RASTREIO CITOPATOLÓGICO NO BRASIL ENTRE OS ANOS DE 2016 E 2021: BASE DE DADOS DATASUS
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Resumo expandido publicado nos Anais da III Mostra dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública. Para acessa-lo clique aqui.
Este trabalho foi escrito por:
Thainá Siqueira de Carvalho1; Daniela Etlinger-Colonelli²; Sandra Lorente2
1Biomédica e estudante do Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública – NAP – IAL; E-mail: [email protected]
2Docente/pesquisador do Depto. de Anatomia Patológica – NAP – IAL.
O câncer do colo do útero ainda permanece como uma importante causa de morte na população feminina. No Brasil, o exame de Papanicolaou deve ser realizado em mulheres na faixa dos 25 a 64 anos como teste de rastreamento. Durante a pandemia de COVID-19, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) recomendou o adiamento dos serviços de rastreio. O objetivo deste estudo foi descrever os dados de rastreio citopatológico entre 2016 e 2021 disponibilizados pelo departamento de informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). O total de exames citopatológicos disponibilizados em 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 foi respectivamente: 5.507.311; 6.358.074; 6.862.217; 7.075.767; 4.003.199; 4.052.256. O total de exames por mulheres abaixo dos 25 anos foi de respectivamente: 841.541; 941.727; 995.887; 989.452; 529.592; 520.989. Em mulheres dos 25 aos 64 foi de respectivamente: 4.349.237; 5.056.497; 5.482.483; 5.692.118; 3.263.620; 3.340.303. Em mulheres acima dos 64 anos o total de exames por ano foi: 316.533; 359.850; 383.847; 394.197; 209.987; 190.964. Já o total de lesões detectadas por ano foi de respectivamente 138.198; 159.357; 187.580; 208.670; 132.804; 136.177. O período de pandemia afetou a quantidade de exames disponibilizados pelo DATASUS e foi observada diminuição na quantidade de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas detectadas. Mulheres com idade fora da recomendação de rastreamento continuaram realizando exames citopatológicos, ainda que em menor quantidade.
Palavras-chave: detecção precoce de câncer; neoplasias do colo do útero; pandemia COVID-19; teste de Papanicolaou.
INTRODUÇÃO
O câncer do colo do útero é o terceiro mais incidente na população brasileira feminina e a quarta causa de morte de mulheres com câncer. Estima-se que no Brasil em 2020 ocorreram 16.710 novos casos e 6.596 mortes em 2019 (INCA, 2021a)1. Mundialmente, são estimados 530.000 novos casos e 275.000 mortes (OLUSOLA, P; BANERJEE, H.N.; PHILLEY, J.V; DASGUPTA, 2019)2. Esta neoplasia está relacionada com a infecção persistente pelo Papilomavírus humano (HPV) de alto risco (HU; MA, 2018)3 associada a outros fatores, como início precoce da vida sexual, tabagismo, uso prolongado de anticoncepcionais orais, imunidade entre outros (INCA, 2021a)1. De acordo com o grau da doença, as lesões pré-cancerosas são classificadas como lesões de baixo grau (LSIL), que têm maior taxa de regressão espontânea e lesões de alto grau (HSIL), que têm maior probabilidade de evoluírem para carcinoma (SAWAYA; HUCHKO, 2017; SELLORS; SANKARANARAYANAN; OPAS, 2004)4,5.
O período entre a infecção e o desenvolvimento do carcinoma cervical é cerca de 10 a 15 anos, criando uma janela de oportunidade para a detecção precoce das lesões pré-cancerosas através de programas de rastreio (JOHNSON et al., 2019; MAURA et al., 2018)6,7. O exame de Papanicolaou é a metodologia utilizada pelo Sistema Público de Saúde (SUS) brasileiro para detecção precoce da doença, devendo ser realizado periodicamente pela população feminina com 25 a 64 anos. Além disso, conforme as diretrizes brasileiras, mulheres com citologia anterior classificada como atipia de células escamosas de significado indeterminado (ASC-US) ou LSIL realizam o exame citopatológico com intervalo de seis meses a um ano por motivo de repetição e mulheres com atipias de células escamosas não sendo possível excluir lesão de alto grau (ASC-H), HSIL, carcinoma de células escamosas (CCE), células glandulares atípicas (AGC), adenocarcinoma in situ (AIS), adenocarcinoma invasor (AI), atipias de origem indefinida (AOI), e outras neoplasias, com biópsia negativa ou de LSIL, realizam o exame citopatológico após seis meses por motivo de seguimento (INCA, 2016)8. Entretanto, no contexto da pandemia da COVID-19 a partir de 2020, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) emitiu uma nota técnica orientando o adiamento do exame de Papanicolaou em mulheres sem suspeita de malignidade e o desencorajamento de práticas de rastreamento em mulheres fora da população alvo (INCA, 2020)9.
