidas por alimentos, frutas, hortaliças e surtos de doenças.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com dados do Ministério da Saúde, de 2000 a 2019 (BRASIL, 2020) e 2020 (Fala.Br/BRASIL, 2021), o número total de surtos de DTA foi de 14.033, sendo que 267 (1,9%) deles estavam relacionados ao consumo de hortaliças, frutas, produtos de frutas e similares.
Dados dos Estados Unidos, do Sistema Nacional de Notificação de Surtos (NORS), revelaram que no período de 2000 a 2020 foram notificados 22.069 surtos de DTA de origem hídrica e alimentar (CDC, 2022a), porém, o número de episódios relacionados a frutas e hortaliças disponibilizado pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) a partir de 2006, resultou em 58 surtos até o ano de 2020 (CDC, 2022b). Se compararmos o total de surtos alimentares notificados em ambos os países, nos Estados Unidos ocorreu uma quantidade superior em relação ao Brasil no período avaliado, contudo, o Brasil, apresentou entre 2006 a 2020 uma quantidade mais expressiva de surtos decorrentes da contaminação de frutas e hortaliças, ou seja, 162 surtos.
Levando em consideração que o consumo per-capita de frutas e hortaliças nos EUA pode variar em torno de 143 Kg/ano e no Brasil 56 Kg/ano (COSTA, 2016), o menor número de episódios relacionados a estes alimentos nos EUA no período avaliado poderia ser atribuído às práticas mais seguras na cadeia produtiva destes alimentos, desde o plantio até a mesa do consumidor, ressaltando que o CDC (2021a), de uma forma sucinta e explicativa, informa a população maneiras adequadas para manipulação dos alimentos, para que haja conhecimento sobre as consequências acarretadas referentes à má higienização das frutas e hortaliças. O CDC fornece um elo importante entre os produtores de alimentos e os sistemas de segurança alimentar de agências governamentais, com relação às DTA, trabalhando em parceria para a determinação das principais fontes de contaminação, atuando na investigação dos surtos em vários estados do país e adotando sistemas de prevenção dos surtos. Auxilia os departamentos de saúde no rastreamento e investigação das DTA por intermédio de sistemas de vigilância, como o PulseNet e FoodNet. (CDC, 2021b).
A distribuição anual dos surtos de DTA no Brasil, envolvendo alimentos de origem vegetal, está apresentada na Figura 1.
No Brasil, dos 267 surtos ocasionados pelo consumo de alimentos de origem vegetal no período avaliado, obteve-se, de 84,3 e 88% deles um total de 25.919 pessoas expostas e 5.422 doentes, respectivamente, distribuidas de acordo com a Figura 2. De 83,9% dos surtos houve o relato de três mortes, em 2003, 2013 e 2019. No entanto, vale ressaltar que em 16,1% dos surtos não houve informações sobre ocorrência de óbitos, em 12% sobre o número de doentes e em nenhum deles sobre o número de hospitalizados, revelando a necessidade de melhorias no processo de notificação, lembrando que os estudos epidemiológicos e a adoção de medidas em saúde pública adequadas dependem também da correta e completa informação de dados.
Apesar do número de surtos em 2011 ter sido próximo a média entre os anos no período avaliado, o número de pessoas doentes neste ano, pelo consumo deste tipo de alimento, foi expressivo (15,7% do total do período avaliado) (Figura 2), podendo ser justificado pelo fato de que 4 (26,7%) dos episódios de 2011 ter ocorrido em instituições como alojamentos e ambientes de trabalho, locais com número elevado de expostos.
Dentre os agentes etiológicos envolvidos nos surtos relacionados aos alimentos de origem vegetal (Figura 3) destaca-se o número de surtos sem identificação do agente (ignorados, inconclusivos e inconsistentes) (39,3%) e a detecção do Trypanossoma cruzi, agente etiológicos raramente envolvido em surtos por outros tipos de alimentos.
No decorrer das duas décadas, observou-se que a partir de 2015 e até 2019, T. cruzi apresentou alterações significativas sofrendo aumento gradual no número de notificações como uma em 2015 (7,7%), uma em 2016 (12,5%), duas em 2017 (16,7%), três em 2018 (23,1%) e 9 surtos em 2019, representando neste último ano 37,5% dos surtos relatados. Quanto E. coli e Salmonella, os agentes mais isolados, apresentaram-se frequentes e com pequenas variações durante todo o período avaliado, ressaltando que em 87,9% dos episódios relacionados a E. coli não havia informações se pertencia ou não a alguma categoria diarreiogênica e 90,6% envolvendo Salmonella não foi informado o sorotipo. Os produtos frescos têm sido reconhecidos como uma fonte comum de Salmonella, tendo em vista que este patógeno tem a capacidade de se fixar e internalizar nestes alimentos, cuja contaminação pode ocorrer durante a produção, colheita, processamento e transporte (KILONZO-NTHENGE; MUKUNA, 2018).
Entre os alimentos incriminados nos surtos avaliados, as hortaliças apresentaram o maior número de envolvimento com 149 (56%) episódios e as frutas, produtos de frutas e similares, com 118 (44%).
A Figura 4 apresenta a distribuição dos surtos por local de ocorrência, ressantando que a identificação daqueles mais frequentes gera subsídios aos órgãos de vigilância para a implantação/implementação de Programas de orientação da população e/ou manipuladores de alimentos sobre medidas preventivas/corretivas que minimizem tais episódios, com ênfase na adequada higienização e conservação dos alimentos.
Quanto à ocorrência dos surtos por região geográfica, a Figura 5 apresenta a distribuição por estado.
Além da possibilidade de contaminação dos alimentos em todas as etapas da cadeia alimentar com consequente ocorrência de DTA, a maior notificação em alguns estados pode ser atribuída a outros fatores, como a um sistema de vigilância mais ativo. Nos anos de 2012 e 2013, por exemplo, realizou-se no estado de Pernambuco a formação permanente do Sistema de Vigilância Epidemiológica das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, o que possivelmente tenha contribuído para o aumento do número notificação em locais anteriormente silenciosos (SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE, 2016). Por outro lado, segundo Silva et al. (2017), houve aumento considerável de surtos neste estado em alguns anos devido ao comércio de alimentos produzidos em ambiente doméstico.
Em relação ao critério de confirmação dos surtos (Figura 6), importante ressaltar que em 74,9% das ocorrências não houve confirmação pela análise dos alimentos, podendo a causa ser atribuída, entre outras, a indisponibilidade de alimentos suspeitos para a realização da análise bromatológica, a identificação incorreta da refeição suspeita e consequente coleta de alimentos não relacionados ao surto e ainda, dificuldades de órgãos de vigilância sanitária enfrentadas na coleta de amostras.
CONCLUSÃO
Diante do envolvimento dos alimentos de origem vegetal como veículos de diferentes pátogenos nas DTA, no Brasil enfatiza-se a importância da implantação/implementação de programas de vigilância em toda a cadeia alimentar envolvendo estes produtos com melhoria do sistema de investigação e de notificação de surtos. Ressalta-se ainda, que a coleta de amostras de alimentos pertinentes e em tempo hábil permite a identificação da etiologia do surto, sua associação às diferentes classes de alimentos e, consequentemente, a adoção de medidas de controle e prevenção de novas ocorrências.
REFERÊNCIAS
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COSTA, J. E. B. A relação direta entre alimentação saudável e o consumo de frutas, legumes e verduras. CNA Brasil. 2016. Disponível em: <https://www.cnabrasil.org.br/assets/arquivos/artigostecnicos/31-artigo_0.41514200%201514912074.pdf >. Acesso em: 26 nov. 2021.
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