Como resultado da suspensão temporária do rastreio e atraso na execução das condutas de seguimento de lesões previamente diagnosticadas, alguns estudos alertam sobre a possibilidade de aumento de ocorrência de lesões avançadas e de câncer nos próximos anos (CASTANON et al., 2021; WENTZENSEN; CLARKE; PERKINS, 2021)10,11. Assim sendo, devido a importância do câncer do colo do útero na saúde pública e da relevância do exame de Papanicolaou como estratégia de rastreio, este trabalho teve como objetivo descrever os dados de rastreio citopatológico entre os anos de 2016 e 2021 disponibilizados pela plataforma do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), a fim de melhor compreender o impacto da pandemia no rastreamento durante esse período.
MATERIAL E MÉTODOS
Os dados de rastreamento foram extraídos do DATASUS Tabnet, uma plataforma online que disponibiliza informações sobre dados epidemiológicos, demográficos etc. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021)12. Exames citopatológicos realizados pelo SUS são registrados em dois principais sistemas: SISCAN (Sistema de Informação do Câncer) uma plataforma on-line; e SISCOLO (Sistema de Informação do Controle do Câncer do Colo do Útero). O DATASUS disponibiliza apenas os dados de exames registrados no SISCAN. Sendo assim, não foi possível incluir a totalidade de exames citopatológicos realizados pelo sistema público no período estudado. Os dados dos exames foram pesquisados segundo os critérios: população feminina rastreada entre janeiro de 2016 e setembro de 2021, população rastreada por região; motivo do exame; atipias escamosas, glandulares e outras atipias (entre janeiro de 2016 a setembro de 2021).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A tabela 1 mostra a quantidade dos exames citopatológicos registrados no SISCAN e obtidos pela plataforma DATASUS. É importante ressaltar que os dados de 2021 estão incompletos já que só foi possível coletá-los até setembro. Em 2020 houve redução acentuada na quantidade de exames realizados por motivo de rastreamento. Entretanto, observa-se maior proporção de exames realizados por motivo de repetição e parece não ter havido redução na proporção em exames realizados por motivo de seguimento em relação aos demais anos. Esse perfil provavelmente foi delineado sob influência da nota técnica emitida pelo INCA, que recomendou o adiamento do exame de Papanicolaou (INCA, 2020)9. Além disso, o medo de contrair a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 nas unidades de saúde tornou as pacientes elegíveis receosas em procurar os serviços de saúde para realizar o rastreamento (BASU et al., 2021)13. A tabela 1 também indica tendência de aumento de testes citopatológicos em 2021, podendo refletir um processo de retomada no rastreio citopatológico.
Na distribuição dos exames por faixa etária foi observada a realização do rastreio em meninas com idade igual ou abaixo dos 14 anos. Por ser uma doença de evolução lenta e com baixa incidência em mulheres abaixo dos 25 anos levanta-se o questionamento da necessidade e dos motivos que levam à execução do rastreio do câncer cervical em uma população tão jovem (SAWAYA; HUCHKO, 2017; DECEW et al., 2013)4,14. Uma hipótese seria o caráter oportunista do rastreio citopatológico no Brasil, motivando a realização do exame por outros objetivos que não necessariamente o rastreio do câncer (INCA, 2016)8. Um estudo publicado em 2021 na França avaliou a realização do rastreio em mulheres abaixo dos 25 anos através de um banco de dados epidemiológico. O estudo concluiu que a execução do rastreamento em idades precoces resulta em intervenções desnecessárias e traz poucos benefícios na detecção de lesões pré-neoplásicas em uma população com baixa incidência para esse câncer (MIGNOT et al., 2021)15. De forma semelhante, Campaner e Fernandes (2021)16 demonstraram que apesar da alta prevalência de citologias anormais em mulheres de até 24 anos, a maior parte desses exames correspondeu a lesões de baixo grau. Portanto, o rastreio em mulheres e meninas abaixo dessa faixa etária pode trazer poucos benefícios na detecção do câncer cervical e resultar em intervenções excessivas que podem afetar a vida reprodutiva dessas jovens. Todas as regiões apresentaram menor registro de exames cadastrados no DATASUS em 2020 em relação aos anos anteriores, conforme mostrado na tabela 1.
Os dados da tabela 2 mostram que em comparação aos anos anteriores, no ano de 2020 foram detectados menor número de lesões, porém as frequências de lesões parecem ter tido um aumento discreto. Isso pode ter ocorrido pelo fato de que a quantidade de mulheres que realizaram exame citopatológico por motivo de rastreamento ter diminuído em maior proporção do que os exames realizados por motivo de repetição em relação aos demais anos. A história natural do câncer do colo do útero se caracteriza por um longo período de ocorrência de lesões precursoras assintomáticas com altas taxas de regressão espontânea, justificando o início do rastreio na fase adulta (SELLORS; SANKARANARAYANAN; OPAS, 2004; INCA, 2016)5,8. Considerando isso, apesar da diminuição da quantidade de atipias e lesões detectadas no período avaliado por este estudo, o adiamento temporário da realização do rastreio em mulheres mais jovens ou com lesões menos graves (ASC-US, LSIL e AGC) pode não prejudicar essas mulheres. Entretanto, serão necessários mais estudos para avaliar se esta redução irá se refletir em aumento de casos de câncer do colo uterino nos próximos anos. Segundo o INCA, regiões norte e nordeste têm as menores taxas de cobertura e alta mortalidade pelo câncer do colo do útero, portanto devem-se reforçar as políticas de rastreio em regiões com baixa cobertura, pois nesses locais a população feminina pode ter mais risco de não ter suas lesões pré-neoplásicas detectadas precocemente (INCA, 2021b)17.
CONCLUSÃO
O período de pandemia afetou a quantidade de exames realizados pelo SUS e disponibilizados pelo DATASUS. A redução de ocorreu principalmente pelo por motivo de rastreamento e em termos de proporção observou-se maior frequência de mulheres que realizaram citologia por motivo de repetição e frequência semelhante aos demais anos por motivo de seguimento. Houve diminuição na quantidade de lesões pré-neoplásicas detectadas. Mulheres com idade fora da recomendação de rastreamento continuaram a realizar exames citopatológicos, ainda que em menor quantidade mesmo durante a pandemia.
REFERÊNCIAS
1. INCA. Câncer do colo do útero, nov. 2021a. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-do-colo-do-utero>. Acesso em: 3 out. 2021.
2. OLUSOLA, P; BANERJEE, H.N.; PHILLEY, J.V; DASGUPTA, S. Human Papilloma Virus- Associated Cervical Cancer and Health Disparities. Cells, v. 622, n. 8, p. 14–16, 2019.
3.HU, Z.; MA, D. The precision prevention and therapy of HPV-related cervical cancer: new concepts and clinical implications. Cancer Medicine, v. 7, n. 10, p. 5217–5236, 2018.
4. SAWAYA, G. F.; HUCHKO, M. J. Cervical Cancer Screening. Medical Clinics of North America, v. 101, n. 4, p. 743–753, 2017.
5. SELLORS, J. W.; SANKARANARAYANAN, RENGASWAMY.; OPAS. Colposcopia e tratamento da neoplasia intra-epitelial cervical: manual para principiantes. [s.l.] Centro Internacional de Pesquisas sobre o Câncer, 2004.
6. JOHNSON, C. A. et al. Seminars in Oncology Nursing Cervical Cancer: An Overview of Pathophysiology and Management. Seminars in Oncology Nursing, v. 35, n. 2, p. 166–
174, 2019.
7. MAURA, G. et al. Cervical cancer screening and subsequent procedures in women under the age of 25 years between 2007 and 2013 in France: A nationwide French healthcare database study. European Journal of Cancer Prevention, v. 27, n. 5, p. 479–485, 1 set. 2018.
8.INCA. Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero 2ª edição revista, ampliada e atualizada. 2. ed., 2016.
9.INCA. Diretrizes para adiamento de diagnóstico de cancer (março), mar. 2020. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/publicacoes/notas-tecnicas/deteccao-precoce-de-cancer-durante-pandemia-de-covid-19>. Acesso em: 4 out. 2021.
10. CASTANON, A. et al. Cervical screening during the COVID-19 pandemic: optimising recovery strategies. The Lancet Public Health, v. 6, n. 7, p. e522–e527, 1 jul. 2021.
11. WENTZENSEN, N.; CLARKE, M. A.; PERKINS, R. B. Impact of COVID-19 on cervical cancer screening: Challenges and opportunities to improving resilience and reduce
disparities. Preventive Medicine, v. 151, n. February, p. 106596, 2021.
12. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Tabnet. Disponível em: <https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/>. Acesso em: 1 nov. 2021a.
13. BASU, P. et al. Cancer Screening in the Coronavirus Pandemic Era: Adjusting to a New Situation. JCO Global Oncol, v. 7, p. 416–424, 2021.
14. DECEW, A. E. et al. The Prevalence of HPV Associated Cervical Intraepithelial Neoplasia in Women under Age 21: Who Will Be Missed under the New Cervical Cancer Screening Guidelines? Journal of Pediatric and Adolescent Gynecology, v. 26, n. 6, p. 346–349, 2013.
15.MIGNOT, S. et al. Correlates of premature pap test screening, under 25 years old: analysis of data from the CONSTANCES cohort study. BMC Public Health, v. 21, n. 1, p. 1–9, 2021.
16. CAMPANER, A. B.; FERNANDES, G. L. Cervical Cancer Screening of Adolescents and Young Women: Further Evidence Shows a Lack of Clinical Value. Journal of Pediatric and Adolescent Gynecology, v. 34, n. 1, p. 6–11, 1 fev. 2021.
17. INCA. Mortalidade Câncer do Colo do Útero, out. 2021b. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/controle-do-cancer-do-colo-do-utero/dados-e-numeros/mortalidade>. Acesso em: 12 dez. 2021.